sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Bairro que leva nome de Hugo Chávez em Bogotá esconde passado obscuro

 

  
Há um “Hugo Chávez” que vive em Bogotá, na Colômbia. Esquecido durante anos, hoje ele se tornou famoso com toda a comoção que movimenta a vizinha Venezuela. É um jovem bairro na periferia da capital colombiana. Ninguém sabe quem foi o autor dessa homenagem que, certamente, o verdadeiro Chávez não conhece.
Construída inicialmente com latas, logo substituídas por blocos de concreto, a capela do bairro Hugo Chávez, que ficou conhecida após as várias missas pela saúde do presidente venezuelano, está dentro de um prédio interligado, localizado na rua principal - e única asfaltada – onde um banner com a imagem do “comandante” dá as boas vindas a amigos e visitantes.
“O bairro Hugo Chávez, por favor?”. “Ah, sim, é lá do outro lado do manguezal”, respondem moradores da localidade de Engativa, apontando para um conjunto de casas feitas com tijolos baratos que está a menos de cem metros. É preciso dar uma volta que leva mais de 20 minutos de carro por vias estreitas e alguns prédios, a maioria ainda em construção.
Veículos passam a ser substituídos por bicicletas-táxi, enquanto fica cada vez mais evidente a presença de carroças puxadas por cavalos, cujos donos dedicam a vida inteira à venda de sucata, material de reciclagem e transporte de inúmeros itens. Algumas quadras ao leste da cidade, num local que poucas pessoas sabem dizer a localização exata, como se fosse uma improvável e fria Maracaibo, o bairro tem entre seus limites naturais não um lago, mas um manguezal: o Jaboque, em cujas imediações o bairro foi erguido em dois anos, com sua paróquia e tudo, como que para não deixar dúvidas de sua legalidade diante de Deus e dos homens.
A igreja de San Miguel Arcángel tem sido testemunha silenciosa das correntes de orações promovidas desde que se soube que Chávez seria operado do câncer. Essas missas começaram a chamar a atenção dos meios de comunicação pelo fato de estar em um bairro dentro de uma cidade inclinada a chamar seus bairros com nomes de cidades ou regiões da Europa: Bella Suiza, Venecia, Lisboa, Alhambra, Ciudad Londres, Islandia ou Germania, para citar alguns.
Hugo Chávez é nome de bairro em Bogotá, na ColômbiaClique no link para iniciar o vídeo
Hugo Chávez é nome de bairro em Bogotá, na Colômbia
O nome causou polêmica e, por isso, é difícil passar uma semana sem que uma câmera apareça no local, fazendo de imediato que a maioria de seus escassos moradores se coloquem em guarda. Como explica Roberto Muñoz, um dos membros do conselho local, “estamos cansados de todas as mentiras que dizem sobre o bairro, sobre ser ‘pirata’, porque aqui nós fizemos tudo legalmente”.
Um local com todas as leis?
“Aqui em San Miguel Arcángel fizemos várias missas para a saúde do presidente Hugo Chávez e alguns companheiros cristãos também fizeram orações”, diz Muñoz, indicando que, embora o bairro seja predominantemente católico, a capela também abriu as portas para algumas congregações cristãs realizarem seus cultos. Só que outras diferentes congregações de fiéis resolveram elevar suas preces a um “fim comum”.
Sobre este “fim”, os moradores não explicam e atribuem a mais uma loucura dos “senhores do conselho”, que poderia ser comparado a uma Assembleia. Assim como ocorre na Venezuela com Chávez, é notável a onipresença do conselheiro Mariano Porras, por conta de um polêmico programa de residências populares executado na área, chamado Unir I, no qual cerca de 160 pessoas estiveram a ponto de ser desalojadas em agosto de 1994.
Apesar de ter conseguido fazer uma urbanização de acordo com as leis, pressionado pelas autoridades do distrito e com a dúvida a respeito de se tratar ou não de uma “urbanização pirata”, Mariano orientou que começassem a construir o bairro de qualquer maneira no ano seguinte à expropriação, dando início a uma batalha judicial que se prolonga até hoje.
Corria o ano de 2005 e Porras era condenado a cumprir pena de sete anos de prisão pela aquisição irregular dos prédios Calandaima e Altamira, nos quais se executou posteriormente o projeto de moradias Unir I e Unir II, que formam o bairro inspirado no projeto político União Nacional Independente e Renovadora (Unir), baseado em uma sociedade que o ex-conselheiro não hesitou em batizar com o sugestivo nome de Vivenda Social Limitada, Visocol Ltda.
Segundo a decisão em segunda instância do Tribunal Superior do Distrito Judicial de Bogotá, entre as irregularidades encontradas estava a falta de aprovação do Departamento de Planificação Distrital dos planos dos prédios. O impulsor do projeto também não tinha permissão para realizar programas desse tipo.
Motivos não faltam para que seus moradores não queiram falar e prefiram quase sempre que os jornalistas se entendam com o poderoso conselho, cuja sede fica ao lado da igreja onde se celebram as missas que voltaram a chamar a atenção da imprensa sobre seu duvidoso passado. Isso, no entanto, não impediu que uma delegação do governo venezuelano e da Fundação Bolivariana percorresse as ruas embarradas da localidade.
A repercussão das missas no local foi tão grande que um representante da Embaixada da Venezuela na Colômbia assistiu uma dessas celebrações para expressar sua satisfação por cidadãos colombianos estarem tão preocupados com a saúde do “comandante”.
Apesar do visitante ilustre, da ajuda econômica para pavimentar as ruas e terminar outras obras, o bairro não recebeu apoio nem das autoridades venezuelanas, nem das bolivianas. Exceto, talvez, a construção de creches ou de um restaurante comunitário pela prefeitura local. Os moradores nunca pisaram na Venezuela – a exceção é um que, inclusive, tem nacionalidade deste país – e conhecem Chávez por razões óbvias, mas não sabem, em sua grande maioria, quem decidiu chamar o bairro assim.
“Por aqui há um ‘chiquinquireño’ que uma fez foi a Barinas (Estado venezuelano), conheceu a Venezuela e ficou encantadíssimo com o trabalho que Chávez está desenvolvendo com as classes menos favorecidas”, assegura Roberto Muñoz, ao exaltar o trabalho social que, há vários anos, vem desenvolvendo a Fundação Bolivariana com as muitas crianças que vagam a todo momento pelas ruas da localidade.
“Aqui todos nos conhecem graças ao doutor Hugo Chávez, porque se este bairro não se chamasse assim, não viria ninguém. Nem os chavistas, nem os bolivarianos, nem as pessoas que vivem nesse país”, afirma o líder comunitário.
Terra

2 comentários:

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