Há tantos burros mandando em homens de inteligência, que às vezes fico pensando, se a burrice não será uma ciência. Ruy Barbosa de Oliveira, político brasileiro
Foi notícia no Wamphula Fax de 12 de janeiro de 2011, edição n° 1252, página 2, sob o título “GOVERNO EMPENHADO NA DIVULGAÇÃO DA HISTÓRIA”, que me deixou tão estonteado a ponto de procrastinar para as próximas edições a crónica sobre o alvoroto popular na Tunísia. A questão da Tunísia deve ser encarada da seguinte maneira: Quando um povo é pontapeado pelos seus governantes, leve o tempo que levar, há sempre um dia em que a factura chega e paga-se muito caro. No tribunal popular (entenda-se do povo), não há espaço para complacência. O voto é substituído pelas artes marciais, porque “o povo é quem mais ordena”. Os regimes democráticos nos discursos, mas déspotas nas acções, que se acautelem porque as revoluções populares, por mais infrutíferas que sejam, são como sarnas que é transmitida ao mais pequeno toque e com o agravante de que cada regime, cada país, coça-se a si próprio.
A notícia é esta: A história e património da Luta Armada de
Libertação Nacional, foi mais divulgada junto das instituições e
comunidades durante o ano findo em Nampula, segundo um balanço
político feito recentemente pelo executivo provincial, que para o
efeito, aponta a realização de um total 226 palestras, contra 124
realizadas no ano anterior e que estão a ser promovidas em coordenação
com a Direcção Provincial para os Assuntos dos Antigos Combatentes.
Fiquei estonteado com a notícia porque não sei ao certo de que
história é que o governo fala! Da Frelimo ou da FRELIMO, pois entre os
dois movimentos há uma diferença abismal muito grande. Se tivesse que
contabilizar o número de versões oficiais que me foram transmitindo ao
longo da minha formatura em três ciclos de ensino e que ainda hoje parte
dessas versões oficiais “jazem” nos manuais de ensino no país (que o
Sistema jurava até muito recentemente de pés juntos como sendo a
verdadeira História de Moçambique), fosse eu um enfermo, talvez já
tivesse morrido de excesso de dosagem falseada. Mesmo entre os
“Camaradas”, a “verdade” sobre a história da Luta Armada de Libertação
Nacional já não rima como acontecia no esplendor do tempo da ditadura
samoriana. Na actualidade, conforme o despertar e o bocejar do dia, cada
um lança sobre a sociedade civil aquilo que diz ser a verdadeira
História de Moçambique.
À partida, julgo não ser sensato por parte do governo que se gaste
balúrdio de dinheiro em palestras, em “reuniões de claques” e em outras
comodidades próprias de aguçar os apetites de poucos escolhidos de
muitas sinecuras que desfilam na nossa pérola do Índico, em mitologias
ou em embustes históricos, capaz de assustar a um morto. De que serve
divulgar uma história com meias verdades? Quando não se pode divulgar a
verdade então não vale a pena promover a mentira.
Não se pode escrever um passado histórico credível sobre a Luta Armada de Libertação Nacional com homilias partidárias.
A Luta Armada de Libertação Nacional não tem étnia, não é sectário de
nenhum partido político ou religioso, tão-pouco de nenhuma organização,
fundação ou filiação partidária, não é de uns em detrimentos de outros,
não é de quem deu ou deixou de dar o primeiro tiro, não é de general X
ou coronel Y, não é de ALGUÉM em especial, senão do POVO MOÇAMBICANO,
independentemente das condições físicas, raciais, etárias, étnicas ou
políticas em que o sujeito se encontra (r). É de TODOS nós. Mesmo dos
que ainda estão por vir.
Ela deve ser contada por aqueles que viveram, vivem, e pelos que
virão, e não pelos apetites do momento de um determinado grupo de
elites. Em certos países (daí o meu questionar sobre a legitimidade do
governo nesta iniciativa) o passado histórico nacional é soberano e
ultrapassa a barreira de qualquer direcção provincial. É instalada uma
comissão mista independente, sem qualquer fronteira partidária, com o
intuito de trazer à superfície a verdade relativa sobre o passado
histórico em estudo. Noutros países ainda, são os órgãos de comunicação
social independentes; as universidades públicas e privadas, as academias
e outras “maternidades institucionais” (independentes do governo do
dia) que estão por detrás deste tipo de iniciativas.
Portanto, iniciativas deste tipo não devem ser feitas em ‘banho
maria’ (às escondidas), sob pena de se perpetuar a mentira. Este é o
grande mal que carcoma a nossa história. Que se publiquem as entrevistas
feitas, os depoimentos, as auscultações, os documentos recolhidos,
etc., de modo a que toda a gente possa dialogar, confrontar e
confessar-se com os dados disponíveis, e mais: para dissipar dúvidas,
aceitar ou negar os factos apresentados, pois ninguém é dono da verdade.
Ninguém tem a verdade absoluta.
Onde está a sociedade civil neste processo?
Meia centenas de pessoas???
Mais adiante, na mesma notícia, lê-se: “Estamos satisfeitos por
constatarmos que no ano passado a história e o património da Luta Armada
de Libertação Nacional foi mais divulgada, abrangeu muita gente na
província de Nampula. Os jovens e a sociedade em geral precisam de
conhecer esta história para que possam transmitir as gerações
vindouras”, disse um membro do governo provincial. (sic).
Às vezes é preciso ter o descaramento moral de assumir e reconhecer à
inabilidade de alguns projectos lançados para, como tem sido esteira no
nosso país, fazer a estatística; o que não significa, no meu entender,
estar a cometer um erro capital, pelo contrário, é ter a nobreza de
reconhecer o mal para melhor redefinir o caminho que se está a
percorrer.
Sendo assim, penso que não fica mal ao executivo de Felismino Tocoli e
de outros governantes provinciais entretidos na mesma iniciativa (de
forma tendenciosa) em reconhecer este erro e fazer um marcha-atrás na
iniciativa. Quem tiver alguma dúvida que vá à página da Internet do
governo provincial de Nampula (www.nampula.gov.mz ), para ver se encontra alguma informação relacionada com a história e o património da Luta Armada de Libertação Nacional. Absolutamente nada!!!
Ademais, de que património o governo está a falar? O secretário-geral
da Frelimo, Filipe Paúnde, publicado no SAVANA (Semanário Independente)
n° 868, de 27 de Agosto de 2010, foi peremptório no seguinte
pronunciamento: a situação do Museu da Revolução é semelhante a do Chai, onde todos entram e saem, apesar de ser pertença do partido Frelimo. O que não queremos é que o museu seja gerido por pessoas estranhas ao nosso partido.”
Para depois acrescentar “Quem não quiser entrar que não
entre. Mas o Museu é nosso e continuará a ser nosso para sempre. A
pretensão é que tudo o que sempre foi nosso volte a ser nosso. Dito isto, urge perguntar: AFINAL DE QUEM É O PATRIMÓNIO DA LUTA ARMADA DE LIBERTAÇÃO NACIONAL? Está para nascer no mundo um país em que um determinado partido político no governo nacionaliza, a seu favor, os bens do Estado. Conforme tenho dito nas palestras com os meus sobrinhos, isto não é grave: o que é do povo, cedo ou tarde, ao povo voltará. Ninguém (nem nenhum partido político do mundo) pode exercer o poder vitaliciamente. Que o diga os reis faraónicos, etc.
E para concluir, lê-se: Ao longo do período em analise,
foram atribuídas 43 bolsas de estudo aos dependentes dos combatentes da
luta armada de libertação nacional, enquanto que 306 beneficiaram de
isenção de pagamento de taxas de propinas nos estabelecimentos de ensino
secundário e superior públicos, como são os casos das Universidades
Eduardo Mondlane, Universidade Pedagógica e UniLúrio.
Acho bem que se tenha de atribuir bolsas de estudos aos dependentes
dos combatentes da Luta Armada de Libertação Nacional. O que não
concordo é o critério de atribuição dessas bolsas. Não tem havido uma
selecção rigorosa e transparente de modo a que sejam os carenciados a
beneficiarem de apoio do governo, e não aqueles que vão para as
universidades de Audis ou Pajeros, só porque são filhos, netos,
sobrinhos, primos ou enteados dos antigos combatentes. E as nossas
universidades estão cheias de casos desses.
Assim vai a nossa pérola do Índico. Terá ou não razão o político Ruy Barbosa???
‘Kochikuro’ (Obrigado).
WAMPHULA FAX – 20.01.2011
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