Wednesday, August 29, 2012

Afirmações de alguns políticos sobre o abandono do Ultramar a que chamaram "descolonização"


  Afirmações de alguns políticos sobre o
abandono do Ultramar a que chamaram "descolonização"

 

  A intervenção que vai seguir-se  poderá parecer que não cabe bem no âmbito de um Congresso deste tipo.
Mas, na realidade, todos os problemas e reivindicações aqui apresentados tiveram uma origem comum: o trágico abandono do Ultramar a que pretensamente se convencionou  chamar « descolonização ».
Por outro lado, chega até nós a revolta dos Espoliados  do Ultramar por recentes atitudes com que, despudoradamente , se pretende calar as nossas desgraças ou minimizar as nossas dificuldades.
Entendemos, por tudo isto, que seria oportuna e bem aceite neste Congresso qualquer contribuição que viesse esclarecer os portugueses íntegros, das posições publicamente assumidas sobre o Ultramar por alguns destacados políticos que, em 1974 e 1975, representavam o Estado Português.
As declarações que vamos ler --- uma pequena amostra, pois o tempo que nos é concedido  mais não permite, ficando o restante para publicação na revista do Congresso --- foram recolhidas da imprensa diária dessa altura, em especial  do insuspeito « Diário de Notícias ».
Serão, em grande parte, uma surpresa para todos  vós, que nesses recuados e conturbados tempos, estáveis mais preocupados com a sobrevivência  própria e dos vossos familiares, do que com as afirmações de políticos recém-nascidos em quem até muitos de nós chegámos a acreditar, movidos pela esperança de  que teriam a capacidade de conseguir o que era fácil : um futuro comum melhor, em África, para africanos e europeus.
 
Pedimos, pois, a vossa atenção:
Extracto de parte da Proclamação ao País, lida pelo General de Spínola, como presidente da Junta de Salvação Nacional, às primeiras horas do dia 26/04/74:
«... a Junta de Salvação Nacional, a que presido, constituída  por imperativo de assegurar a ordem e de dirigir o País para a definição  e consecução de verdadeiros objectivos nacionais, assume perante o mesmo o compromisso de : Garantir a sobrevivência   da Nação, como Pátria Soberana  no seu todo  pluricontinental.» 
Seguem-se mais sete parágrafos, sendo este o único que interessa citar.
 
Declarações do General Costa Gomes, representando a J. S. N., no dia 04/05/74, em Luanda:
« Quis o destino que seja precisamente na maior parcela do Portugal de  hoje que sinta a obrigação de exprimir em público uma interpretação sincera do fenómeno político agora em curso.» 
«Nenhuma província, nenhum grupo e nenhuma raça terão permissão para impor uma solução  aos nossos problemas políticos que não tenha passado pelo crivo de um teste democrático.»
« É nossa intenção continuar  a  lutar contra as guerrilhas  e essa posição  manter-se-á  até que os guerrilheiros aceitem a nossa oferta para  depor   as armas e se apresentem como um partido político legal.» 
Palavras de saudação aos moçambicanos do General Costa Gomes, à chegada a Lourenço  Marques, no dia 10/05/74:
« Quis a Junta de salvação  Nacional significar o seu alto apreço ao povo moçambicano e fazer  sentir ao Mundo que Portugal europeu continua firme e determinado no seu apoio aos irmãos ultramarinos. Nesta intenção radica a minha viagem e do general Diogo  Neto que, em nome da junta de Salvação  Nacional, saudamos um povo irmão que desejamos próspero, feliz e pacífico.» 
Extracto da conferência de imprensa dada pelo General Costa Gomes, em   Lourenço Marques, no dia 11/05/74:
« Teria havido quem admitisse que o Movimento das Forças Armadas tudo planeara para fugir ao sofrimento da guerra, teria havia quem se convencesse que esta revolução equivaleria à entrega imediata e incondicional dos povos irmãos do Ultramar, teria havido desesperos doentios de onde brotaram planos inconsequentes de independências unilaterais, teriam também existido ingénuos que trocaram pesadelos  de tímidos pelo sonho de um navio com apartamento familiar e com porão largo para bagagens abastadas. Pois bem, que fique definido de uma vez para sempre que os homens do Movimento das Forças Armadas  e a Junta de Salvação Nacional que elegeram são o conjunto humano com provas dadas no mato e na rectaguarda, jamais negaremos apoio em todos os campos aos povos irmãos do Ultramar.»  
« Desde o inicio que Portugal subscreveu a Carta das Nações Unidas, em cujo clausulado se vincou ao respeito pela autodeterminação dos povos. A Junta de Salvação Nacional é garante desse principio entendido em termos de direito internacional à luz do qual o povo moçambicano oportunamente decidirá o seu destino. Poderão, então, escolher entre um extremo da independência completa e outro extremo da integração total. Verdade seja que não é nos extremos que reside a virtude e que pessoalmente acredito que o povo de Moçambique saberá  encontrar o equilíbrio num figurino original de enquadramento político no grande espaço  português.» 
E, a terminar:
«... Portugal europeu está disposto a apoiar incondicionalmente o povo de Moçambique em todos os campos e em todas  as dificuldades.  Repetindo a ideia: por um Moçambique livre e autodeterminado estamos mais do que nunca dispostos a todo o tipo de sacrifício. Saudamos a nova era, em que homens de todas as cores, etnias e credos, são mais livres ao saudar a bandeira verde-rubra.» 
Durante a conferência de imprensa  que se seguiu e em resposta à questão posta por um jornalista estrangeiro ( «Se a Frelimo não aceitar as condições propostas, o exército estará preparado para continuar indefinidamente a luta e aumentar a sua intensidade»), respondeu o General  Costa Gomes:
«Se a Frelimo não aceitar esta oferta que é feita com a maior sinceridade e com o espírito mais aberto, o exército não tem outra solução se não continuar a luta e intensificá-la se possível.» 
E, quando outro jornalista lhe perguntou « qual  a reacção do povo português  e dos partidos políticos em formação em Portugal no caso da guerra se intensificar  por a Frelimo não aceitar as condições estabelecidas», respondeu:
«O povo português está preparado exactamente para mais essa prova que, por todos os meios, desejaríamos evitar, dando as maiores facilidades a todos os partidos para entrarem numa era de paz, numa era onde todos possamos esquecer amarguras antigas e realmente dar as mãos para a construção de um futuro novo.» 
Palavras do Dr. Almeida Santos, aos  Órgãos de Informação, no dia 04/06/74:
« Angola e Moçambique aceitaram com júbilo autodeterminarem o seu destino.» 
« Receiam alguns  que as negociações ponham em risco aquilo que são, que têm, ou de que dependem. Afligem-se sem lógica, e o mais das vezes sem razão. Antes da ofensiva de paz, em boa hora encetada, e que começou a produzir os seus frutos, repousavam sobre uma bomba de espoleta retardada.» 
« O movimento de 25 de Abril despoletou-a e pôs em marcha de edificação  de novos equilíbrios  políticos, sociais e económicos.» 
Palavras do General Spínola, na qualidade de P.R., ao conferir posse aos novos Governadores  Gerais de Angola  e Moçambique, General Sílvio Silvério  Marques  e Dr. Soares de Melo, em 11/06/74:
«... entendo por autodeterminação o exercício  da capacidade dos cidadãos de  uma sociedade para elegerem o estatuto por que hão reger-se, a soberania  que desejam reconhecer  e a forma  de vida em comum que pretendem prosseguir --- enfim, para praticarem actos decorrentes de uma vontade individual ou social livre e conscientemente formada.»  
e mais adiante:
« Temos, assim, de concluir que, não se encontrando  instituições democráticas em funcionamento nos territórios ultramarinos, e estando por isso as suas gentes ainda privadas de formas eficazes de expressão e de  participação o que hoje se entende por independência imediata seria a mais gritante negação dos ideais democráticos universalmente aceites  e nos quais se inspirou o Movimento das Forças Armadas.»
e continuou:
« Poderão, pois, estar tranquilos os africanos que se mantiverem neutros, porque não lhes será negado, por essa razão, o direito de optar. Poderão estar tranquilos os africanos que se nos confiaram e ao nosso lado combateram, tendo já feito a sua opção. Poderão estar tranquilos os europeus que chamam à África a sua terra e ali se sentem  cidadãos como quaisquer outros:  não os abandonaremos  na cobarde procura do fácil e na  demagógica busca de popularidade. Poderão também estar tranquilos quantos vêm lutando pelo direito à autodeterminação, pois que a sua vontade será feita pela vontade das maiorias. A todos garantiremos que nessa hora grande serão chamados, sem excepção, a dar  o seu voto.» 
Palavras do Dr. Mário Soares, no Comício do Partido Socialista, em Cascais, no dia  19/07/74:
«O processo de descolonização  está a ser desencadeado com a celeridade que é possível  e de molde a garantir o património daqueles portugueses que ajudaram a desenvolver os territórios africanos.» 
No dia 27/07/74, no nº 174,I Série, do Diário do Governo, é publicado um  Suplemento com a Lei nº 7/74, pelo qual se « esclarece o alcance do nº 8 do capítulo  B do programa do M. F. A.».
Da lei nº 7/74, constam os seguintes Artigos:
Art.º 1º
O princípio de que a solução das guerras no ultramar é política e não militar, consagrado no nº 8, do capítulo B, do programa do Movimento da Forças Armadas, implica, de acordo com a Carta das Nações Unidas, o reconhecer por Portugal do direito dos povos à autodeterminação 
Art.º 2º
O reconhecimento do direito à autodeterminação, com todas as suas consequências, inclui a aceitação da independência dos territórios ultramarinos e a  derrogação da parte correspondente do art.º 1.º da Constituição Política  de 1933.
Art.º 3.º
Compete ao Presidente da República, ouvidos a junta da Salvação Nacional, o Conselho de Estado e o Governo Provisório, concluir os acordos relativos ao exercício do direito reconhecido nos artigos anteriores.
 
Para se avaliar a importância da Lei N.º 7/74, em relação ao que  primitivamente havia sido disposto no Programa do M.F.A. em relação ao ultramar, transcrevemos o N.º 8, do capítulo B:
 8 - A política ultramarina do Governo Provisório, tendo em atenção que a sua definição competirá à Nação, orientar-se-á  pelos seguintes princípios: 
a) Reconhecimento de que a solução das guerras no ultramar é política, e não militar; 
b) Criação de condições para um debate franco e aberto, a nível nacional, do problema ultramarino; 
c) Lançamento dos fundamentos de uma política ultramarina que conduza à paz; 
Portanto, houve muito mais do que um « esclarecimento do alcance » do N.º  8, do P. M. A. pois pôs-se  de lado « o debate franco e aberto, a nível nacional, do problema ultramarino» e abriu-se caminho para, ao abrigo de uma « legalidade revolucionária» que contestamos, efectuar a entrega do Ultramar aos chamados Movimentos de Libertação.
 
 
 
No dia 27/07/74, o presidente da República, General Spínola, fala pela primeira vez aos portugueses sobre
 
« Reconhecimento imediato do direito à independência dos povos da Guiné, Angola e Moçambique.»
 
E faz as seguintes afirmações:
« A quantos sonharam, honestamente, com África Lusa, dirijo uma palavra de confiança nas novas perspectivas que se abrem e de tranquilidade  quanto  à segurança da vida que construíram na terra a que também chamam sua. 
Nada terão a recear, pois consideramo-nos em posição de poder confrontá-los  com a certeza de que as autoridades dos novos países honrarão o sentido de justiça decorrente do seu estatuto de nações pluriraciais  de expressão portuguesa.»
Kurt Waldheim,  então Secretário-Geral das Nações Unidas, vem a  Lisboa, em 28/08/74, a convite do Dr. Mário Soares, Ministro dos Negócios Estrangeiros, e este declara aos jornais:
« Sinto-me muito satisfeito que o Secretário-Geral das Nações Unidas tenha aceitado e concretizado finalmente o convite que eu lhe fiz em nome do Governo Português, quando estive com ele  em Nova Yorque, e que possa iniciar hoje esta visita, que terá, certamente, consequências históricas para Portugal e para o processo de descolonização  que, com o apoio e de acordo com os princípios das Nações Unidas, se começa neste momento a concretizar.» 
A finalizar a visita do Secretário-geral das Nações Unidas, Kurt Waldheim, a Portugal, o Departamento de Informação Pública das Nações Unidas publicou um comunicado, do qual transcrevemos os pontos de interesse:
1 - O governo Português reafirma as suas obrigações quanto ao capítulo XI da Carta das Nações Unidas e em conformidade com a Resolução  N.º 1514 (XI) da Assembleia Geral, que contem a « Declaração sobre a concessão de independência aos povos e territórios coloniais», e neste sentido decide cooperar plenamente com as Nações Unidas no que respeita à aplicação das disposições dos mencionados capítulos, declaração e relevantes  resoluções acerca dos territórios sob administração portuguesa. 
5 - O Governo Português reconhece o direito do povo de Moçambique à autodeterminação e independência e está disposto a aplicar as decisões das Nações Unidas a este respeito. 
O Governo Português, com vista à execução desta declaração de princípio, e no prosseguimento dos contactos anteriormente havidos, tomará medidas imediatas para entrar em negociações com representantes da Frelimo  para  acelerar o processo de independência daquele território. 
6  - O Governo Português reconhece o direito à autodeterminação e  independência do povo de Angola e está disposto a aplicar as decisões das Nações  Unidas a este respeito. O Governo Português tem intenção de estabelecer, em breve, contactos com os movimentos de libertação de modo a poderem iniciar-se, logo que possível, negociações formais. 
Em termos semelhantes é feita referência a Guiné-Bissau, Cabo Verde e  São Tomé e Príncipe.
E o comunicado termina com o parágrafo
8 - O Governo Português manifesta a esperança de que uma  vez que adoptou medidas concretas para  respeitar as disposições da Resolução N.º 1514 ( XI ), a Assembleia Geral da Nações Unidas possa reconsiderar as suas anteriores decisões  sobre o assunto e dar a Portugal a possibilidade de participar  plenamente nos programas social, económico, financeiro e técnico das Nações Unidas e das agências especializadas, bem como participar das actividades daqueles órgãos. 
Em 07/08/74, o Prof. Veiga Simão, embaixador de Portugal  junto da  O. N. U., após a visita de K.  Waldheim, disse o seguinte:
« Podemos estar confiantes, daqui para o futuro é só acertar  pormenores. Um passo histórico foi dado. Temos o apoio das Nações Unidas e a boa vontade do Mundo. Estamos confiantes, repito, de que tudo chegará a bom termo. 
Os « hábeis» políticos portugueses continuaram dando preferência e insistindo nas negociações directas  com  os chamados « movimentos de libertação »  liderados por uns escassos centos de janotas bem vestidos, bem nutridos  e bem falantes,  ignorando as ofertas da nossa velha aliada Inglaterra em nos apoiar com conselheiros experientes em anteriores situações de descolonização.
 
E, numa atitude de total falta de experiência como negociadores (ou de obediência a nebulosos interesses?), deixa-se perder a histórica e soberana oportunidade de entregar à O.N.U.  a responsabilidade e os altos custos da nossa descolonização  - , já que este Organismo havia sido o mais empenhado - até com o recurso a sanções!  - em forçar Portugal a abandonar os seus territórios do Ultramar.
O seguinte parágrafo consta do Comunicado de 09/08/74, da Junta de Salvação  Nacional de Angola:
N.º 5 --- A junta de Salvação Nacional reitera  solenemente, perante toda a população de Angola, que o Governo Provisório tomará todas as medidas necessárias a salvaguardar a vida e os haveres dos residentes de Angola de qualquer cor ou credos de acordo com o Programa do Movimento das Forças Armadas.» 
À partida de Lisboa para Lusaka, em 04/09/74, o Dr. Mário  Soares, como Ministro dos Negócios Estrangeiros, faz as seguintes declarações:
« Parto bastante optimista para as conversações de Lusaka.  Durante mais de três meses fizemos um extenso  trabalho, no sentido de podermos chegar agora a um acordo com a Frelimo. O brigadeiro Otelo de Carvalho e eu tivemos um  primeiro encontro em Lusaka com  Samora Machel, depois registaram-se outros contactos a vários níveis: o major Melo Antunes fez duas visitas a Dar-Es-Salam onde também esteve o ministro Almeida Santos e eu  para conversações com o presidente da Frelimo; tudo isto constitui os pontos fundamentais para um acordo, acordo esse do qual sairá, espero, um Governo de Transição. 
E afirmou ainda:
« Os acordos de cooperação que estão em estudo são muito vastos e posso dizer que os interesses de portugueses,  que são legítimos e reconhecido pela própria Frelimo,  serão devidamente acautelados.  Partimos pois, todos   nós, com uma perspectiva  optimista e com grande confiança .» 
No livro « Conversas com Adelino da Palma Carlos», de Helena Sanches Osório, a pág. 54, diz-se que o Dr. Mário Soares e o Dr. Almeida Santos, no regresso de Lusaka, se queixaram ao Presidente da República, general Spínola, de que  « não  tinham sido ouvidos para coisa nenhuma» e ainda que « Melo Antunes decidira tudo, sozinho, com a Frelimo».
Não temos o direito de duvidar desta afirmação do insigne professor, aliás, até hoje nunca desmentida, segundo a qual o general Spínola teria  reagido com o seguinte brado « Se apanho Melo Antunes, mando-o fuzilar aqui mesmo, no Palácio de Belém» ( pág. 54, da obra citada).
É evidente que a delegação portuguesa enviada a Lusaka exorbitou as suas funções. A despeito disto, o acordo de Lusaka foi assinado pelos oito representantes do Estado Português  no dia 07/09/74 e aprovado depois de ouvidos a Junta  de Salvação Nacional, o Conselho de Estado e o Governo  provisório, nos termos do art.º 3 da Lei .N.º 7/74, I Série de Julho.
No dia 09/07/74 recebeu a assinatura do Presidente da  República, general António Spínola e foi publicado na Boletim Oficial N.º 117, I Série, de 10/10/74.
Devem ser muito fortes os argumentos de que Melo Antunes se serviu para convencer todos os interventores aqui indicados e o próprio  Presidente da República. E ainda continuar por muitos anos nas altas esferas da política portuguesa.
Tão « fortes » que, quando forem tornados públicos, farão tremer de raiva todos os portugueses dignos.
Restou-nos esta  triste realidade: do  Acordo de Lusaka  não consta uma única palavra que comprometa a Frelimo a respeitar depois da independência os bens e interesses legítimos dos portugueses domiciliados em Moçambique ( como quatro meses mais tarde foi adoptado no Art.º 54.º,do Acordo do Alvor ). 
E ficamos pasmados quando, atentos a estes erros colossais que  afectaram terrivelmente as nossas vidas e tiveram trágicas consequências em Angola e Moçambique, ouvimos em 1990, o Dr. Mário Soares afirmar publicamente que NÃO ESTÁ ARREPENDIDO DO QUE FEZ E QUE, SE HOJE TIVESSE DE VOLTAR ATRÁS, TORNARIA A COMETER AS ACÇÕES QUE PRATICOU!... 
Fingindo ignorar os infelizes termos em que também ele assinou ( sem negociar !) o Acordo de Lusaka, no prefácio do livro « Soares --- Portugal e a liberdade»,  o Dr. Almeida Santos, procurou sem êxito aliviar responsabilidades comuns e escreveu:
« Os negociantes políticos limitaram-se a certificar o óbito das soluções militares, a juntar os cacos das ilusões perdidas, a salvar a face  de uma grande Pátria com uma grande História.» 
E, em seguida, tem o despudor de afirmar ( pág. 16):
« De resto, bom é que se não se esqueça que Mário Soares nada teve a ver com a fase da descolonização posterior aos acordos, ou seja a fase da transição para a independência - com os correspondentes governos transitórios - traduzida no ensarilhar das armas, na outorga progressiva das prerrogativas da soberania às novas autoridades, na transferência dos serviços, no apear das fotografias, na efectiva protecção das pessoas, dos interesses e dos bens. Quem  reler  hoje os acordos firmados, concluirá, que apesar de tudo, o mal não estava neles.» 
É nomeado Alto Comissário de Moçambique o contra-almirante, Vítor Crespo. No seu acto de posse, em 10/09/74, o Presidente da República, General Spínola, afirma a dado passo:
« Conhece V. Exa. o meu pensamento sobre a descolonização, conhece igualmente o pensamento da Frelimo e do povo moçambicano. Conhece, assim, o complexo de condicionalismos que estão na base do desvio que aceitámos  da  linha do processo de descolonização que idealizámos, desvio que está na origem da incompreensão dos que desconhecem os meandros dramáticos da hora histórica que vivemos. 
Este conhecimento da realidade viva dos factos e as altas qualidades de inteligência que certamente estiveram na base da escolha para o cargo que vai ocupar, são garante de que V. Exa. reúne as qualidades necessárias para o cabal desempenho da complexa missão de conduzir o processo de descolonização de Moçambique, em paz, em ordem, com dignidade, com patriotismo, no respeito pelo nosso passado,  pelos nossos maiores de África e, acima de tudo, pela bandeira verde-rubra  da Pátria Portuguesa, para que o novo Estado de Moçambique venha a ser efectivamente uma Nação de expressão lusa e indestrutivelmente  ligada à sua MÂE PÁTRIA.» 
Em resposta e entre palavras de circunstância, Vítor Crespo disse:
« Calculam V. Exas.  como, por isso, me entristeceu ter nos últimos dias assistido ao desencadear de uma onda descontrolada de reacção, provocada por alguns elementos activistas que ainda não quiseram entender que o futuro de Moçambique passa obrigatoriamente pela sua descolonização e independência, desde que assegurados os interesses legítimos dos portugueses que naquelas terras ajudaram a construir em paz e com o trabalho humilde e honesto de tantas gerações, a realidade que é Moçambique.» 
Uns dias antes, em 06/09/74, após terem concluído o Acordo «que satisfez ambas as partes» e o qual seria assinado no dia seguinte, o secretário da Defesa e da Segurança do Movimento de Libertação de Moçambique, Joaquim Chissano, teria dito aos jornalistas:
« Estamos muito satisfeitos. Não encontramos dificuldades na fase final das negociações. Correram melhor do que esperávamos.» 
Na sua mensagem de renúncia, em 30/09/74, o gerente Spínola aponta como um dos motivos « a desvirtuação do ideário do Movimento das Forças Armadas» e acrescenta:
« Após profunda e demora reflexão tomei a nítida consciência de não estarmos a caminhar para o país novo que os Portugueses desejam construir. 
Conclui assim ser inviável a construção da democracia sobre este assalto sistemático aos alicerces das estruturas e instituições por grupos políticos cuja essência   ideológica ofende o mais elementar conceito de liberdade, em flagrante desvirtuação do  espírito do 25 de Abril.
Encontro-me, portanto, perante a impossibilidade de execução fiel ao Programa do Movimento das Forças Armadas, o meu sentido de lealdade inibe-me de trair o povo a que pertenço e para o qual, sob a bandeira de uma falsa liberdade, se estão preparando novas formas de escravidão.» 
Outro membro do M.F.A., o general Costa Gomes, assume na mesma altura a presidência da República, e em discurso no acto de posse, afirma:
« No processo de descolonização  tudo faremos para respeitar  os legítimos  interesses das populações locais procurando o justo equilíbrio  na criação das condições  de fraternidade, de respeito mútuo e de amizade que substituirão laços anteriores historicamente ultrapassados.» 
No mesmo dia, o Dr. Mário Soares, então Ministro dos Negócios Estrangeiros, acentuava à imprensa:
« Como  ficou demonstrado recentemente nas Nações Unidas e no Conselho da Europa, o mundo aprova  hoje os processos  de democratização levados a cabo em Portugal. 
Todas as garantias foram dadas de que esses  processos continuarão  a evoluir segundo as linhas de acção  previstas em 25 de Abril.» 
É caso para perguntarmos: quais linhas?
A Junta de salvação Nacional é saneada com o afastamento dos generais Manuel Diogo Neto, Jaime Silvério Marques e Galvão de Melo.
No dia 08/10/74, o Dr. Álvaro Cunhal, secretário-geral do P.C.P., numa conferência de imprensa realizada no Clube Atlético de Campolide, disse:
« O General Spínola teve um papel político importante num dado momento, mas que se tinha tornado num travão para o desenvolvimento das liberdades democráticas e a descolonização.» 
Participando num debate sobre assuntos internacionais, da Assembleia Geral da  O . N. U., em 09/10/74, o então secretário-geral  da Organização Africana,  Mahomed Siad Barre, também chefe de estado da Somália, afirma:
« Portugal não tem que recear pela segurança do seu Povo, propriedades e interesses na África libertada, uma vez que não está na natureza dos africanos serem vingativos.» 
Em 17/10/74, o ministro da Coordenação Interterritorial, Dr. Almeida Santos, vai à Indonésia para conversações com o ministro Adam Malik, sobre Timor.
Durante contactos anteriores, Malik  e o M. N. E., Dr. Mário Soares, haviam concordado em realizar consultas regulares entre os dois governos sobre o processo de descolonização.
Ao deslocar-se a Timor, o Dr. Almeida Santos admira-se com o portuguesismo dos timorenses  e em especial com a sua veneração pela bandeira nacional, cuja sombra não permitem que seja pisada, sendo com emoção que refere estes pormenores à sua chegada a Lisboa.
Uma delegação mista de Portugal e Angola, chefiada pelo general Fontes Pereira de Melo, desloca-se a Kinshasa, é recebida por Mobutu e faz contactos com a F.N.L.A. e com o vice-presidente do M.P.L.A., Daniel Chipenda.
O general, declara:
« Um dos pontos principais da minha deslocação aqui, foi reafirmar que estavam plenamente válidas as soluções que tinham sido encaradas e delineadas no encontro, em 26/09/74, na ilha do Sal, entre o General Mobutu e o general Spínola.» 
Em 14/10/74, Holden Roberto dá  ordens para cessar-fogo por parte da F.N.L A.  e Daniel Chipenda, um dos leaders  do M.P.L.A ., numa entrevista a um jornal sueco, diz:
« Tanto quanto posso avaliar, a subida ao poder do general Costa Gomes, levará a uma aceleração do processo de descolonização de Angola.» 
e acrescenta:
« O mais importante é a democracia , mas com Agostinho Neto a democracia é impossível. Não queremos perder os brancos de Angola --- têm uma grande importância --- mas deverão tornar-se angolanos.» 
Foi nesta altura que a U.N.I.T.A. começou a instalar em Luanda os seus quadros políticos vindos da Suíça, onde estavam a frequentar cursos superiores.
Em 17/10/74, o Presidente da República, general Costa Gomes, fala na  O.N.U. sobre a descolonizarão e afirma:
«No processo de descolonização manter-nos-emos fieis aos princípios do Direito Internacional da autodeterminação e independência; na aplicação concreta dos princípios, teremos a flexibilidade de espírito suficiente para salvaguardar os interesses dos povos a descolonizar; seremos tão dinâmicos quando o exige a impaciência de quem toma uma tarefa com muitos anos de atraso e tão pacientes quanto indispensável à felicidade dos povos que sofreram na carne as consequências da anterior situação política portuguesa.» 
«Saberemos evitar figurinos estereotipados e procurar para cada território a solução mais adequada à garantia da génese feliz de uma nova Pátria.» 
Em 21/10/74, o Dr. Agostinho Neto e os seus colaboradores mais próximos, à revelia da fracção Chipenda, assinam um acordo de cessar-fogo entre o M.P.L.A. e Portugal.
O Dr. Mário Soares, M.N.E., reúne-se em Tunis, Tunísia, em 07/11/74, durante algumas horas, com Johnny Eduardo, director dos Assuntos internacionais do F.N.L.A. e este declara aos jornalistas:
« Decidimos com o Dr. Mário Soares, « saltar alguns obstáculos» a fim de andar mais depressa, porque ambas as partes concordaram que o tempo pode não ser sempre a favor do movimento de libertação e de Portugal.» 
e insistiu:
« Decidimos andar mais depressa e haverá mais reuniões muito em breve.» 
Declarações  aos órgãos de informação, pelo almirante Rosa Coutinho, em Luanda, no dia 17/111/74:
 
« O árbitro deste jogo, se assim lhe podemos chamar, são as forças Portuguesas. Como comandante-chefe em Angola eu sou, portanto, o chefe dos árbitros. Naturalmente como o mais responsável, sou o mais atacado. Esta ideia da minha subscrição faz-nos considerar que muita gente aqui deseja que eu me vá embora. Não sei porquê! Talvez seja pelo papel desagradável do árbitro; porque eu sinto que esta gente tem receio de que no processo de descolonização em curso de que eu sou árbitro, os seus privilégios e interesses sejam directamente afectados. Não sei porque tomam essa atitude, visto que o processo é irreversível. Há, realmente, que adaptar Angola a condições novas e não  pensar que com o desaparecimento do colonialismo português se dará lugar ao aparecimento de um  colonialismo interno angolano.»

A história da Pátria está sendo escrita e registará, mas daqui a alguns anos, todas estas atitudes. Que saiba ser independente são os nossos votos.
Mas a vida das pessoas é curta e, por isso, tentamos, com este trabalho, registar enquanto existem testemunhos vivos, as opiniões  dos políticos  que estão  na origem da desgraça e do sofrimento de milhões de pessoas, sem distinção de raças, cores ou credos políticos.
 
ÂNGELO SOARES
(intervenção no 2º Congresso Nacional 
dos Espoliados do Ultramar)