segunda-feira, 13 de maio de 2013

Uma análise política da disputa sobre a “Lei Eleitoral”, entre a Frelimo e a Renamo 3


Inclusivos os bispos de Mo-çambique estão zangados. O que justifica a zanga dos bispos é que, embora a missão funda-mental da Igreja seja aquela de libertar o Homem da escravidão do pecado e da morte eterna, Ela (a Igreja) preocupa-se igualmen-te com todo o tipo de escravidão que possa desfigurar o Homem, em quanto imagem e semelhan-ça de Deus. Esta foi a razão pela qual as Igrejas locais de América Latina e da Europa oriental (jun-tamente com os cristãos de todo o mundo) participaram diploma-ticamente e activamente no des-mantelamento do autoritarismo e da ditadura naqueles quadrantes geopolíticos. As relações entre o partido no governo e a Con-ferência Episcopal de Moçam-bique (CEM) foram sempre de tipo “punho de ferro”. O primei-ro presidente de Moçambique
independente chamou os bispos de Moçambique de “macacos”, o terceiro os chama “profetas de desgraças”. Mas a CEM deu um contributo muito significativo no processo dos AGP de Roma, que puseram fim à guerra civil dos 16 anos. Nas vésperas da assinatura dos AGP, a Igreja de Moçambi-que, através das suas Paróquias e agentes de pastoral, organizou campanhas de reconciliação en-tre os moçambicanos divididos pela guerra. Hoje, os bispos estão zangados com um chefe de Esta-do que para manter-se no poder e continuar a concentrar a riqueza do País nas próprias mãos, nas mãos dos membros da sua famí-lia e nas mão das pessoas do seu cerco, não se importaria de anu-lar todos os esforços que culmi-naram com a assinatura dos AGP em 1992, e os sucessivos anos de paz e transição democrática.
Nas duas últimas “Notas Pasto-rais” – Construir a democracia para preservar a paz (Agosto de 2012); Não à violência, não à guerra (Abril de 2013) – dirigi-das às comunidades cristãs, aos homens e mulheres de boa vonta-de, e às autoridades civis, religio-sas e politico-militares, os bispos manifestam de maneira explicita a própria zanga. Só faltou ins-truir os cristãos e os homens/mulheres de boa vontade sobre o comportamento a adoptar para instituir um governo capaz de oferecer uma estabilidade políti-ca no País. Mas uma atitude des-tas seria considerada “politically incorrect”, e por isso diplomati-camente não tolerável. De facto, os bispos, embora, por um lado, cada um deles goze de plenos direitos de cidadania no próprio país, por outro lado, representam, nas suas dioceses, a Igreja cató-lica. A Igreja Católica goza das prerrogativas dos Estados sobe-ranos. E o Vaticano tem relações diplomáticas com o governo de Moçambique. Por isso, uma po-sição mal calculada da parte da CEM pode deteriorar as relações entre o regime moçambicano e o Vaticano. Uma tale situação pode expor os sacerdotes, os religio-sos, as religiosas e os cristãos a abusos gratuitos e/ou repreen-sões. Todavia, nas duas Notas acima citadas, além de implorar os seus sacerdotes, religiosos e religiosas, para acompanhar o mais de perto possível o processo de consolidação da democracia, os bispos exortam os mesmos para que na sua actividade pas-toral priorizem a formação dos cristãos, para o exercício da cida-dania activa, ética e responsável.
Por último, a própria Renamo que ficou prejudicada, ou que se encontrou na posição desprivile-giada durante o processo nego-cial, e por isso teve que “engolir sapos” durante todos os últimos 20 anos da experiência democrá-tica, já está zangada com o parti-do no poder que a trata como se fosse uma organização constitu-ída por imbecis. Capitalizando sobre o actual estado de ânimo da maior parte dos Moçambica-nos, o comportamento da Rena-mo pode ser interpretado em dois modos: Se Dhlakama e os mais importantes expoentes da Rena-mo ainda continuam a pensar o grande jogo político segundo as antigas categorias, então, já que os últimos 20 anos demostraram a impossibilidade de substituir o autoritarismo e o neopatrimonia-lismo da Frelimo com o autori-tarismo e o neopatrimonialismo da Renamo, através das eleições, a actual aposta seria destinada a forçar a Frelimo a partilhar o bolo da apropriação da riqueza e do poder político com o seu histórico adversário. Neste caso, o acordo consistiria fundamen-talmente em integrar a Renamo no conjunto daqueles que ilegal-mente e ilegitimamente acumu-lam em nome privado os bens que deveriam estar ao serviço de todos os moçambicanos. No caso a Renamo queira, efectivamente, promover as instituições e as re-gras democráticas, então, estaria a querer repropor-se como líder e catalisador da zanga operativa, renovando desse modo a sua posi-ção de maior partido de oposição que, nos últimos anos, tem sido ameaçada pelo partido de Deviz (Continuação da página anterior)
(Continua na página seguinte)
13 Canal de Moçambique| Quarta-Feira, 08 de Maio de 2013
Análise
O Acordo Geral de Paz (AGP) não morreu. Continua válido. Pode-se dialogar sem se res-peitar a letra e o espírito da Constituição tal como aconte-ceu entre 1988 e 1992 em Roma, pois as leis existem para servir o Homem e não o contrário. Daí não ser inconstitucio-nal revê-las, para bem da Paz. A guerra que terminou em 1992 é que fez com que houvesse democracia nes-te País, democracia essa que não está a ser cumprida. Antes do AGP o Governo sempre disse que a Renamo era um bando de criminosos, que não tinha razão nenhuma e a única saída era render-se. A Renamo não se rendeu pois suas reivindicações eram jus-tas, como o tempo veio provar. Nas negociações em cur-so a Renamo volta a afirmar que as suas reivindicações são justas e que as suas pre-ocupações são também daqueles que se sentem excluí-dos, afinal uma grande franja da sociedade moçambicana.
As reivindicações da Rena-mo e de toda a sociedade são a consequência da ausência de efectiva democracia, da proibi-ção de manifestações; proibição de desfiles, de reuniões de par-tidos e de todas as liberdades políticas que são violentamen-te reprimidas pelo Governo a pretexto de que são ilegais, embora essas liberdades este-jam previstas na Constituição. Exemplos não faltam. Basta recordar as bastonadas e o gaz lacrimogéneo lançados contra os desmobilizados, a invasão das instalações da Renamo, o massacre de Montepuez, in-cêndio das sedes da Renamo e do MDM ao longo do País – ambos partidos de oposi-ção e estes com representação parlamentar – a proibição de içar de bandeiras e a sua apre-ensão pela PRM que obedece a ordens ilegais das autorida-des governamentais, etc., etc..
As negociações entre o Go-verno e a Renamo devem ocor-rer tendo unicamente como objetivo fundamental resolver os problemas levantados pela Renamo e que preocupam toda a nossa sociedade que se sente excluída, não obedecendo ne-cessariamente ao quadro legal actual, pois as leis são criadas para regular a vontade dos ci-dadãos, leis que podem e de-vem ser revistas ou revogadas quando deixam de servir o ob-jecto para que foram criadas. Aliás, assim aconteceu quando se negociou o AGP onde não se teve em conta as Constituições de 1975 e 1990.
Ou seja, o AGP foi nego-ciado violando as referidas Constituições de 1975 e 1990. O mesmo deve acontecer agora. É um imperativo nacional que assim seja, em nome da Paz e da estabilidade social. Proceder de modo diferen-te, como advoga o Governo e alguns sectores da sociedade que lhe são afectos, diga-se em abono da verdade que é uma minoria por si beneficiada, nomeadamente PCAs que falam (escrevem) com a barriga cheia pois não se sentem excluídos, é ter memória curta pois esquecem-se que as leis são feitas para servir o HOMEM. De outro modo, criada uma lei, seja ela uma Constituição ou Lei ordinária, nunca seria revista ou revogada sob o pretexto de que tal constituiria a sua violação.Não aceitar rever uma lei quando se tornou inadequa-da é simplesmente um absurdo e uma aberração apenas defendidas por quem se quer perpectuar no poder.
Não há leis eternas, ex-cepto as Leis de Deus. A leis são alteradas em fun-ção da vontade política e da vontade da sociedade. As-sim aconteceu com as Cons-tituições de 1975 e 1990. O argumento de que o conteú-do do AGP perdeu a sua valida-de com a validação das eleições gerais de 1994, pois a partir des-sa data o mesmo vem reflectido ou foi incorporado no quadro legal actual é totalmente incor-recto, porque os que assim afir-mam deviam indagar-se se o tal quadro legal tem sido cumpri-do ao longo deste tempo todo. Evidentemente que a res-posta é negativa perante os atropelos que se verificam. Logo, violando-se o tal quadro legal, cuja fonte foi o AGP, está-se a violar o AGP.
 
(*) Pseudónimo
 
(Canal de Moçambique)
Mbepo Simango, o Movimento Democrático de Moçambique. O que provavelmente o partido no poder ainda não percebeu é que a Renamo de hoje não é aque-la de 20 anos atrás. A Renamo de 20 anos atrás era composta de uma classe dirigente maioritaria-mente “graduada” nas operações militares dos 16 anos de rebelião. A Renamo de hoje integra nas suas fileiras muitos quadros com diversificada formação jurídica e política. Para exigir a aplicação do princípio da paridade na re-presentação na CNE, a Renamo recorre a uma interpretação autó-noma e coerente da Constituição da República de Moçambique (CRM), aprovada pela maioria parlamentar da Frelimo. Segun-do tale interpretação, a Renamo diz que, já que o nº 3 do artigo 135 da CRM não fixa nenhum critério particular para a composição da CNE, e remete a sua regulamentação à lei ordinária, não existe nenhum fundamento – nem constitucional, nem legal, nem doutrinária – para rejeitar a composição da CNE observando o princípio de paridade. Ora bem, tratando-se do “único” princípio (pelo menos na situação política actual de Moçambique) capaz de garantir a igualdade dos partidos políticos nos processos eleito-rais, deveria também receber a aprovação no seio do partido no governo porque a aplicação deste princípio prova igualmen-te a “inocência” da Frelimo das “falsas” acusações de manipular a seu favor o processo eleitoral.
O resultado final da zanga operativa
O resultado construtivo que poderá emergir da zanga da maior parte dos moçambicanos é a mudança radical da lógica que, até aqui, é utilizada para es-truturar o voto no momento das eleições. Fundamentalmente, os eleitores moçambicanos es-truturam o próprio voto a partir de dois princípios: princípio re-gional, e o princípio do cálculo “racional”. Segundo o princípio regional, muitos moçambicanos originários do Norte, se sentem no dever de votar pela Renamo, pelo facto de serem originários do Norte, enquanto os do Sul tendem a votar pela Frelimo, pela razão idêntica, de serem originá-rios do Sul. Os restantes moçam-bicanos eludem-se, calculando “racionalmente” que votar pela Frelimo seja útil porque tendo já acumulado muita riqueza, a classe dirigente deste partido está com maior disposição para em-pregar as futuras entradas estatais para o desenvolvimento do País.
As duas estratégias estão er-radas. E estão erradas, não só porque não são democráticas, mas sobretudo porque produzem efeitos contrários. Em primeiro ligar, ninguém recebe qualquer benefício do partido Frelimo por ser do Sul. A maioria esma-gadora das populações do Sul de Moçambique vivem de swit-sakato (verdura sem temperos) desde a independência até hoje, e a Frelimo esteve sempre no poder. Aliás, precisamente por-que nesta região o voto já está garantido pela filiação étnica--tribal, a Frelimo não faz ne-nhum esforço para conquistar a simpatia dos eleitores. Os que se beneficiam do poder neopatrimo-nial e clientelar da Frelimo são aqueles que (independentemente da sua origem) estão dispostos, sem o mínimo de escrúpulo, a sacrificar os seus compatriotas para servir os interesses do chefe.
O princípio do cálculo “racio-nal” é errado porque a experiência mostra que onde a concentração da riqueza é derivante do poder político, este último (o poder po-lítico) tende sempre a ser utilizado como instrumento para a concentração ulterior da riqueza e dos meios de produção, de modo que, tal concentração possa, por sua vez, garantir a perpetuidade do domínio político. Um governo fundado na base do “cabritismo”, na base do “cabritismo” será fun-dada a sua administração pública durante toda a sua existência.
Os eleitores que agem, movi-dos pelo fenómeno de Zanga ope-rativa, não estruturam o seu voto segundo nenhum dos dois princí-pios analisados. Pelo contrário, eles adoptam a lógica de “castigo-prémio” para estruturar o pró-prio voto. Neste tipo de lógica, a maioria parlamentar e o executivo que foram incapazes de actuar as políticas públicas satisfatórias durante os 5 anos do seu mandato (no caso da Frelimo serão 39 em 2014), são automaticamente pu-nidos (castigados), privando-lhes do voto. O voto negado ao parti-do e ao chefe de Estado cessantes (os reprovados), e que será atribuído ao partido alternativo, tem um carácter estratégico. Por um lado, ele (o voto) incentiva o partido derrotado a renovar-se para poder apresentar-se novamente nas sucessivas eleições para pedir o voto dos eleitores. Por outro lado, o voto estratégico obriga o vencedor (o partido alternati-vo) a governar da melhor forma possível, para assegurar-se a pre-ferência nas eleições sucessivas.
O que faz da lógica de “casti-go-prémio” a melhor das lógicas da estruturação do voto, num sis-tema democrático, é que quem sai a ganhar do grande jogo polí-tico, não são os políticos, mas os cidadãos. A lógica do “castigo--prémio” não olha para a língua ou origem étnica-tribal dos líde-res políticos ou dos partidos a vo-tar, olha só e só para as suas obras enquanto governantes, ou a alter-nativa política que eles propõem.
*Alfredo Manhiça é Profes-sor de Filosofia na Universidade Pontifícia Antonianum de Roma
O Acordo Geral de Paz e as Negociações com o Governo
Opinião (Continuação da página anterior)
Por: Kwacha Kwayera (*)

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