domingo, 12 de maio de 2013

Uma análise política da disputa sobre a “Lei Eleitoral”, entre a Frelimo e a Renamo

Canal de Moçambique| Quarta-Feira, 08 de Maio de 2013 10
Análise
Por: Alfredo Manhiça*
(Continua na página seguinte)
A partir da informação tornada
pública, desde o dia 16 de Ou-tubro de 2012, quando Afonso
Dhlakama, passou a viver na sua
antiga base militar de Gorongo-sa, tudo faz crer que o objecto
de contenda entre o partido no
poder, a Frente de Libertação de
Moçambique (Frelimo) e o parti-do Resistência Nacional de Mo-çambique (Renamo) - que poderá
precipitar o povo moçambicano
numa nova guerra civil - seja a
Lei eleitoral, julgada prejudicial
pela oposição, por não garantir
a paridade na representação na
Comissão Nacional de Eleições
(CNE). Para alguns moçambica-nos, assim como para alguns ob-servadores internacionais, tanto
as exigências da Renamo, como
a resistência da Frelimo em sa-tisfazer tais exigências, podem
parecer ridículas: Analisando a
posição da Renamo, pode pare-cer estranho por ser só hoje, em
vista da IV Legislatura, que essa
pretende condicionar, de modo
intransigente, a sua participa-ção ao processo eleitoral a uma
revisão da Lei eleitoral. Com a
excepção só de alguns retoques
insignificantes, a Lei eleitoral
moçambicana foi sempre favorá-vel ao partido no poder e a Rena-mo sempre queixou-se dela mas
nunca adoptou nenhuma posição
inegociável, como desta vez.
Contudo, embora esta não seja a
primeira vez em que, nas véspe-ras das eleições, Dhlakama ame-aça não tomar parte no processo
e depois, contrariamente ao dito,
de facto participa, quando em
Outubro de 2012 ele estabeleceu--se em Gorongosa, com cerca de
800 homens, os moçambicanos
se aperceberam que, na sua contí-nua luta pelo poder, Dhlakama e a
Renamo tinham mudado da estra-tégia e dos objectivos a alcançar.
Julgando a contraposição a par-tir da resistência manifestada pela
Frelimo em adoptar o princípio
de paridade nos órgãos eleitorais,
parece estranho que um partido
que sempre se apresentou como o
paladino da democracia moçam-bicana e, além disso, ostenta ter
uma enorme base popular, mani-feste dificuldades em abraçar um
dos mais nobres princípios da de-mocracia, ou seja, o princípio da
transparência no processo eleito-ral. Para encontrar uma resposta a
estas interrogações convido-vos
a analisar o processo histórico
do nascimento e da democrati-zação do Estado moçambicano.
Desde a sua origem, o parti-do no governo fundou o próprio
poder em três pilares principais:
A força da mistificação da rea-lidade, a administração de tipo
neopatrimonial e a intimidação.
Este modo de empostar o po-der político começa a delinear-se
já com a fundação da Frente de
Libertação de Moçambique, em
1962. Segundo a história oficial,
a Frelimo nasce como uma ne-cessidade sentida pelos moçam-bicanos, de unificar as forças dos
três movimentos nacionalistas
de carácter étnico-regional, an-teriormente existentes – a União
Democrática Nacional de Mo-çambique (UDENAMO), o
Mozambique African National
Union (MANU) e a União Na-cional Africana de Moçambique
Independente (UNAMI) – para
fazer uma única fronte contra o
regime colonial português. Este
organismo (a Frelimo) que des-de sempre se nos foi apresentado
como símbolo de tão desejada
unidade nacional, é, na verdade,
um monumento histórico do des-fecho que teve a luta pela hege-monia que contrapunha, de um
lado, o presidente ganês Kwa-me Nkrumah e o tanzaniano
Julius Nherere e, do outro lado,
as elites dos três movimentos
nacionalistas moçambicanos.
O sonho de uma África unida,
capaz de cancelar as feridas cau-sadas pela parêntese da ocupação
colonial e pelas fronteiras geo-métricas decididas na Conferên-cia de Berlim em 1885, mistura-do com ambições hegemónicas,
tinham levado a Nkrumah a ide-alizar a criação de uma federação
de Estados Unidos de Africa e ele
próprio seria o primeiro presiden-te. Daí que a sua política externa
dos anos Sessenta era fundamen-talmente concentrada na criação
da consciência africana e por
isso apoiava a luta dos povos que
ainda estavam sob o domínio co-lonial. De facto, embora o UDE-NAMO tivesse sido fundado e
tivesse a própria sede na Salisbú-ria, capital da então Rodésia do
Sul, o seu financiamento provi-nha dos países comunistas da Eu-ropa Oriental, através do Gana de
Nkrumah. Por sua vez, o presi-dente tanzaniano, Julius Nherere,
conquanto não tivesse ambições
hegemónicas em todo o subcon-tinente africano, nutria ambições
hegemónicas em relação às regi-ões de Africa oriental e austral.
Avantajado pela posição estraté-gica que o seu país ocupava, no
caso de uma solução armada para
a questão colonial portuguesa em
Moçambique, Nherere conseguiu
arrastar o UDENAMO da Salis-búria, e o UNAMI de Malawi,
para o território tanzaniano e,
juntamente com o MANU, que
tinha já a sua sede na Tanzânia,
fundar a Frelimo. A elite da Fre-limo, como a conhecemos desde
a assinatura dos Acordos de Lu-saka em 1974 até hoje, é constitu-ída por aqueles que tirando van-tagens da luta entre as políticas
externas de Nkrumah e de Nhe-rere, e do processo da fusão (não
de união) dos três pré-existentes
movimentos nacionalistas, con-quistaram a posição do domínio.
O vício aberrante que caracte-riza o partido no poder, de mo-bilizar as ajudas internacionais
e os recursos nacionais para in-crementar o poder do controlo
da classe dirigente e do partido,
deixando os cidadãos na situa-ção de pobreza e dependência
absoluta, teve a sua origem já
na fundação em si da Frente. As
ajudas financeiras e materiais
provenientes dos países da Eu-ropa oriental e aqueles que, no
período sucessivo começaram
a chegar dos Estados Unidos,
quando Eduardo Mondlane e
sua esposa transferiram-se para
Tanzânia, eram administrados
de forma patrimonial; benefi-ciando àqueles que manifesta-vam uma provada disposição de
submeter-se à elite emergente,
ou para comprar as almas daque-les que se mostravam indecisos
a entrar no jogo dos interesses.
Fortalecida pelo poder que ti-nha sobre as pessoas e sobre as
ajudas provenientes dos vários
países e organizações que tinham
esposado a causa nacionalista dos
moçambicanos, a elite da Freli-mo introduziu o instrumento da
intimidação que passou através
de uma sistemática eliminação
política e/o física de todos aque-les que não estavam dispostos a
submeter-se ao autoritarismo da
elite. A purga (descrita minucio-samente por Barnabé Lucas Nco-mo, 2003, Edições Novafrica)
que visava, em primeiro lugar,
purificar o movimento de todos
os elementos indesejados, e, em
segundo lugar, abater todos os
indivíduos e entidades políticas
que representavam uma ameaça
(real ou presumida) para os pro-jectos totalitaristas da Frelimo,
teve a sua fase crucial no perío-do entre 1960 (ano da morte de
Mondlane) e a independência.
Os Acordos de Lusaka (assi-nados no dia 7 de Setembro de
1974), que deveriam ter assinala-do o fim oficial das hostilidades
entre o governo colonial portu-guês e a Frente de Libertação de
Moçambique, transformaram-se
num momento oficial da trans-ferência da ocupação do terri-tório moçambicano da parte do
governo português, para a eli-te da Frelimo. Para justificar a
usurpação do direito de todos os
moçambicanos de eleger os pró-prios governantes, e de ser elei-tos para administrar o património
comum, a Frelimo logo depois
da assinatura dos Acordos de Lu-saka, intensificou a perseguição
dos desertores da guerra, de to-dos aqueles que no seio do movi-mento manifestavam tendências
políticas contrárias à linha oficial,
e de todos os expoentes civis que
se organizavam em partidos de
oposição para se apresentarem e
pedir o voto do eleitorado. Criou--se em todo o País o clima de ter-ror, e todas as estruturas sociais
foram paralisadas. Os cidadãos
começaram a ter medo até das
próprias sombras, como se estas
fossem capazes de informar às
forças armadas aquilo que cada
um deles pensava no seu silêncio.
A viagem triunfal “do Rovuma
ao Maputo”, realizado por pre-sidente Samora Moisés Machel,
antes da proclamação da inde-pendência, tinha um objectivo
preciso: Escrever nas mentes dos
moçambicanos a história de Mo-çambique, segundo a óptica do
pensamento oficial da Frelimo e
capaz de justificar os crimes co-metidos pela elite política do par-tido; fortalecer o monopólio do
poder e condenar para sempre as
forças políticas banidas e aquelas
que poderiam nascer no futuro.
O fim das hostilidades entre o
governo colonial e a Frelimo foi
apresentado, não como associado
à queda do Fascismo em Por-tugal, mas simplesmente como
fruto da superioridade militar
das Forças Populares de Liber-tação de Moçambique (FPLM).
Este modo de representar a força
militar da Frelimo atingia “dois
alvos com uma só pedra”: criar
a imagem de um exército da
Frelimo invencível e, paralisar
qualquer tentação de rebelião.
Os “reaccionários” foram apre-sentados, não como aqueles que
tinham tendências políticas con-trárias às do governo, mas como
aqueles que eram contrários à
proclamação da independência.
A proclamação da independên-cia, seguida pelo Decreto das na-cionalizações, completou o pro-cesso que faria de Moçambique
um feudo da classe dirigente da
Frelimo: A concentração do po-der político através do sistema de
partido único e o uso do instru-mento da intimidação represen-tado pelos “campos de reeduca-ção”, e a concentração do poder
económico e dos meios de pro-dução, atuada pelo instrumento
das nacionalizações, colocaram
os moçambicanos na posição in-defesa e de total vulnerabilidade
contra todo o tipo de abuso perpe-trado pela máquina do governo.
O pior dos prejuízos que o siste-ma neopatrimonial da Frelimo
causou aos moçambicanos, mais
do que privá-los dos meios de
produção e da participação polí-tica, foi imprimir neles uma ideia
mistificada do Estado e da rela-ção existente entre um governo e
um cidadão. O partido foi gover-nando o País como se se tratasse
de um património privado de um
clube ou de uma associação e os
cidadãos começaram a compor-tar-se como se fossem parte inte-grante do património do partido.
Ainda na linha da mistifica-ção, a Renamo foi apresentada,
não como um grupo de descon-tentes que contestava as opções
políticas do partido no governo,
mas como agentes ao serviço dos
governos segregacionistas de Ro-désia e da África do Sul. Como
se a falsificação da identidade da
Renamo não bastasse, o partido
no governo incutiu nos moçam-Uma análise política da disputa sobre a
“Lei Eleitoral”, entre a Frelimo e a Renamo
11 Canal de Moçambique| Quarta-Feira, 08 de Maio de 2013
(Continuação da página anterior)
(Continua na página seguinte)
Análise
bicanos um sentimento de ódio e
de repugnância em relação a tudo
aquilo que se referia à Renamo. A
dificuldade que alguns moçambi-canos manifestam, ainda hoje,
de respeitar as regras democráti-cas encontra a sua explicação no
instrumento da mistificação uti-lizada pelo partido no poder por
muitos anos, contra os seus ad-versários políticos. Os homens e
as mulheres que hoje tomam par-te nas brigadas de vandalização
das sedes dos partidos de oposi-ção, em Manjacaze, na Macia, em
Muxúnguè, em Gondola, no Chi-moio e em muitos outros lugares,
representam parte de moçambi-canos que ainda continua sob o
efeito da propaganda mistificante
do regime da Frelimo, segundo
a qual a Renamo é um grupo de
bandidos ao serviço dos interes-ses externos. Nessa perspectiva,
quando esses moçambicanos
ouvem falar de Dhlakama ou de
Deviz Simango, não conseguem
vê-los como moçambicanos insa-tisfeitos com o modo com que o
País tem sido governado desde a
independência, mas como traido-res, reaccionários e vendedores
da pátria, segundo a doutrina da
Frelimo. Todavia, como diz o
povo Macua, “a mentira tem per-nas curtas”. O facto que o regime
de Ian Smith e do Apartheid já
não existem e a Renamo continua
a ser uma “pedra no sapato da
Frelimo” e, ao lado da Renamo
continua a crescer o número de
moçambicanos (inclusivo dentro
do partido no governo) insatis-feitos com o modo com o qual a
classe dirigente da Frelimo go-verna o País, é a “prova dos no-ves” que a Renamo, embora te-nha sido utilizada pelos governos
segregacionistas da região, ela
nunca foi sua criatura. É tempo
de retirar a máscara para mostrar
a face verdadeira. Não se pode
viver no engano eternamente.
Os vícios dos Acordos Gerais de
Paz e do processo de
transição democrática
O percurso que fizemos até
aqui, foi um esforço para perce-ber porquê é que um princípio
muito compatível com o mo-delo democrático, como aquele
de “paridade na representação
na CNE, possa comprometer os
Acordos Gerais de Paz (AGP)
assinados em Roma entre os re-beldes da Renamo e o governo da
Frelimo, e reconduzir os moçam-bicanos a uma nova guerra fratri-cida. Este percurso é necessário
e indispensável porque, em con-formidade com a nossa natureza
de animais racionais, não nos
contentamos de falar das coisas
como elas se manifestam nos nos-sos olhos, queremos também sa-ber as suas causas, se necessário,
saber as causas das suas causas.
Em Moçambique, a transição
democrática foi aviada simulta-neamente com as negociações
de paz entre a Renamo e a Freli-mo. Pode parecer estranho que a
questão da Lei eleitoral não tenha
sido discutido e concordada pe-las partes interessadas já na mesa
das negociações em Roma. Ora
bem, isso não deve surpreender a
ninguém. As negociações de paz
e a introdução do modelo demo-crático no grande jogo político
moçambicano foram também,
em certos aspectos, uma outra
mistificação da realidade. Desta
vez, não só da parte do partido
no governo, mas da parte da Fre-limo e da Renamo que, ambos
tinham em mente intenções de
enganar o povo moçambicano
e a comunidade internacional
e enganar-se reciprocamente.
Muito antes de 1989, o terri-tório moçambicano tinha já fi-cado dividido entre as cidades,
controladas pelo exército go-vernamental, e as regiões rurais,
controladas pela Renamo. Ne-nhum dos dois tinha capacidade
militar suficiente para resolver
o impasse. Por isso, tanto para
o governo, como para a Rena-mo, a solução negociada era
a única alternativa disponível.
Com a caída do Muro de Ber-lim em Novembro de 1989 –
símbolo do fim da Guerra Fria
– a prioridade da comunidade
internacional que contava (EUA
e EU), era encontrar uma solu-ção negociada para a questão
sul-africana e, para tal, o fim da
guerra civil em Moçambique
era um pré-requisito. Forçados a
negociar pelas circunstâncias da
ordem doméstica e as da ordem
internacional, os beligerantes
moçambicanos esperavam lograr
na mesa das negociações aquilo
que não tinha sido possível con-quistar com a força das armas: o
poder total e em todo o território.
Embora Dhlakama tenha con-seguido arrancar da boca da de-legação do governo o reconheci-mento do seu movimento armado
como um interlocutor válido, o
verdadeiro vitorioso na mesa das
negociações foi a Frelimo de Jo-aquim Chissano. Contrariamente
à agenda pacifista, sem vence-dor nem vencido, que o líder da
Renamo pensava fazer valer na
mesa das negociações, a Frelimo
obteve o reconhecimento, da par-te de Dhlakama e da Renamo, do
seu aparelho estatal, as suas leis
e a sua organização, como tinha
sido constituído desde a indepen-dência. As próprias negociações
de paz e o processo em si de tran-sição democrática – a formação e
o registo dos partidos de oposi-ção, a constituição das comissões
eleitorais e a composição do pri-meiro parlamento democrático –
foram regulados pelas normas da
Constituição de 1990, aprovada
unilateralmente pelo Parlamento
da Frelimo. Os AGP permitiram
igualmente que a Frelimo conti-nuasse a controlar de modo ab-soluto os seus instrumentos mais
eficazes da intimidação: o Minis-tério do interior e os Serviços de
Segurança. A Comissão mista de
segurança que foi criada no perí-odo entre a assinatura dos AGP
e as primeiras eleições não tinha
nenhuma função executiva e
não foi prevista a integração dos
elementos da Renamo no apa-relho da segurança. Os AGP só
conseguiram mudar o nome do
Serviço Nacional de Segurança
Popular (SNASP), para Serviço
de Informação e Segurança do
Estado (SISE), mas as funções e
a composição dos seus elementos
continuaram a ser um instrumen-to de intimidação nas mãos da
Frelimo. Não é por acaso que em
2012 o eis-presidente da Repú-blica, Joaquim Chissano, tenha,
descaradamente, declarado numa
entrevista que, para desbloquear
o impasse na qual se encontra-vam os mediadores e os negocia-dores, na mesa das negociações,
os últimos três Protocolos dos
AGP tinham sido concebido por
ele, para depois fazê-los chegar
a Dhlakama por mão dos media-dores, como se tivessem sido ela-borados por eles. Não existe nada
de estranho nesta declaração de
Chissano: a maior parte (se não
todos) os mediadores do proces-so de paz para Moçambique não
eram políticos nem de carreira,
nem de formação. E, provavel-mente, mais do que criar bases
credíveis do processo negocial,
o interesse maior duma entidade
como a Comunidade de Santo
Egídio e o Estado italiano era de
conquistar a fama internacional
de serem os “solucionadores” de
conflitos africanos, com instru-mentos um tanto quanto atípicos.
Não é por acaso que o Secretá-rios geral das Nações Unidas,
na altura Boutros Boutros-Ghali,
classificou aquelas negociações
de “insólitas”. Além das netas
vantagens que a Frelimo teve no
processo negocial de Paz com a
Renamo, os dois partidos belige-rantes “sequestraram” o proces-so de transição democrática. O
processo que, para o bem em si
mesmo da Democracia, devia ter
envolvido todas as forças politi-cas e movimentos da sociedade
civil que exprimem a diversidade
do povo moçambicano, foi mo-nopolizado pelos dois partidos
envolvidos no processo negocial
de paz. A Comissão mista criada
pelas disposições dos AGP, que
tinha a responsabilidade de mo-nitorar o processo das primeiras
eleições, além dos representan-tes da comunidade internacio-nal, não integrou nenhuma ou-tra força politica para além dos
elementos indicados pelos dois
partidos que tinham assinado os
AGP. Aos outros partidos, se lhes
foi reservado só a consultação
(não vinculante) sobre o projecto
da Lei eleitoral. Para evidenciar
a preocupação que a Renamo e
a Frelimo tinham de reduzir ao
máximo a participação das ou-tras forças políticas, o Protocolo
III dos AGP estabelece um tecto
de 5 a 20% dos votos expressos
a nível nacional, para obter uma
representação no Parlamento. Pa-radoxalmente, os únicos partidos
que eram conhecidos a nível na-cional, graças à guerra, eram só
os dois, a Frelimo e a Renamo.
Eis a moral da legenda: Bocas
a abondar de palavras magníficas,
quer da parte da Renamo, quer
da parte da Frelimo. Na verdade
nenhum dos dois submeteu-se
ao processo negocial de paz por
amor à democracia. Para os dois
partidos, cada um no seu segredo,
a instauração da democracia era
um instrumento estratégico. Mo-vido pelo seu espírito pragmático
e avantajado pelo conceituado
conhecimento dos circuitos da
diplomacia internacional, Chis-sano persuadiu o próprio partido
a aceitar a introdução do modelo
democrático guiado fundamen-talmente por duas exigências:
de um lado enganar os ociden-tais, fazendo-os acreditar que a
Frelimo se tinha convertido do
autoritarismo do cunho maoista--soviético para abraçar o libera-lismo democrático ocidental. E
com esta táctica, a classe dirigen-te podia vender uma bonita ima-gem de si mesmo no âmbito in-ternacional, e garantir-se a ajuda
financeira dos países ocidentais.
E, a nível interno, continuar a
governar os moçambicanos com
punho de ferro. E do outro lado, a
introdução do modelo democrá-tico era, para Chissano, o modo
melhor para desarmar a Renamo,
na presença das tele-câmaras
dos canais televisivos de todo o
mundo, e transferir Dhlakama
para o campo de batalha polí-tico, onde, com a vantagem do
controlo institucional, do contro-lo dos recursos económicos e a
experiência de administração, a
Frelimo tinha a certeza de ven-cer, e a Renamo estava destinada
a sofrer uma derrota sem nenhu-ma possibilidade de apelo. Por
sua vez, Dhlakama e a Renamo
submeteram-se ao processo ne-gocial como a melhor forma para
desembaraçar-se duma situação
de guerra que além de ser insus-tentável, já tinha perdido as suas
motivações originárias. Iludido
pelo controlo que tinha sobre as
vastas regiões rurais do País, e
pensando (erradamente, claro)
que poderia manter tal controlo
mesmo depois do cessar-fogo,
Dhlakama esperava poder valer--se das primeiras eleições demo-cráticas, para derrubar a Freli-mo e ocupar a Ponta Vermelha.
Para sermos coerentes com
o actual primeiro-ministro que
prefere que sejam os terceiros
a provar a veracidade das acu-sações movidas contra alguns
membros do seu governo, e não
ele a provar a sua inocência, pas-semos a analisar o percurso do
refluxo da democratização da
sociedade moçambicana, actua-do pelo partido no governo, nos
anos sucessivos às primeiras elei-ções. Quando nas eleições gerais
de 1999, Chissano venceu (sem
convencer) com apenas 52, 3%
dos votos, contra 47, 7 atribuídos
a Dhlakama; e a Frelimo venceu
com 53, 2% dos votos (corres-pondentes a 133 dos 250 luga-res no Parlamento), contra 46,
8% (117 lugares no Parlamento)
atribuídos á Renamo - União
Eleitoral, os “camaradas”, sobre-tudo os mais radicais, acusaram
Chissano de ser demasiado re-missivo em relação às exigências
da Renamo e de ter sido pouco
incisivo nas dinâmicas necessá-rias para conservar e aumentar
o controlo do poder. Graças a
esta possível (mas “proibida”)
vitória de Dhlakama, Moçam-bique subtraiu-se, até agora, da
lista dos Estados africanos cujos
presidentes democraticamente
eleitos provocam a alteração da
Constituição, no fim dos seus
segundos mandatos, para pro-curar um terceiro mandato, ou
uma continuidade sem limite.
De facto, quando Chissano con-sultou aos “camaradas” se po-dia procurar o terceiro mandato,
recebeu uma resposta negativa.
Para a eleições de 2004, portan-to, o Comité Central apresentou
Armando Emílio Guebuza, reco-nhecido dentro e fora do partido
pela sua radicalidade, intransi-gência e capacidade organizativa.
Uma vez confirmado Secretá-
Canal de Moçambique| Quarta-Feira, 08 de Maio de 2013 12
Análise
rio-geral do partido e candidato
à presidência, Guebuza iniciou
logo a percorrer o País para revi-talizar (violando os princípios de-mocrático) as células do partido
e os secretários das aldeias e dos
bairros. Uma vez no poder, Gue-buza intensificou a partidarização
do Estado, através da incorpora-ção no partido dos empregados
públicos, das campanhas da
“presidência aberta” e a aliança
do tipo feudal com os antigos
régulos, que passaram a ser cha-mados “líderes comunitários”.
Quando em 2009 os moçam-bicanos foram chamados, pela
terceira vez, às urnas, para eleger
no chefe do Estado e os membros
do Parlamento nacional, todos –
desde os funcionários públicos,
passando pelos Magistrados, lí-deres comunitários, camponeses,
comerciantes, ONGs, empresá-rios, até aos vendedores infor-mais – tinham já aprendido que
em Moçambique não tinha espa-ço para quem não possuía o “car-tão vermelho”. De facto, além
do aparelho estatal, Guebuza
também mobilizou igualmente as
ONGs na campanha permanente
a favor do partido. Os projectos
realizados pelo financiamento
das ONGs são, quase sempre,
inaugurados pelo presidente ou
pela sua esposa e, durante a ce-rimónia da inauguração, a obra
é apresentada ao público come
uma resposta do partido e do
presidente Guebuza às neces-sidades das populações locais.
Abertura de una nova página
Julgando a partir da análise que
até aqui fizemos, se poderia con-cluir que a dificuldade que a Re-namo e a Frelimo encaram para
chegar a um acordo sobre a Lei
eleitoral, encontra a sua expli-cação na dificuldade, que desde
sempre lhes caracterizou, de ob-servar os princípios democráticos
na sua generalidade. A Lei eleito-ral é apenas uma das expressões
do exercício da democracia. E
onde o sistema democrático é
invocado só para legitimar com-portamentos autoritários e neopa-trimoniais, a Lei eleitoral torna--se automaticamente objecto de
contenda entre os interessados.
Já vimos, precedentemente,
que os instrumentos que deram o
sucesso ao partido no poder, des-de a sua fundação, e continuam a
assegurar a sua perpetuidade no
poder foram fundamentalmente
três: a mistificação da realidade,
o controlo neopatrimonial dos
recursos económicos e das ins-tituições administrativas, e a in-timidação. O medo é um instru-mento muito eficaz nas mãos de
uma classe política que intende
utilizar o poder político para fins
pessoais. O medo desestabiliza
os cidadãos; tira-lhes o poder de
iniciativa e coloca-os na condi-ção de “monadas” de Leibiniz,
na qual não existe comunicação
nem entre operários da mesma
fábrica, nem entre moradores da
mesma aldeia, nem entre profes-sores da mesma universidade,
nem entre os cristãos da mesma
paróquia, nem entre os filhos
da mesma mãe e nem entre o
marido e a esposa. Ficam todos
petrificados. Vivem na mesma
cidade e vendem o mesmo toma-te no mesmo mercado informal,
mas cada um vive na sua solidão.
Esta solidão oferece uma ilimita-da margem de domínio e abuso
da parte do poder político esta-belecido porque a única relação
existente é aquela entre a pesa-díssima máquina institucional e
cada um dos indivíduos na sua
solidão. Este tipo de relação é
comparável àquela que se esta-belece entre a força de um tsu-nami e um pé isolado de caniço.
Ora, segundo os estudiosos
dos comportamentos humanos,
o medo é a ausência de segu-rança. A presença de uma mãe
dá segurança absoluta ao seu fi-lho de idade menor, e por isso,
quando uma criança dá falta da
mãe, sobretudo em ambientes
desconhecidos, entra em pânico.
O medo é também uma sensação
de vulnerabilidade; a sensação
de estar exposto a um ou vários
perigos que ameaçam o próprio
bem estar ou a própria vida.
Mas o poder do medo é exerci-tável só sobre aquelas pessoas que
sofrem dum desconforto médio.
O medo domina quem é vulnerá-vel, tem a possibilidade de con-trair uma determinada epidemia
mortal. Quem já está efectiva-mente infectado, perde o medo e
desenvolve o sentimento de zan-ga. Quem possui um bem e, to-davia, existe uma ameaça real ou
presumida de poder perder-lho, é
geralmente dominado pelo senti-mento de medo. Quem já possui
a certeza de perder o bem que re-ceia perder, desfazer-se do medo
e começa a desenvolver a zanga.
E, ainda segundo os estudiosos
dos comportamentos humanos,
a zanga, mais do que qualquer
outra emoção, ajuda a unir as
pessoas para agir. A zanga é es-sencialmente uma emoção que
estimula as energias e as capaci-dades de iniciativa. O professor
Brett Ford, da Universidade de
Califórnia, afirma que a zanga es-timula as pessoas a procurar uma
gratificação. Na mesma linha, o
professor Nicole Taush, da Uni-versidade de St. Andrews, afirma
que a zanga é um elemento de
coesão dos movimentos sociais.
Se for verdade o que dizem os
psicólogos, então o futuro de Mo-çambique é risonho. Quase todas
as categorias sociais do povo
moçambicano já têm a certeza
que com este governo não têm
futuro: Estão todas derrotadas!
Esta “derrota” cria a zanga nos
moçambicanos: Os camponeses
e os habitantes das regiões rurais
estão zangados com um governo
que, num gesto de extrema in-sensibilidade em relação ao seu
sofrimento, arranca-lhes sistema-ticamente as suas terras agrícolas
– único meio da sua sobrevivên-cia – para aluga-las às empresas
agrícolas multinacionais ou às
indústrias extractivas. O que está
na base desta zanga é a consci-ência que eles têm do objectivo
desta operação. Esta operação
é o golpe final para eles. Sabem
que esta venda tem em vista o
enriquecimento ulterior da classe
dirigente e não o melhoramento
das suas vidas. Os camponeses
sabem também que um dos in-centivos oferecido pelo governo
para encorajar as multinacionais
a investir (em consórcio com a
mesma classe dirigente) foi a pro-messa do fornecimento de mão--de-obra a baixo custo, sobretudo
nos serviços não especializados.
Portanto a presença das multi-nacionais representa também
uma modalidade de exploração.
O exército e a polícia estão
zangados com um estado que
lhes trata como cães de guarda
de um patrão que devora sozinho
toda a caça, inclusivo os ossos
que, segundo a ordem natural das
coisas, deveriam ser para eles.
Os “chapeiros” estão zangados
com um governo que, em vez de
pagar convenientemente os seus
oficiais da polícia, permite que
cada um destes se sustente como
pode à custa do seu sacrifício. Os
vendedores (sobretudo as vende-deiras) dos mercados informais
estão zangados com uma classe
política que, vivendo do luxo,
condenou a eles a viver eterna-mente do lixo. Mesmo aqueles
moçambicanos, tais como os
Magistrados e outros funcioná-rios públicos que, por causa das
vantagens que o sistema lhes
reservava, guardaram o silêncio
cúmplice durante muitos anos,
estão actualmente zangados com
um governo que, escondendo--se atrás das leis manipuladas e
da burocracia, continua a come-ter crimes contra os moçambi-canos e quem responde diante
de Deus e da própria consciên-cia é o actor material do crime.
Inclusivos os bispos de Mo-çambique estão zangados. O
que justifica a zanga dos bispos
é que, embora a missão funda-mental da Igreja seja aquela de
libertar o Homem da escravidão
do pecado e da morte eterna, Ela
(a Igreja) preocupa-se igualmen-te com todo o tipo de escravidão
que possa desfigurar o Homem,
em quanto imagem e semelhan-ça de Deus. Esta foi a razão pela
qual as Igrejas locais de América
Latina e da Europa oriental (jun-tamente com os cristãos de todo
o mundo) participaram diploma-ticamente e activamente no des-mantelamento do autoritarismo e
da ditadura naqueles quadrantes
geopolíticos. As relações entre
o partido no governo e a Con-ferência Episcopal de Moçam-bique (CEM) foram sempre de
tipo “punho de ferro”. O primei-ro presidente de Moçambique
independente chamou os bispos
de Moçambique de “macacos”,
o terceiro os chama “profetas de
desgraças”. Mas a CEM deu um
contributo muito significativo no
processo dos AGP de Roma, que
puseram fim à guerra civil dos 16
anos. Nas vésperas da assinatura
dos AGP, a Igreja de Moçambi-que, através das suas Paróquias
e agentes de pastoral, organizou
campanhas de reconciliação en-tre os moçambicanos divididos
pela guerra. Hoje, os bispos estão
zangados com um chefe de Esta-do que para manter-se no poder e
continuar a concentrar a riqueza
do País nas próprias mãos, nas
mãos dos membros da sua famí-lia e nas mão das pessoas do seu
cerco, não se importaria de anu-lar todos os esforços que culmi-naram com a assinatura dos AGP
em 1992, e os sucessivos anos
de paz e transição democrática.
Nas duas últimas “Notas Pasto-rais” – Construir a democracia
para preservar a paz (Agosto de
2012); Não à violência, não à
guerra (Abril de 2013) – dirigi-das às comunidades cristãs, aos
homens e mulheres de boa vonta-de, e às autoridades civis, religio-sas e politico-militares, os bispos
manifestam de maneira explicita
a própria zanga. Só faltou ins-truir os cristãos e os homens/
mulheres de boa vontade sobre
o comportamento a adoptar para
instituir um governo capaz de
oferecer uma estabilidade políti-ca no País. Mas uma atitude des-tas seria considerada “politically
incorrect”, e por isso diplomati-camente não tolerável. De facto,
os bispos, embora, por um lado,
cada um deles goze de plenos
direitos de cidadania no próprio
país, por outro lado, representam,
nas suas dioceses, a Igreja cató-lica. A Igreja Católica goza das
prerrogativas dos Estados sobe-ranos. E o Vaticano tem relações
diplomáticas com o governo de
Moçambique. Por isso, uma po-sição mal calculada da parte da
CEM pode deteriorar as relações
entre o regime moçambicano e o
Vaticano. Uma tale situação pode
expor os sacerdotes, os religio-sos, as religiosas e os cristãos a
abusos gratuitos e/ou repreen-sões. Todavia, nas duas Notas
acima citadas, além de implorar
os seus sacerdotes, religiosos e
religiosas, para acompanhar o
mais de perto possível o processo
de consolidação da democracia,
os bispos exortam os mesmos
para que na sua actividade pas-toral priorizem a formação dos
cristãos, para o exercício da cida-dania activa, ética e responsável.
Por último, a própria Renamo
que ficou prejudicada, ou que se
encontrou na posição desprivile-giada durante o processo nego-cial, e por isso teve que “engolir
sapos” durante todos os últimos
20 anos da experiência democrá-tica, já está zangada com o parti-do no poder que a trata como se
fosse uma organização constitu-ída por imbecis. Capitalizando
sobre o actual estado de ânimo
da maior parte dos Moçambica-nos, o comportamento da Rena-mo pode ser interpretado em dois
modos: Se Dhlakama e os mais
importantes expoentes da Rena-mo ainda continuam a pensar o
grande jogo político segundo as
antigas categorias, então, já que
os últimos 20 anos demostraram
a impossibilidade de substituir o
autoritarismo e o neopatrimonia-lismo da Frelimo com o autori-tarismo e o neopatrimonialismo
da Renamo, através das eleições,
a actual aposta seria destinada
a forçar a Frelimo a partilhar o
bolo da apropriação da riqueza
e do poder político com o seu
histórico adversário. Neste caso,
o acordo consistiria fundamen-talmente em integrar a Renamo
no conjunto daqueles que ilegal-mente e ilegitimamente acumu-lam em nome privado os bens
que deveriam estar ao serviço de
todos os moçambicanos. No caso
a Renamo queira, efectivamente,
promover as instituições e as re-gras democráticas, então, estaria
a querer repropor-se como líder
e catalisador da zanga operativa,
renovando desse modo a sua posi-ção de maior partido de oposição
que, nos últimos anos, tem sido
ameaçada pelo partido de Deviz
(Continuação da página anterior)
(Continua na página seguinte)
13 Canal de Moçambique| Quarta-Feira, 08 de Maio de 2013
Análise
O Acordo Geral de Paz (AGP)
não morreu. Continua válido.
Pode-se dialogar sem se res-peitar a letra e o espírito da
Constituição tal como aconte-ceu entre 1988 e 1992 em Roma,
pois as leis existem para servir
o Homem e não o contrário.
Daí não ser inconstitucio-nal revê-las, para bem da Paz.
A guerra que terminou
em 1992 é que fez com que
houvesse democracia nes-te País, democracia essa
que não está a ser cumprida.
Antes do AGP o Governo
sempre disse que a Renamo
era um bando de criminosos,
que não tinha razão nenhuma
e a única saída era render-se.
A Renamo não se rendeu pois
suas reivindicações eram jus-tas, como o tempo veio provar.
Nas negociações em cur-so a Renamo volta a afirmar
que as suas reivindicações
são justas e que as suas pre-ocupações são também da-queles que se sentem excluí-dos, afinal uma grande franja
da sociedade moçambicana.
As reivindicações da Rena-mo e de toda a sociedade são
a consequência da ausência de
efectiva democracia, da proibi-ção de manifestações; proibição
de desfiles, de reuniões de par-tidos e de todas as liberdades
políticas que são violentamen-te reprimidas pelo Governo a
pretexto de que são ilegais,
embora essas liberdades este-jam previstas na Constituição.
Exemplos não faltam. Basta
recordar as bastonadas e o gaz
lacrimogéneo lançados contra
os desmobilizados, a invasão
das instalações da Renamo, o
massacre de Montepuez, in-cêndio das sedes da Renamo
e do MDM ao longo do País
– ambos partidos de oposi-ção e estes com representação
parlamentar – a proibição de
içar de bandeiras e a sua apre-ensão pela PRM que obedece
a ordens ilegais das autorida-des governamentais, etc., etc..
As negociações entre o Go-verno e a Renamo devem ocor-rer tendo unicamente como
objetivo fundamental resolver
os problemas levantados pela
Renamo e que preocupam toda
a nossa sociedade que se sente
excluída, não obedecendo ne-cessariamente ao quadro legal
actual, pois as leis são criadas
para regular a vontade dos ci-dadãos, leis que podem e de-vem ser revistas ou revogadas
quando deixam de servir o ob-jecto para que foram criadas.
Aliás, assim aconteceu
quando se negociou o AGP
onde não se teve em conta as
Constituições de 1975 e 1990.
Ou seja, o AGP foi nego-ciado violando as referidas
Constituições de 1975 e 1990.
O mesmo deve acontecer agora.
É um imperativo nacional
que assim seja, em nome da
Paz e da estabilidade social.
Proceder de modo diferen-te, como advoga o Governo e
alguns sectores da sociedade
que lhe são afectos, diga-se
em abono da verdade que é
uma minoria por si beneficia-da, nomeadamente PCAs que
falam (escrevem) com a barriga
cheia pois não se sentem exclu-ídos, é ter memória curta pois
esquecem-se que as leis são
feitas para servir o HOMEM.
De outro modo, criada uma lei,
seja ela uma Constituição ou Lei
ordinária, nunca seria revista ou
revogada sob o pretexto de que
tal constituiria a sua violação.
Não aceitar rever uma lei
quando se tornou inadequa-da é simplesmente um ab-surdo e uma aberração ape-nas defendidas por quem se
quer perpectuar no poder.
Não há leis eternas, ex-cepto as Leis de Deus.
A leis são alteradas em fun-ção da vontade política e da
vontade da sociedade. As-sim aconteceu com as Cons-tituições de 1975 e 1990.
O argumento de que o conteú-do do AGP perdeu a sua valida-de com a validação das eleições
gerais de 1994, pois a partir des-sa data o mesmo vem reflectido
ou foi incorporado no quadro
legal actual é totalmente incor-recto, porque os que assim afir-mam deviam indagar-se se o tal
quadro legal tem sido cumpri-do ao longo deste tempo todo.
Evidentemente que a res-posta é negativa perante os
atropelos que se verificam.
Logo, violando-se o tal
quadro legal, cuja fonte foi o
AGP, está-se a violar o AGP.
(*) Pseudónimo
(Canal de Moçambique)
Mbepo Simango, o Movimento
Democrático de Moçambique.
O que provavelmente o partido
no poder ainda não percebeu é
que a Renamo de hoje não é aque-la de 20 anos atrás. A Renamo de
20 anos atrás era composta de
uma classe dirigente maioritaria-mente “graduada” nas operações
militares dos 16 anos de rebelião.
A Renamo de hoje integra nas
suas fileiras muitos quadros com
diversificada formação jurídica e
política. Para exigir a aplicação
do princípio da paridade na re-presentação na CNE, a Renamo
recorre a uma interpretação autó-noma e coerente da Constituição
da República de Moçambique
(CRM), aprovada pela maioria
parlamentar da Frelimo. Segun-do tale interpretação, a Renamo
diz que, já que o nº 3 do artigo
135 da CRM não fixa nenhum
critério particular para a com-posição da CNE, e remete a sua
regulamentação à lei ordinária,
não existe nenhum fundamento
– nem constitucional, nem legal,
nem doutrinária – para rejeitar a
composição da CNE observando
o princípio de paridade. Ora bem,
tratando-se do “único” princípio
(pelo menos na situação política
actual de Moçambique) capaz de
garantir a igualdade dos partidos
políticos nos processos eleito-rais, deveria também receber a
aprovação no seio do partido
no governo porque a aplicação
deste princípio prova igualmen-te a “inocência” da Frelimo das
“falsas” acusações de manipular
a seu favor o processo eleitoral.
O resultado final da zanga
operativa
O resultado construtivo que
poderá emergir da zanga da
maior parte dos moçambicanos
é a mudança radical da lógica
que, até aqui, é utilizada para es-truturar o voto no momento das
eleições. Fundamentalmente,
os eleitores moçambicanos es-truturam o próprio voto a partir
de dois princípios: princípio re-gional, e o princípio do cálculo
“racional”. Segundo o princípio
regional, muitos moçambicanos
originários do Norte, se sentem
no dever de votar pela Renamo,
pelo facto de serem originários
do Norte, enquanto os do Sul
tendem a votar pela Frelimo, pela
razão idêntica, de serem originá-rios do Sul. Os restantes moçam-bicanos eludem-se, calculando
“racionalmente” que votar pela
Frelimo seja útil porque tendo
já acumulado muita riqueza, a
classe dirigente deste partido está
com maior disposição para em-pregar as futuras entradas estatais
para o desenvolvimento do País.
As duas estratégias estão er-radas. E estão erradas, não só
porque não são democráticas,
mas sobretudo porque produzem
efeitos contrários. Em primeiro
ligar, ninguém recebe qualquer
benefício do partido Frelimo
por ser do Sul. A maioria esma-gadora das populações do Sul
de Moçambique vivem de swit-sakato (verdura sem temperos)
desde a independência até hoje,
e a Frelimo esteve sempre no
poder. Aliás, precisamente por-que nesta região o voto já está
garantido pela filiação étnica--tribal, a Frelimo não faz ne-nhum esforço para conquistar a
simpatia dos eleitores. Os que se
beneficiam do poder neopatrimo-nial e clientelar da Frelimo são
aqueles que (independentemente
da sua origem) estão dispostos,
sem o mínimo de escrúpulo, a
sacrificar os seus compatriotas
para servir os interesses do chefe.
O princípio do cálculo “racio-nal” é errado porque a experiência
mostra que onde a concentração
da riqueza é derivante do poder
político, este último (o poder po-lítico) tende sempre a ser utiliza-do como instrumento para a con-centração ulterior da riqueza e
dos meios de produção, de modo
que, tal concentração possa, por
sua vez, garantir a perpetuidade
do domínio político. Um governo
fundado na base do “cabritismo”,
na base do “cabritismo” será fun-dada a sua administração pública
durante toda a sua existência.
Os eleitores que agem, movi-dos pelo fenómeno de Zanga ope-rativa, não estruturam o seu voto
segundo nenhum dos dois princí-pios analisados. Pelo contrário,
eles adoptam a lógica de “casti-go-prémio” para estruturar o pró-prio voto. Neste tipo de lógica, a
maioria parlamentar e o executi-vo que foram incapazes de actuar
as políticas públicas satisfatórias
durante os 5 anos do seu mandato
(no caso da Frelimo serão 39 em
2014), são automaticamente pu-nidos (castigados), privando-lhes
do voto. O voto negado ao parti-do e ao chefe de Estado cessantes
(os reprovados), e que será atri-buído ao partido alternativo, tem
um carácter estratégico. Por um
lado, ele (o voto) incentiva o par-tido derrotado a renovar-se para
poder apresentar-se novamente
nas sucessivas eleições para pe-dir o voto dos eleitores. Por outro
lado, o voto estratégico obriga
o vencedor (o partido alternati-vo) a governar da melhor forma
possível, para assegurar-se a pre-ferência nas eleições sucessivas.
O que faz da lógica de “casti-go-prémio” a melhor das lógicas
da estruturação do voto, num sis-tema democrático, é que quem
sai a ganhar do grande jogo polí-tico, não são os políticos, mas os
cidadãos. A lógica do “castigo--prémio” não olha para a língua
ou origem étnica-tribal dos líde-res políticos ou dos partidos a vo-tar, olha só e só para as suas obras
enquanto governantes, ou a alter-nativa política que eles propõem.
*Alfredo Manhiça é Profes-sor de Filosofia na Universidade
Pontifícia Antonianum de Roma
O Acordo Geral de Paz e as Negociações
com o Governo
Opinião
(Continuação da página anterior)
Por: Kwacha Kwayera (*)

Sem comentários: