Por Elisio Macamo
"...E lá vou eu outra vez com mais uma confissão longa. Gostaria de premiar quem lê até ao fim. por favor, use o inbox para eu lhe enviar um teste de leitura e compreensão, quem sabe, ainda ganha brindes...
"...E lá vou eu outra vez com mais uma confissão longa. Gostaria de premiar quem lê até ao fim. por favor, use o inbox para eu lhe enviar um teste de leitura e compreensão, quem sabe, ainda ganha brindes...
Este texto tem um carácter preventivo. Já que o descontentamento no país parece ser tão grande, existe, teoricamente, uma forte possibilidade de a Frelimo vir a perder as próximas eleições. Não estou a incluir a fraude na computação. Se assim acontecer, alguns de nós lambe-botas vamos ficar mal. Então, justamente para prevenir essa possibilidade gostaria de escrever um texto a elogiar uma pessoa que pode, potencialmente, também ganhar as próximas eleições. Refiro-me a Afonso Dhlakama, líder da Renamo. Homem prevenido vale por dois. Eu quero valer por dois. Admiro-o por duas razões principais.
Admiro-o, primeiro, pela forma como pôs termo à guerra. Reconheço que este aspecto é condicionado pelo entendimento que eu, juntamente com muitos outros moçambicanos vivendo no país na altura da guerra dos 16 anos, tínhamos da natureza da Renamo. A noção introduzida por Samora Machel de “Bandidos Armados” levou alguns de nós a pensar que a Renamo fosse mesmo isso, isto é algo sem estrutura, nem organização. Fiquei estupefacto quando com o Acordo Geral da Paz a guerra terminou mesmo. Não esperava que a liderança da Renamo tivesse essa capacidade.
Foi uma impressionante demonstração de organização e disciplina. A minha surpresa é uma chamada de atenção para os perigos da propaganda e, acima de tudo, para a necessidade de formação de juízo próprio com base numa avaliação crítica dos elementos ao nosso dispôr. É verdade que a Renamo no contexto da paz não conseguiu manter a organização e disciplina que, aparentemente, lhe foi característica durante a guerra, mas isso é assunto dum outro pelouro que tem a ver com o facto de ela não ter perdido a guerra, mas decididamente perdido a paz.
Admiro-o também pela capacidade incrível de ser dono da sua personalidade e escapar às, por isso mesmo até ao ponto de confundir, as ideias mais ou menos sistemáticas que dele se tem na nossa esfera pública. Na verdade, o homem não tem boa imprensa em Moçambique, nem do lado dos apoiantes do governo, nem do lado dos que se consideram esclarecidos, portanto, críticos do governo. Do lado do governo há muitos que ainda não o conseguiram perdoar pela desfeita que foi a paz negociada. Sobretudo da parte de quem associa o fim da guerra com o fim do projecto socialista o rancor é enorme que chega ao ponto de não permitir nenhuma reconciliação que seja.
Mas mesmo da parte de quem já ultrapassou estes rancores, existe a ideia de que Afonso Dhlakama é um chato que contraria planos hegemónicos de quem tem um entendimento mesquinho, mas maquiavélico, do poder político. Do lado dos “esclarecidos” imperam dois impulsos na diabolização de Dhlakama. Um tem a ver com o facto de aquilo que é considerado como sendo a sua inépcia política colocar em perigo o grande plano de desalojar a Frelimo do poder. O outro impulso está relacionado com a dependência da forma hábil como Dhlakama continua a jogar o trunfo militar para obter concessões não só da Frelimo, mas também de todo o país sem nenhuma necessidade de passar pelos argumentos finos e zangados que os “esclarecidos” têm que esgrimir para serem ouvidos. Só para serem ouvidos!
Há um certo romantismo na minha admiração. Dhlakama, talvez mais do que ninguém em Moçambique, representa a versatilidade do homem comum moçambicano e, talvez até, africano. É um documento vivo da razão quotidiana, da razão impermeável aos nossos elaborados esquemas analíticos, do pulsar vernáculo da vida que uma juventude impetuosa e com as mentes toldadas por conceitos estrangeiros mal digeridos dificilmente entenderá. Admiro Dhlakama pelo facto de o seu agir político ser um melhor guia à racionalidade da acção política em Moçambique do que os tratados facebookianos enformados pela encenação da indignação.
É verdade que esse agir compromete muito do que nós consideramos santo no contexto da democracia. Mas bem vistas as coisas, não há muita diferença entre ameaçar o retorno à guerra – se isso ajudar a obter concessões – nem mesmo quando como em Muxúngué há mortes por um lado e, por outro, instrumentalizar o sofrimento do povo – do povo digo bem – para benefício duma existência parasita ao abrigo do rótulo “sociedade civil”. Não há mortes, claro, e aí há uma grande diferença, só que quando as há alguns acham bem, festejam e até vivem sonhando que haja mais, pois as coisas chegaram a um extremo insustentável.
No calor da indignação o que conta, num primeiro momento, não é a preservação da ordem democrática e, por isso, um posicionamento político que seja consequentemente pró-democracia e Estado de Direito. Se o interesse é fazer estremecer os que na arrogância do poder se esqueceram do povo, tudo, pelo menos argumentativamente, pode valer. Já agora, também não há muita diferença com a proclamação da luta contra a pobreza absoluta e seu uso no silenciamento da crítica como, por exemplo, têm feito alguns estrategas do governo. Aqui também não há mortes, claro, mas quantas vidas poderiam ter sido salvas se o conhecimento produzido pelo IESE, por exemplo, não tivesse sido visto como sendo anti-patriótico?
O meu lambe-botismo não me permite declarar Dhlakama como meu herói, isso não. Entre agora e as próximas eleições Guebuza ainda vai a tempo de me nomear qualquer coisa – de preferência Governador de Gaza – por isso tenho que ter cuidado com o que escrevo. Também não posso esquecer as atrocidades da guerra que nenhum “tu quoque” – isto é, nenhuma referência às atrocidades do exército governamental – pode anular. A forma como ele conduziu a guerra e os aliados que ele escolheu para esse efeito são, infelizmente, uma mancha da qual ele aos meus olhos nunca se livrará. Mas a admiração permanecerá.
E ela permanecerá pelas razões já indicadas. Agora, para muitos a simples elaboração da lista dos seus defeitos e virtudes é suficiente como guia analítico para o político e sua política. Para mim não. Não porque, apesar de tudo quanto escrevi até aqui, Afonso Dhlakama é produto do nosso país, ou melhor ainda, da nossa sociedade e, como tal, não escapa à sociologia política que percisamos de fazer para entender as coisas da nossa terra. Essa sociologia é mais abrangente do que a sociologia do poder que eu exigia na análise do Chefe de Estado e está intrinsicamente ligada aos nossos hábitos de reflexão. Na verdade, esses hábitos de reflexão tornam Dhlakama numa figura trágica, o que aumenta a minha admiração pelo simples facto de o herói se recusar a vergar-se perante as exigências duma narrativa já feita.
No nosso país o grande desafio intelectual ao nível político foi sempre de formular uma posição em relação à Frelimo. É nisto que se constitui um discurso político mais ou menos coerente em Moçambique. Ou somos a favor ou contra a Frelimo, indiferentes não podemos ser. Julgam muitos. Com o fim da guerra e com a capacidade revelada pela Frelimo de se agarrar de forma ciumenta ao poder muitos que se fazem ao debate público viram-se cada vez mais obrigados a falar para a Frelimo no sentido de criticarem – ou apoiarem. Neste contexto, a imagem de Dhlakama não é necessariamente a descrição de suas qualidades como indivíduo e como político, mas sim a manifestação dum espantalho que é funcional ou à crítica ou ao apoio à Frelimo.
O fascínio por tudo quanto é militar numa sociedade traumatizada pela guerra levou muita gente a exagerar as qualidades militares de Dhlakama mesmo ao ponto de esquecerem que, no fundo, a guerra dos 16 anos foi uma guerra entre uma das piores guerrilhas do mundo e um dos piores exércitos do mundo. O médio-volante do Chingale de Tete é médio-volante, mas não é a mesma coisa que o médio-volante do Futebol Clube do Porto.
A necessidade de encontrar pontos de pressão contra a “arrogância do poder” conduziu a reflexão política à legitimação de posições extremamente problemáticas em relação ao Estado de Direito que, por sua vez, criou os espaços dentro de cujos interstícios se construíu uma imagem de Dhlakama funcional ao pseudo-debate político interno. Mas o que realmente acontece, e aí volto a confessar a minha admiração por Dhlakama por me permitir ver isso com clareza (creio), é que muito do que passa por crítica no nosso país – naturalmente com honrosas excepções – não se fundamenta numa ideia clara do político. Um olhar atento a muita dessa crítica revela posições fundamentalmente autoritárias e intolerantes que dificilmente se coadunam com a democracia que todo o mundo reclama para si. Curiosamente, há muita “Frelimo” na filosofia política de muitos críticos, razão pela qual a crítica tende a ser o mais agressiva possível – para vincar uma diferença que na essência não existe.
A minha confissão ficou longa e como ela tem a função de lamber botas não pode ter o mesmo comprimento que a outra. No lambe-botismo há que respeitar proporções. Vou fechar com uma tentativa de resumir o texto para poupar essa maçada ao leitor e limitar ao máximo as tentativas de deturpar o meu texto com leitura descuidada. Pois bem, o argumento é simples. A tese que estou a defender é de que devemos admirar Afonso Dhlakama. Ela apoia-se em duas premissas fundamentais. Uma é de que existem qualidades individuais dignas de nota – por exemplo, o controlo que ele afinal tinha sobre o seu exército bem como a sua capacidade de se furtar ao nosso olhar científico – e a outra é de que ele é a manifestação duma sociologia política bem típica da nossa sociedade.
Há uma premissa implícita que vou explicitar agora: tudo quanto nos permite perceber melhor a estrutura da nossa sociedade e, sobretudo, como ela produz os seus actores políticos que depois abominamos ou emulamos, é digno da nossa admiração. Com isto espero ter desencorajado também os que não aguentavam mais ler o texto até ao fim para poderem postar o seu excelente e inadiável comentário do estilo “eu não admiro Dhlakama” ou “eu também admiro Dhlakama” ou ainda “o autor está completamente enganado.”
Quem me dera!..."
Quem me dera!..."
3 comentários:
Elísio (como se fossemos próximos), concordo e discordo de alguns aspectos e vou apontar dois:
1. Eu admiro Afonso M.Dlhakama – mas eu admiro Dlhakama por ter ganho a guerra [acho que aqui concidimos] e por ter ganho a paz [já aqui poderemos não concidir]. Veja: em qualquer momento da história eu tenho que seremos (eu + Elísio + ignotos) firmes em dizer que Dlhakama venceu a guerra mas, quanto ao perder a paz, considero que até o presente dia o presidente Afonso Dlhakama perdeu a paz (e perdeu não só por dispor de menores creditos, na impensa colectiva de todos, e posições político-governativas; assim como perdeu-a no sentido espiritual – de tal forma que, imagino que esteja lhe faltando mais sossego, tranquilidade e certezas nestes tempos do que quando ainda “andava nas matas” –). Repara, acima digo que até o presente dia...perdeu a paz. Ora, se é até o presente dia, tendo em conta que o actor ainda está vivo e em cena, o certo era dizer que até o presente dia Dlhakama está perdendo a paz. E, chamando a este texto o raciocío de fetebol: o jogo ainda não acabou, mesmo estando a “equipa D” em chamas e, a “equipa F” ganhando por 5-0, nada está terminado, antes do apito final, pois já viu equipas ganhar revirarem o jogo nos derradeiros minutos, levando os a prolongamentos e, quiça, ganha-los no fim (pode até ser a penaltes) – não que eu esteja acreditando que isso venha a acontecer, assim como quase ninguém nunca acredita nessa viradas de futebol, contudo, não posso deixar de “conjugar o verbo no tempo e no modo certo”.
1.1. Eu admiro Dlhakama por ter ganho a guerra e por ter ganho a paz (aqui interessa ver o ter ganho a paz não até o presente dia mas, a partir dos processos negociais que culminaram com a assinatura dos Acordos Gerais de Paz até, no mínimo, nos seus primeiros anos de consolidação e quando se começou a ter por consolidada).
Se consideramos que efectivamente a “equipa D” ganhou a guerra; se considerarmos que as vozes de pânico e medo, da RENAMO, chegavam a alcansar níveis de terror; se considerarmos que um governo se recusou de ínicio (com o Presidente Samora) e seguidamente com Chissano (este se não recusou, pode-se dizer que durante, pelo menos 4anos não pautou) a ser mais ouvinte e dialogante, pautando por ser mais beligerante, vindo a se arrastar essa posição de tentativa de solução da guerra pelas armas, por 16 anos; se ponderarmos que em Tsalala e na cidade de Maputo já se tinha pânico da RENAMO; se considerarmos que a “equipa D” tinha condições e havia preparado o campo (na fé de que tinha), para mais dia, ou menos dia, mais 2 ou 3 anos entrar na Ponta Vermelha a marchar; SE CONSIDERARMOS QUE TODO AQUELE QUE ESTÁ NO PODER, SE NÃO CEDE, ab initio, POR POLITEZ E BOA VONTADE, SÓ CEDE ANOS DEPOIS POR INCOTORNÁVEL DECLÍNIO – Afonso Dlhakama ganhou a paz.
2. Quanto a “lembrança” que nos traz de não “ esquecerem que, no fundo, a guerra dos 16 anos foi uma guerra entre uma das piores guerrilhas do mundo e um dos piores exércitos do mundo.”. Tenho que, está afirmação só pode ser verdadeira se se estiver olhando os quer a tal guerrilha e o tal exército de fora, isto, tendo como foco de análise a capacidade militar em termos de material bélico disponível, fontes e tempo de acesso à esses materiais, quantidade de homens e tipo de treinamento e experiência de combate vividos. Mas noutro olhar ela peca.
E que olhar é esse? Quero dizer que a avaliação qualitativa de uma guerrilha e dum exército não pode ser feito numa prisma estático, que, embora necessário, não oferece a enfusão efectiva do que decorre numa guerra efectiva, nem a vertigem de sangue que uma guerra em actividade cria. As guerrilhas e os exércitos são acertadamente avaliadas num prisma dinâmico, por aquilo que fazem num guerra em curso, E UMA GUERRA É SEMPRE UMA GUERRA – única e imprevisível.
Respeitado Elísio, esta minha posição é, alias, a que se pode concatenar de Sun Tzu (Arte de Guerra), no sentido de que numa guerra os números, os armamentos, as vantagens técnica e táctica não são o determinante para vence-la, sendo o engano e a supresa o mais importante. Pelo que a guerrilha e o exército, no artigo lembrados como dos piores, numa guerra em actividade podem (fora das previsões) acocorar ou vencer o exercícito dos EUA, bastando para tal que benefeciem do necessário engano e surpresa.
Destaco o seu comentário, Flávio, A. Chongola. Em http://ambicanos.blogspot.pt/2013/05/eu-admiro-dhlakama-1-comentario-de.html
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