Monday, July 8, 2019

Pela integridade (5)

Pela integridade (5)
Cheguei agora à parte que mais interessa, nomeadamente a parte sobre o que devemos fazer. Mais uma vez, o desafio não é combater a corrupção, mas sim promover e consolidar a integridade pública. Como se faz isso? Faz-se essencialmente de duas maneiras. Uma consiste em trabalhar no aparelho do Estado. A outra consiste em tipificar a corrupção da forma mais restrictiva possível para evitar que ela descreva tudo. A estratégia da PGR tira nota negativa nas duas coisas.
Conforme escrevi no primeiro texto da mini-série não é possível elaborar uma estratégia sem ter em consideração os valores que você promove, os princípios que você segue para alcançar esses valores e as instituições que você cria ou nutre para operacionalizarem a sua estratégia. Quando digo que é preciso trabalhar no aparelho do Estado muita gente pensa, aposto, logo na educação moral dos funcionários. Ou na sua punição. Nada disso. Trabalhar no aparelho do Estado significa fortalecer o cidadão. O cidadão tem que ser protegido da ineficiência do aparelho do Estado. É fortalecendo o cidadão que o aparelho do Estado será estimulado a servir melhor.
Num outro post sobre esta questão da corrupção dei um exemplo simples disto. Falei de como muita coisa no trânsito poderia mudar se ao invés de dar carta branca à polícia de trânsito para “controlar” as pessoas de qualquer maneira – sem resultados palpáveis na segurança rodoviária – o controle fosse limitado ao máximo seguindo o princípio da presunção de inocência: só controlar aquele que cometeu uma infracção ou se encontra em situação irregular. Isso obrigaria a polícia a ser mais criativa nos seus esforços de garantir a segurança, reduziria oportunidades de extorsão e tornaria o seu trabalho mais eficiente. Dum modo geral, o desafio consiste nisto: estimular as instituições do Estado a simplificarem os procedimentos onde há contacto com o público e colocar sobre eles a responsabilidade de as coisas serem feitas. Se o formulário está mal preenchido, o problema não devia ser do cidadão, mas sim do funcionário público.
A outra maneira, aquela que diz respeito à tipificação da corrupção, é também simples. Para mim não faz nenhum sentido a existência dum organismo para combater a corrupção. A única razão de existência é a necessidade de satisfazer os doadores. É uma drenagem irresponsável de recursos humanos para um sistema de justiça como o nosso. Está, por exemplo, a ser julgado o caso da embaixadora que alegadamente desviou fundos da embaixada. Para mim este não é um caso de corrupção. É um caso de falta de irresponsabilidade profissional. Tem que ser tratado, primeiro, como um caso disciplinar no Ministério dos Negócios Estrangeiros e, depois, como um caso criminal (desvio de fundos).
Corrupção devia ser reservada a casos bem restrictos do aproveitamento de cargos públicos para ganhar vantagens pessoais. Se se provar, por exemplo, que Chang recebeu comissões para viabilizar os negócios que nos levaram às dívidas, isso terá que ser tratado como um caso de corrupção. A única concessão que estou preparado a fazer é a da criação duma unidade especial dentro da PGR para lidar com o crime organizado, pois se esse se instalar (parcialmente até com a ajuda do SISE que devia estar sob controlo parlamentar) vamos ficar como a Itália...
O que a gente precisa de fazer com maior urgência é, por um lado, alargar as competências do tribunal administrativo e, por outro, criar uma espécie de Inspeção do Estado com a tarefa de monitorar o funcionamento do aparelho de Estado. Até podiam se dar prémios aos juízes que descobrissem irregularidades e contribuíssem para o ressarcimento do Estado... Coisas na essência simples que nos livrariam do barulho daqueles que vivem do combate à corrupção.
Gosto
Partilhar
Comentários
  • Joaquim Sérgio Inácio Manhique .... de longe, este post cristaliza as suas ideias e os ideiais de como re-fundar o Estado!... Parabens wale kaya Elisio Macamo....Claro que todos os posts da mini-serie sao uteis para alimentar um debate publico, estadual com todas as forcas vivas da sociedade.

    Sinceramente eu espero e rogo que alguem lhe oica e que consiga colocar esta reflexao no topo da agenda republica.

    PS:

    Onde estao aquelas plataformas televisivas/televisionadas e radiofonicas/radiodifundidas para capitalizar este pensamento?
  • Antonio Gundana Jr. Podem até ser simples na perspectiva académica. Mas para quem a gente fala? Com quem fala a "pessoa" com quem a gente fala? É aí aonde o assunto torna-se complexo. Mas com esperança, não impossível.
  • Chacate Joaquim É difícil viver na incerteza de combate à corrupção. Kkkkkkk

No comments: