Tuesday, July 23, 2019

CHUMBO DA EUROCLEAR DESCREDIBILIZA ANGOLA NOS MERCADOS INTERNACIONAIS


A imagem de Angola nas praças financeiras internacionais sofreu mais uma machadada, com a recusa recente da Euroclear em dar procedência à transferência de dois mil milhões de dólares do Fundo Soberano para a conta do Banco Nacional de Angola, por suspeitas de falta de transparência e licitude na operação.
A Euroclear é uma das duas principais câmaras de compensação para valores mobiliários negociados no Euromercado. Uma câmara de compensação é uma instituição financeira que actua como intermediária entre compradores e vendedores de instrumentos financeiros.
A Euroclear especializou-se em verificar informações fornecidas pelos corretores envolvidos nas transacções e liquidação de títulos, tendo sido criada pelo Banco americano J. P. Morgan, nos anos 1960, para acompanhar o desenvolvimento do mercado obrigacionista no continente. A sua sede é na Bélgica.
A Euroclear tem a custódia dos referidos fundos, e geria a carteira de obrigações do Fundo Soberano de Angola.
Em 27 de Junho passado, o presidente da República, João Lourenço, anunciou a realização do Programa de Investimento Integrado nos Municípios (PIIM), explicando que o mesmo seria financiado com dois mil milhões de dólares provenientes do Fundo Soberano.
Conforme documentos oficiais disponíveis para consulta pública, o PIIM circunscreve-se a obras públicas de construção e de reabilitação e apetrechamento de infra-estruturas.
O que salta à vista, no entanto, é a ausência de iniciativas no domínio da produção e do aumento de oferta de bens, essenciais para mitigar a importação de bens de primeira necessidade e racionalizar as Reservas Internacionais Líquidas (RIL) do país, que actualmente estão abaixo dos dez mil milhões de dólares.
Para o efeito, o Fundo Soberano vendeu os seus activos mobiliários (títulos), sob custódia da Euroclear, e tentou transferir o dinheiro para o BNA.
Fontes internacionais explicam ao Maka Angola quais as diligências efectuadas pela Euroclear, junto das entidades angolanas, no sentido de compreender as razões de tão avultada transferência do Fundo, que se rege por lei própria e tem como objectivo realizar investimentos.
De acordo com estas fontes, a recusa da Euroclear assenta na falta de transparência, do ponto de vista da compliance (cumprimento de regras) internacional. Para esta entidade, o BNA é um banco central cujo objecto social, enquanto regulador do sistema bancário, nada tem a ver com a gestão de activos de uma instituição com personalidade jurídica autónoma, como é o Fundo Soberano.
Segundo as mesmas fontes, o Fundo Soberano não pode fazer transacções para o pagamento de despesas do Orçamento Geral do Estado (OGE).
Caso o plano avançasse e a transferência se realizasse, a Euroclear poderia ser multada pelo Departamento de Tesouro dos Estados, pela Autoridade Monetária Europeia e pelo GAFI (Grupo de Acção Financeira Internacional), devido à prática de branqueamento de capitais. Há um entendimento internacional segundo o qual as instituições similares ao Fundo Soberano se constituem como uma reserva do Estado, através da realização de investimentos e poupanças. Não é um cofre para despesas correntes do Estado.
Um especialista angolano, que prefere o anonimato, explica como se procederia ao gasto dos dois mil milhões de dólares: “O BNA gere a Conta Única do Tesouro (CUT). Deve vender os dólares aos bancos comerciais e depositar os kwanzas recebidos na CUT para pagamento das despesas do PIIM. É com este tipo de operações que o BNA garante maior liquidez em moeda estrangeira aos bancos comerciais por si seleccionados.”
Na prática, o dinheiro do Fundo Soberano deverá funcionar como uma espécie de saco azul do Executivo, além de permitir que os bancos comerciais e as empresas associadas lucrem com os câmbios.
Com a recusa da Euroclear em participar nesta operação, deve ser o Fundo Soberano a transferir directamente os dois mil milhões da sua conta para o BNA, criando outro imbróglio em termos de justificação acerca da transparência da operação.
“A transferência directa do Fundo Soberano para o BNA é o maior erro que se pode cometer. Se a Euroclear se recusa a fazer uma transferência para um banco central [BNA] por razões de compliance, isso significa que não tem confiança nesta instituição e a coloca na lista dos maus”, revela um investidor internacional.
“Esta é uma má notícia, uma péssima notícia para a credibilidade de Angola no mercado financeiro internacional”, conclui.
O BNA, por seu lado, já havia sido colocado sob observação em 2011, aquando do primeiro mandato de José de Lima Massano como governador (2010-2015). Nessa altura, o BNA entregou mais de dois mil milhões de dólares das Reservas Internacionais Líquidas (RIL) ao vigarista suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Morais, destinados a aplicação em investimentos, sem qualquer seriedade ou instrumento de controlo.

Desinteligências

O esvaziamento do papel do Fundo Soberano tem sido motivo de desinteligências ao nível do aparelho de Estado.
O Maka Angola soube que, recentemente, o presidente do Fundo Soberano de Angola, Carlos Alberto Lopes, se opôs à utilização dos dois mil milhões de dólares para o PIIM, por considerar essa decisão ilegal. Na reunião realizada no Ministério das Finanças, segundo fontes oficiosas, Carlos Lopes terá manifestado que colocaria o seu cargo à disposição, por discordar do processo e prever consequências legais no futuro.
Carlos Lopes desmente: “Nada disso aconteceu.”
Fonte do Ministério das Finanças não confirma nem desmente o sucedido. Refere apenas que “pode ter sido só um desabafo no calor do momento”.
No passado mês de Abril, as autoridades angolanas ilibaram o vigarista suíço-angolano Jean-Claude Bastos de Morais de qualquer responsabilidade civil e criminal pela gestão danosa da dotação de cinco mil milhões de dólares do Fundo Soberano. A maioria dos investimentos feitos por Jean-Claude destinava-se às suas próprias empresas, maioritariamente fictícias e cujo verdadeiro objectivo seria o desvio e branqueamento de capitais. Além disso, através de complexos ardis legais, Jean-Claude mantinha cativo o dinheiro do fundo.

Fundo de prejuízos

Estes acontecimentos suscitam dois comentários, quer sobre a racionalidade económica, quer sobre a legalidade da transferência da dotação do Fundo Soberano para o PIIM.
Em relação à racionalidade económica, neste momento, é evidente que não faz qualquer sentido gastar o dinheiro do Fundo Soberano.
Na realidade, o Fundo Soberano sempre deu prejuízo. Não capitalizou, e não acrescentou rendimento para além do enriquecimento escandaloso de Jean-Claude Bastos de Morais e seus patronos angolanos.
Logo, faria sentido começar a investir, de forma racional, o dinheiro do Fundo Soberano com vista a gerar a rentabilidade necessária. Depois, com os frutos gerados, far-se-iam as obras do PIIM e contribuir-se-ia para a dinamização da economia nacional. A sequência lógica seria esta. 
O PIIM só deveria acontecer depois de estarem efectivamente operacionais os mecanismos de fiscalização e controlo das obras. Caso contrário, vamos assistir à fábula do costume: estradas cuja construção fica a meio, escolas que desabam com as chuvas, obras fictícias, dinheiro que desaparece em offshores.
Por outro lado, em termos legais, como refere Rui Verde, analista jurídico do Maka Angola, “não se vê qual seja o fundamento legal que permite ao presidente fazer um raide ao Fundo Soberano e transportar o dinheiro para o Orçamento Geral do Estado, de onde, se bem se percebe, irá sair o dinheiro para o PIIM”.
O Fundo Soberano obteve, através do Decreto Presidencial n.º 48/11, de 9 de Março, e de legislação subsequente, um regime jurídico bastante detalhado, pelo qual determinadas verbas lhe foram consignadas. “Era importante entender em pormenor de que forma esse regime vai ser alterado e como se concatenam as regras do Orçamento Geral do Estado, em que a Assembleia Nacional tem uma palavra a dizer, com as regras presidenciais do próprio Fundo”, conclui Rui Verde.
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