Amnistia
No desfecho das últimas negociações entre a Renamo e o governo de Moçambique em 2014, aprovou-se uma lei de amnistia. Apesar de ter sido promovida pelo meu “ídolo”, estive contra e cheguei até a escrever um texto a apelar aos deputados para que não aprovassem essa lei. Na altura, o meu argumento principal era de que a lei documentava a falta de respeito pelas vítimas civis da irresponsabilidade política da Renamo. Chegeui a perguntar aos juristas – e não obtive resposta – se seria possível que grupos de cidadãos processassem a liderança da Renamo ou indivíduos a ela ligados que tivessem cometido crimes.
Volvidos 5 anos, lá estamos nós de novo a aprovar uma nova lei de amnistia, outra vez em clara falta de respeito pelo povo, outra vez compensando a irresponsabilidade política. O que piora as coisas desta feita é que essa lei é aprovada num momento em que aqueles que empunham armas não dão nenhum sinal de terem percebido a gravidade dos seus actos. Estão aí a ameaçar de morte o seu próprio líder e também a ameaçar o País com o recurso à violência para verem cumpridas as suas exigências. Isto é, corremos o risco de promulgar uma lei de amnistia – como da outra vez – que vai ficar obsoleta no dia seguinte porque será violada e será necessário voltar a amnistiar para acalmar os violentos. É uma lógica perversa que trivializa este tipo de instrumentos.
A única vantagem nisto, e que não é de menor importância, é que uma amnistia é sempre o reconhecimento de que se cometeram crimes. Dito doutro modo, a Renamo reconhece que cometeu crimes. Como pode aparecer um engraçadinho qualquer por aqui a falar de supostos crimes das Forças de Defesa e Segurança, apresso-me a dizer que vejo uma grande diferença. Os nossos agentes de defesa e segurança agiram – e agem – dentro dum quadro legal que torna legítimo o porte e uso de armas contra quem põem a segurança pública em causa. Isso não significa, porém, que elas possam fazer tudo o que quiserem nesse contexto. Há regras e se elas forem violadas, a lei tem que intervir.
Infelizmente, não há história disso no nosso País. Circulou um vídeo, por exemplo, mostrando soldados a agredir um suposto insurgente em Cabo Delgado, o que constitui uma grave violação de direitos humanos e da deontologia militar e policial que orienta o trabalho de quem tem o monopólio legítimo do uso de meios de violência. Esses casos precisam de ser investigados e os perpretadores precisam de ser trazidos à justiça para o bem da imagem do Estado, das Forças de Defesa e Segurança assim como para que a população não perca confiança.
Infelizmente, não há história disso no nosso País. Circulou um vídeo, por exemplo, mostrando soldados a agredir um suposto insurgente em Cabo Delgado, o que constitui uma grave violação de direitos humanos e da deontologia militar e policial que orienta o trabalho de quem tem o monopólio legítimo do uso de meios de violência. Esses casos precisam de ser investigados e os perpretadores precisam de ser trazidos à justiça para o bem da imagem do Estado, das Forças de Defesa e Segurança assim como para que a população não perca confiança.
Confesso ter sido apanhado de surpresa por esta lei. É sintomático de todo o processo negocial e da soberba do governo que não se falou disto – que eu saiba – e que uma coisa de tanto interesse para toda a sociedade tenha sido aprovada na calada da noite, praticamente, sem nenhuma discussão, sem nenhuma auscultação e ainda por cima por unanimidade! Para mim, isto não é prova de compromisso com a paz. É prova de imaturidade política e negocial. O Presidente Nyusi poderia ter usado a sociedade moçambicana como trunfo negocial. Submeter a lei de amnistia, por exemplo, à discussão pública poderia ter aumentado a pressão sobre a Renamo; mesmo informar o público sobre as negociações poderia ter dado ao governo mais força, pois as reticências que alguns de nós iríamos apresentar poderiam ser uma forma de pressão sobre os inimigos da paz. O resultado que vemos é tudo menos um sucesso.
À custa duma reforma precipitada do nosso ordenamento político e completamente vazia de sentido político, o governo de Moçambique negociou uma “paz” refém da incapacidade do seu interlocutor de meter ordem em sua própria casa. Tudo o que se faz agora é correr atrás do prejuízo criado pelo amadorismo. É grave. E o que mete medo nisto tudo é que a Renamo elegeu um mudo que, portanto, não fala, e ainda por cima não mostra as suas cartas. Só quer ser presidente da república remetido lá ao seu silêncio sepulcral.
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