Pela integridade (4)
O discurso da corrupção tem um problema fundamental. Ele reflecte, num primeiro momento, a posição de quem nos “ajuda”. Não é a nossa posição. Moçambique como País, assim como muitos outros países africanos, é produto duma história bem específica, nomeadamente a história do colonialismo. Essa história determinou várias coisas.
Determinou, por exemplo, que Moz tivesse o tipo de composição (étnica, religiosa, racial, etc.) que tem; determinou que tivesse as fronteiras que tem; determinou que estivesse (des)integrado no sistema económico mundial como está. A “ajuda” que recebe serve para Moz fazer o melhor que puder dentro dum sistema internacional que não é da sua autoria. Talvez ajude a compreender a coisa se fizermos uma analogia com animais domésticos. Se soltarmos esses animais para se virarem num mundo que (já) não é deles podemos imaginar os problemas que eles vão ter entregues à sua sorte.
Ora, desde as independências que os donos do mundo procuram nos “ajudar”. 60 anos, no contexto da história da humanidade, não são nada. Mesmo a própria Europa só depois da Segunda Guerra Mundial é que conseguiu garantir o nível de vida para um número maior da sua população que hoje caracteriza aquele continente. A África (não) desenvolveu-se com a ajuda dos países donos do mundo. As razões do falhanço foram mudando ao longo do tempo dependendo do posicionamento ideológico de quem as formulava.
Nos anos 60 ou 70 uns falavam da explosão demográfica (tema que hoje está de novo na moda), outros dos termos de troca desiguais; nos anos 80 o Banco Mundial embarcou na ideia de que o problema era o Estado africano muito virado para as zonas urbanas e agindo contra o meio rural; isso criou espaço para as políticas de reajustamento estrutural que tinham como objectivo, entre outros, reduzir o papel do Estado para que não influisse negativamente no mercado; quando nem isto resultou, o discurso mudou de novo, desta feita para a questão da boa governação que, ao longo dos anos 90 e subsequentes passou a focalizar-se na questão da corrupção.
A explosão demográfica, o foco nas zonas urbanas, os termos desiguais e a própria corrupção são reais como problemas. A questão é a sua função no contexto da indústria do desenvolvimento. São a causa dos nossos desaires ou são a manifestação dos nossos problemas? Eu acho que são a manifestação dos nossos problemas. Mas quem precisa de explicar aos seus contribuintes porque essa ajuda nunca mais acaba prefere ver esses problemas como causas. Isso tem a vantagem adicional de devolver a culpa aos africanos e poder dizer que eles (as elites) é que não querem se desenvolver.
Alguns compatriotas, financiados pelos doadores (claro) atrelam-se a esse discurso, assumem-no como sua mantra e toca a buzinar isso aos nossos ouvidos toda a hora. Com isto não quero dizer que esses compatriotas sejam totalmente ingênuos. Tenho a certeza de que há muitos entre eles que acreditam honestamente que o problema é mesmo a corrupção e, por isso, não acham que seja completamente problemático repercutir esse discurso. Mas lá está: nem tudo o que você acredita honestamente precisa de estar correcto.
É por essa razão que eu digo que malta CIP e companhia não faz parte da solução, mas sim do problema. Se aquilo fosse uma associação de contribuintes moçambicanos que quer saber o que acontece com os seus impostos a coisa seria ligeiramente diferente. Mas não. É uma organização financiada por aqueles que fazem parte do nosso problema para dizer que só nós é que somos o problema. Nenhuma estratégia de luta contra a corrupção vai ter sucesso enquanto ela não for articulada com a necessidade de nos livrarmos dos doadores.
Aproveito aqui para puxar a brasa para a minha sardinha: um dos maiores “erros” de Guebuza foi justamente este. A ele incomodava esta “amizade”. Lembro duma das poucas vezes que senti orgulho do governo quando eles chamaram atenção ao tipo do FMI que se pôs aí a falar coisas que não eram da sua competência. Só que esse pessoal não esquece. As próprias dívidas ocultas são difíceis de explicar se não tomarmos isto em consideração. Vendo a possibilidade de através desse golpe magistral ganhar autonomia desse pessoal consigo imaginar um Presidente incomodado por essa “amizade” a preferir fazer as coisas às escondidas. É uma hipótese que não deve ser descurada.
E é por esta razão que reitero que o nosso foco não pode ser o combate contra a corrupção. O nosso foco deve ser a promoção e preservação da integridade. Esse é que é o nosso desafio. No combate à corrupção cumprimos a agenda dos doadores. Na promoção da integridade pública fazemos aquilo que devia ser a nossa prioridade: construir o nosso Estado.
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