Monday, July 8, 2019

Pela integridade (3)

Pela integridade (3)
Muita gente gosta de falar de “corrupção sistêmica” para falar do problema da corrupção no País. Este é um equívoco grande promovido pela forma descuidada como o activismo militante aborda questões sérias com recurso a conceitos mal digeridos.
O facto de o País ter muitos problemas políticos, sociais e económicos (que se traduzem em pobreza e precariedade) e registar também desigualdades sociais gritantes que não raras vezes prejudicam menos uma certa camada próxima dos recursos do poder (portanto, da Frelimo onde ela governa e do MDM e da Renamo onde governam) e mais aqueles que estão longe desses recursos faz com que muita gente seja receptiva à ideia de que a corrupção seria funcional à reprodução desse estado de coisas.
Cada caso de “corrupção” que é “descoberto” não só alimenta esta percepção como também encoraja raciocínios simplistas do tipo “aquele dinheiro todo que fulano roubou podia ter construído escolas”. As coisas, infelizmente, não são bem assim. O problema, como veremos ao longo da mini-série não é o dinheiro que podia ter construído escolas, mas sim o processo político que mesmo onde não há roubo não se verifica o mesmo timpo de compromisso com o serviço público.
Há dois tipos de corrupção a ter em conta. Uma é sistêmica e outra é estrutural. Quando se luta pela integridade procura-se transformar a corrupção estrutural em corrupção sistêmica. Sei que muita gente vai ficar surpreendida, mas é isso mesmo. Política não é técnica. Política é a arte do compromisso. Uma boa política de saúde não é necessariamente aquela que vai trazer melhores resultados em termos de saúde pública. É a que é possível dados os interesses existentes na sociedade. É aquela que sabe ganhar o pessoal médico, as clínicas privadas, os doentes, os construtores, etc. Para ganhar esses interesses diversos é preciso saber fazer compromissos, isto é saber “comprar”.
Corrupção sistêmica é quando estes arranjos estão devidamente formalizados para permitir maior previsibilidade na acção política. Foi assim que os EUA “resolveram” o seu problema de corrupção, a saber legalizando-a. Mesmo no Brasil, onde temos um ex-Presidente na cadeia (injustamente, diga-se de passagem), não foi a corrupção sistêmica que o levou à cadeia, mas sim o aproveitamento político que os seus adversários fizeram dum discurso anti-corrupção sem nenhum sentido para as condições do Brasil onde o sistema político funcionava dessa maneira, ainda que não de maneira “legalizada”.
A corrupção estrutural descreve, por sua vez, a vulnerabilidade duma sociedade a um tipo de comportamento que não está formalmente previsto. Quando, por exemplo, os agentes da polícia de trânsito exigem pagamentos aos motoristas, professores, pessoal de saúde, etc. fazem o mesmo com as pessoas a quem deviam servir, quando governantes usam os seus cargos para encher os seus próprios bolsos, tudo isso aponta para problemas estruturais que precisam de ser abordados. Nem todos vão ter o mesmo tratamento como pretende a malta anti-corrupção. Uns vão exigir “formalização”, outros vão exigir criminalização e outros ainda vão exigir medidas de teor burocrático.
A questão da corrupção estrutural é importante porque ela mostra em que sentido a corrupção é realmente um problema. Ela é um problema porque manifesta desequilíbrios de fundo que precisam de ser corrigidos. É por isso que não faz muito sentido combater a corrupção, pois ela é apenas a manifestação dum problema de fundo. O problema de fundo é que precisa de ser combatido. Peguemos no caso do momento. Para muita gente, o problema é o aparente roubo de milhões pelos “lesa-pátria”.
Como devem imaginar, eu não concordo com essa ideia. Para já, para mim ainda não está claro se essas pessoas “roubaram” pelo simples prazer de “roubar”, portanto, pela ganância individual. Parece-me mais prudente partir do princípio de que o “roubo” foi uma consequência estrutural de algo mais profundo, no caso, a forma como se tomam decisões no País. Sempre disse que esse negócio ocorreu num ambiente intransparente no contexto dum governo que via os doadores com desconfiança. Não é obrigatório acreditar nisto, mas para mim esses aspectos estruturais são mais importantes do que a simples ganância dos Changs deste mundo. Se há alguma coisa a combater aqui são esses aspectos, não a ganância.
O resto vem depois. Há mais três.
Comentários
  • Reginaldo Mutemba "Combanter a manifestação do problema... "! Imagino o polícia que sem subordo não levaria os filhos a escola, não teria construido , não teria a vida, para num dia, por força das campanhas contra o suborno, é informado/exigido para combater a razão de tudo que foi adquirindo ao longo do tempo. Como fazer para não entre nessas práticas? Que investimento pode ser feito para que o polícia não se envolva em práticas consideradas reprováveis?!

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