Sai uma vítima da EDP, outra de Centeno e duas de si próprios
A remodelação governamental profunda deste fim de semana apanhou quase toda a gente de surpresa. Mas, na verdade, os princípios que estão por detrás desta sangria na equipa do Governo até são simples.
Manuel Caldeira Cabral sai por causa do lobby da eletricidade, sobretudo por causa da pressão dos acionistas chineses da EDP sobre o Ministério da Economia e sobre o próprio Primeiro-Ministro.
António Costa já devia estar farto de ouvir as queixas do embaixador da República Popular da China sobre a alteração dos pressupostos contratuais que levaram à privatização da EDP. Caldeira Cabral dava cobertura plena ao secretário de Estado da Energia.
Jorge Seguro Sanches, como sabemos, mandou cortar nos pagamentos anuais das rendas garantidas dos CMEC, de 250 milhões de euros por ano para pouco mais de 85 milhões, até 2027.
É muito subsídio cortado de uma só vez, por um simples secretário de Estado.
Mas Seguro Sanches não ficou por aqui. Em relação aos 2.500 milhões de euros pagos em CMEC à EDP entre 2007 e 2017, deu como válida a avaliação feita pela ERSE - que concluiu que tinha havido pagamentos muito acima do que era devido - e mandou devolver mais de 280 milhões de euros.
É muito rombo nas contas do maior sugadouro de riqueza do país, legalmente constituído e protegido pelas leis de compadrio sucessivamente aprovadas no parlamento, a mando dos maiores escritórios de advogados. Sim, aqueles que são pagos a peso de ouro pelos doutos pareceres que fornecem à EDP e pelas propostas de legislação que estão habitados a enviar para o Parlamento e para os gabinetes dos ministros permeáveis. Nem este Ministro nem este Secretário de Estado o eram.
Seguro Sanches cortou ainda nas garantias de potência, nos juros da dívida tarifária, obrigou a EDP, Iberdrola, Endesa e congéneres a deixarem de inventar pretextos falsos para recusarem atribuir a tarifa social da eletricidade às famílias carenciadas e ameaçava cortar também nos subsídios à renováveis.
Fez ainda um outro pecado capital: manteve na gaveta as dezenas de pedidos de novas licenças para produção de energia eólica altamente subsidiada, um suicídio financeiro para os consumidores porque a capacidade instalada do sistema eletroprodutor já ultrapassa as necessidades do país.
A tudo isto, Caldeira Cabral dava cobertura.
Sobre tudo isto, muitos jornalistas de órgãos de comunicação de referência da nossa praça já escreviam sistematicamente que não era admissível o Estado estar a alterar unilateralmente contratos legalmente protegidos. Desse tipo de jornalismo que fecha os olhos ao saque das tarifas sobre os consumidores, famílias e empresas, já se queixava o Ministro da Economia em privado.
A esta hora, muitas garrafas de champanhe estão a ser abertas na 24 de Julho, em Lisboa, em Madrid e em Nova Iorque. Tal como foram abertas em Londres pelos administradores da maior elétrica, em 2013, quando Henrique Gomes e Álvaro Santos Pereira acabaram por saltar do ministério da Economia do Governo de Passos Coelho.
Agora, a secretaria de Estado da Energia passa para o Ministério do Ambiente com o nome de Transição Energética.
Meus caros António Costa e João Pedro Matos Fernandes, percebemos bem o recado: Transição Energética significa que os dois serão tentados a abrir as comportas da aprovação das dezenas de pedidos de novas produções eólicas altamente subsidiadas, que Caldeira Cabral e Seguro Sanches puseram na gaveta durante estes anos porque eram uma ruína para os consumidores e um maná para os associados da APREN. O champanhe também já jorra aí por muitos gabinetes empresariais do lobby das ventoinhas.
Sabemos bem que o novo ministro da Economia, Pedro Siza Vieira, é muito próximo dos chineses donos da EDP. O próprio não o esconde. Ter ficado sem a pasta não o impede de vir a dizer aos colegas de Governo, nos futuros Conselhos de Ministros, o que quer e o que não quer para o setor da Energia.
Ficaremos nós jornalistas muito atentos para ver o que, de facto, vai mudar na Transição Energética!
Quanto à transição de Adalberto Campos Fernandes em dia de furacão, a história conta-se mais depressa.
Era tão Mário Centeno, tão Mário Centeno, que acabou anulado pelo Ministro das Finanças, Presidente do Eurogrupo, o seu alter-ego. Agora é preciso alguém que continue a manter e a disfarçar o contributo decisivo que o Ministério da Saúde tem dado para os 0,9 por cento de défice público em 2017, e para os 0,2 por cento esperados em 2018 (sem contar com as ajudas extraordinárias à banca).
Sobre a transição de Azeredo Lopes na Defesa, já tudo foi dito e escrito. E sobre a de Luís Filipe Castro Mendes na Cultura, quase nada há a dizer ou a escrever. A não ser que se tratava de duas boas pessoas, mas também de dois inadaptados, inconsequentes nas suas palavras e ações. Deles não restará sequer um rodapé na História.
Os furacões, esses sim, não deixam nada na mesma.
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