O odor da “camisola suja” e a nova roupagem do voto regional
Em Nampula, quando Paulo Vahanle tomou posse depois de vencer as intercalares de Março deste ano, ele foi sabotado. Em poucos dias ficou sem meios para recolha de lixo. Os camiões foram propositadamente avariados. A sociedade local não fez barulho. Juntou forças e ofereceu ajuda a Vahanle. O efeito da sabotagem tinha sido contornado. Mas o autor da “obra” foi bem identificado. Eram apaniguados da Frelimo. A intenção era mostrar que Vanhale era incapaz, o que podia favorecer o candidato da Frelimo, Amisse Cololo, ontem. O tiro saíu pela culatra. Empresários de Nampula forneceram os meios para que Vahanle garantisse pelo menos serviços mínimos. Isso aconteceu também com o respaldo do voluntarismo dos citadinos locais, que por vezes arregaçavam as mangas para varrer as ruelas das profundas muhalas da cidade. Era claro que o autor da obra tinha de ser bem penalizado. Ontem, Amisse Cololo, considerado localmente como um marioneta do poder central, foi copiosamente derrotado. Foi a Frelimo quem perdeu, mais do que a Renamo quem ganhou.
Muitos nampulenses dizem que jamais a Frelimo voltará a controlar Nampula. Porque é uma “camisola suja”. O odor dessa camisola tem várias cores. A cor imediata tem traços de uma identidade regional que se quer impor perante os ditames das elites centrais de Maputo. Os nampulenses se dizem cansados da Frelimo. Qualquer um que vista aquela camisola vai perder. Essa conotação se estende para Quelimane. Manuel de Aráujo é apenas a expressão de um desejo popular de manter a Frelimo fora do poder. Vários anos de marginalização e pobreza entram na equação dos eleitores. Em Nampula e Quelimane muitos não votam impulsionados pelo referente imediato da gestão autárquica. Votam para reclamar oportunidades de emprego. Há um batalhão de jovens marginalizados e sem esperança. Boa parte deles acabam rumando para Maputo e Matola, onde disputam entre si os lugares do comércio informal.
Centenas de jovens chegam todos os dias do centro e norte. Trazem consigo no coração a herança do chamado voto étnico e uma nova roupagem do voto regional. O cada vez melhor desempenho da Renamo em Maputo e Matola decorre, também, da existência de maiores franjas de cidadãos oriundos das províncias do centro e do norte originalmente identificadas com o maior partido da oposição. Há uma nova sociologia de voto regional em Moçambique com manifestações desse voto em eleições locais. É um fenómeno que dá uma boa hipótese de estudo mas que pode ser entendido também como um cartão vermelho ao desempenho do Governo central.
Na Matola, António Muchanga é um mero populista que soube capitalizar melhor os anseios dessa franja do eleitorado. Nos próximos anos, se o actual fluxo de migração norte/sul se mantiver, o drama da Frelimo será maior. O partido deve abandonar discursos falaciosos e mostrar serviço com urgência se quiser manter-se no poder em 2019. Coisas terríveis como a saga dos reassentados de Cassoca (em Tete, onde a Jindal tem uma mina de carvão) não podem voltar a acontecer. A gestão da indústria extractiva tem de promover o emprego para os jovens. Com o actual crescimento demográfico, a exigência é ainda maior. O foco no desenvolvimento económico dos distritos deve ser repensado. Armando Guebuza tinha uma visão clara sobre isso mas as acções foram feitas apenas para reforçar a influência local do partido e suas elites, marginalizando os que estavam fora desse perímetro. Em Nampula, agora que a Exxon Mobil vai arrancar suas operações de pesquisa é preciso garantir que parte da riqueza gerada fique nas mãos locais, sob pena de um desastre em 2019. Em Palma também. Opções desatrosas como a de se entregar à ENI italiana um bloco para liquefação flutuante no Rovuma sem impacto concreto na economia local devem ser evitadas.
Os eleitores penalizaram, pois, o Governo central. A crise económica gerada pela dívida oculta (e sua impunidade) teve boa quota parte nesta penalização. A Frelimo deve perceber que o legado da luta de libertação não conta na equação das novas gerações. Em Gaza, a oposição cresceu de forma notória. E cada vez mais a ideia de bastião da Frelimo está se diluindo. E em Maputo, a opção por um candidato na idade da reforma, o Dr Eneas Comiche, em detrimento de figuras mais jovens, como Samora Machel, foi claramente errada. Muitos jovens disseram que não votaram numa pessoa que devia estar a descansar. A juventude quer sangue novo. O desempenho de Augusta Maíta na Beira mostra isso. Aguerrida, enérgica, bem instruída, Augusta fez cair o mito de que a Beira é o tal bastião da oposição. A exclusão de Venâncio Mondlane por uma CNE e um Conselho Constitucional em frete partidário também mobilizou algum eleitorado contra a Frelimo. Em Tete, o desempenho da Renamo indica que a aposta em candidatos corruptos, como César de Carvalho, é chumbada até pelas cliques locais do partido. Estas eleições foram uma antecâmara para as legislativas de 2019. Filipe Nyusi (e a Frelimo) tem uma grande batata quente nas mãos. Sua camisola está ficando cada vez mais suja. Mas a Renamo também. Tem de se organizar melhor e não confiar apenas nesta onda favorável. Nem toda a “breaking wave” é seguida de uma outra.
Foto: Sérgio Manjate
Sem comentários:
Enviar um comentário