terça-feira, 19 de dezembro de 2017

A conversa da austeridade e a sua lógica


Para quem ainda tiver memória, certamente que deverá recordar-se que, logo após as manifestações de 1 e 2 de Setembro de 2010, para responder à revolta popular que colocou as cidades de Maputo e Matola literalmente em chamas, o Governo anunciou à pressa aquilo a que apelidou de “pacote de medidas de austeridade”, como forma de se solidarizar com os apertos a que a esmagadora maioria estava submetido e dar sinais de abandono da extravagância no meio da miséria geral.
E era Armando Guebuza o Presidente da República moçambicano.
Entre as tais medidas, pontificavam as seguintes: o congelamento das tarifas da água, luz e produtos alimentares básicos, congelamento do aumento dos salários e subsídios dos dirigentes do Estado, redução das viagens aéreas dentro e fora do país e redefinição do direito de uso da classe executiva pelos dirigentes públicos, corte nas ajudas de custo e nos subsídios para combustíveis, lubrificantes e comunicações.
O primeiro sinal de que aquelas medidas eram mesmo para boi dormir é que não houve um Orçamento Rectificativo ou qualquer outro mecanismo de controlo da sua execução ou de acompanhamento da sua implementação. Não se sabia quanto é que se pretendia poupar ou, por outra, a massa monetária que representavam todas aquelas rubricas que se pretendia rever em baixa ou suspender.
Foram apenas anunciadas no calor da aflição, para tentar apagar os pneus que estavam em chamas nas ruas e uma incerteza sobre se o esgotar da paciência podia sair das ruas e visitar os palácios reais onde se gastam os dinheiros que deviam prover serviços básicos e, com isso, a dignidade mínima para este povo martirizado. E como tudo não passou de uma operação cosmética, com o tempo as medidas morreram como nasceram: na falácia.
Toda a parafernália dirigente continuou a viajar em classe executiva e com os mesmos salários e subsídios.
Continuou o Estado a mimosear os seus dirigentes com viaturas de altura cilindrada e a pagar a manutenção dos mesmos, que inclui lubrificantes e mudança de peças. Em uma só palavra: tudo ficou na mesma.
Ninguém cuidou de se lembrar que, dias antes, havia um “pacote de medidas de austeridade” que havia sido aprovado e que ninguém cumpriu.
Há dias atrás, o mesmo Governo, e desta vez com outros dirigentes (alguns transitaram da orquestra passada), vem anunciar um novo “pacote de medidas de austeridade”, sem antes nos mostrar a execução das outras, porque o Governo é o mesmo.
Mas desta vez não houve manifestações.
Em plena época de crise, mais grave do que a do passado, e com o refrão para os outros apertarem os cintos, primeiro compraram um avião de luxo por cerca de 12 milhões de dólares e, a seguir, 45 viaturas de alta cilindrada, avaliadas em dois milhões de dólares. E, como bons samaritanos, vieram anunciar que há crise e que o mesmo Governo que comprou aviões e carros de estrelas de cinema quer contenção de custos. Uma autêntica contradição.
Desta vez, anunciaram as seguintes medidas: a fixação de um tecto nas taxas de arrendamento de imóveis para funcionários superiores do Estado, estabelecimento de um tecto (de 1300 centímetros cúbicos e máximo de 1500 centímetros cúbicos) em termos de cilindrada, fixação de um limite mínimo e máximo nos encargos com os combustíveis e comunicações, suspensão da compra de viaturas para alienação em benefício dos seus funcionários. E na questão das viaturas, que é a grande febre governamental, o ministro das Finanças, Maleiane, disse que o Governo vai adquiri viaturas que o povo considera aceitáveis, ou seja, o Governo, em si, ainda não tomou consciência, está a fazê-lo por aquilo que o povo considera razoável.
É como quem diz que, se dependesse do Governo, o razoável seria continuar com o banho de luxo.
Mas, seja como for, quem prestar atenção às medidas de 2010, verá que serão quase fielmente as mesmas, até no mais importante: que ninguém as vai cumprir e servem para entorpecer os incautos. Quem está ciente da crise, não elabora um Orçamento contendo todas as gorduras que agora se pretende cortar. As viaturas não serão adquiridas, porque já o foram, no pacote dos dois milhões. Quem está ciente da crise, não anda a comprar aviões. Aliás, o Orçamento, em si, foi concebido ignorando a tal crise à qual, agora, o Governo diz que quer fazer face. O objectivo mantém-se igual ao das primeiras medidas: ganhar tempo e embrutecer.
(CanalMoz / Canal de Moçambique)
CANALMOZ - 18.12.2017

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