Por ocasião da passagem dos 35 anos da Organização Nacional dos Professores, o domingo traz a história de um professor (dos tantos que há neste país) que quer mostrar como (ainda) pelo país se pode ser educador toda a vida, independentemente do meio, das condições, do tempo, da aparente (in) justiça sobre si, factos que nos convocam a uma reflexão quando nos propusemos a falar desse elemento cuja actividade é uma dívida permanente da sociedade.
Chama-se Venâncio Marizane Conrado. Era domingo, 24 de Julho de 2016. Um dia antes tínhamos ligado para o professor e pedimos-lhes que o queríamos na sua escola às 9.00 horas. Dito e feito, à hora indicada, estava lá, na companhia do seu filho, Marchante (em homenagem ao seu professor da Língua Portuguesa, quando se formava em 1981).
Estamos na aldeia Nhamatica, localidade de Gatibo, zona limítrofe entre o distrito de Moatize e Chiúta, do lado de Casula, província de Tete. O professor Venâncio momentaneamente fora à floresta subtrair uma árvore que desse para fazer um assento para pelo menos um dos seus hóspedes: três ramos e um tambo, artística e espontaneamente construído.
Deixa atrás de si alguns aldeões com quem confidencia o seguinte recado: “hão-de vir algumas pessoas que me querem visitar. Digam-nas que estou aqui perto, não desistam!” A seguir ei-lo, na companhia do filho acima referido, de 14 anos de idade.
Recorda-nos a sua história: saiu de Tete em 1981 para a formação, alguns meses na EFEP (Filipe Elidja Machava), na Rua de Resistência, em Maputo, e o resto do tempo de duração do curso (dois anos), na de Chibututuíne, distrito da Manhiça, onde se qualificou professor de Biologia para o então ensino secundário (quinta e sexta classes). Era do grupo que foi espalhar esse nível aos distritos do nosso país.
Com efeito, em 1984, é colocado para esse fim na sua província de origem, Tete, mais precisamente na Escola Secundária de Boroma, donde saiu transferido para o distrito de Angónia, em 1995.
Esteve na sede distrital (Ulóngué) até 2001, antes de no ano seguinte ter sido movimentado para Chitole (Cruzamento Calómué/Dómué). Em 2006, o professor Venâncio Marizane é transferido para Mpenha, 48 quilómetros de Ulónguè, ainda no distrito de Angónia.
Aqui acrescenta-se-lhe a Educação Cívica, para além de desempenhar as funções de adjunto-pedagógico da escola, à espera que em 2007 voltasse à sede do distrito, já para a Escola 25 de Maio, onde, inclusive, leccionou as turmas nocturnas da oitava e nona classes.
Em 2009 sofre uma pequena movimentação, dentro da vila de Ulóngué, pois foi colocado na EPC daquela autarquia, onde trabalhou até 2010, antes doutra, desta feita para o vizinho distrito de Moatize, precisamente em Cateme, para onde acabava de serem deslocadas, via reassentamento, as populações que ocupavam as zonas que depois se descobriram serem verdadeiros jazigos de carvão.
Foi naquela tensão que Venâncio Marizane ficou professor em Cateme, de agropecuária, disciplina para a qual não fora inicialmente formado, como é fácil de entender. Em adição, fica substituto do chefe do internato, pelo menos até 2012.
O professor Venâncio Marizane saiu de Cateme, outra vez transferido, já para a Escola Primária do Primeiro Grau de Nhamatica, há 45 quilómetros da cidade de Tete, pela N9, que leva aos distritos tetenses do noroeste, entre os quais Zumbo, Marávia, Macanga e Chiúta.
Em Nhamatica, como dissemos, vive tal igual a sociedade que serve: uma palhota feita pela população cujo interior divide com o seu director, duas salas de aula para as classes existentes, pedregulhos feitos bancos e troncos de árvores feitos mesas, ao lado duma comunidade que o agradece.
O nosso visitado esquiva-se às perguntas sobre como foi possível descer de nível a ponto de no ano passado e neste ser professor da primeira e quarta classes, numa aldeia que fornece apenas 104 alunos.
A este respeito convidou-nos a seguir a trajectória para nos munirmos de hipóteses que viabilizassem essa possibilidade, para depois concluir:
“Estamos aqui a trabalhar com o povo, tal como aprendemos nos tempos de Samora”, diz Venâncio Marizane, cujos pergaminhos revelam que à medida que o tempo passa se torna aparentemente cada vez menos valorizado pelo “sistema”, mas muito importante para a aldeia Nhamatica.
“O professor Venâncio aqui é quem nos está a abrir as cabeças. Ensina tanto as crianças assim como a nós adultos, sobretudo em relação à produção…”, diz o líder da aldeia, Crisóstomo Nota, que, por ocasião da nossa visita, chamou os seus súbditos mais directos para que contribuíssem para a nossa estadia com conversas sobre o seu professor e que soubéssemos qual é, afinal, a sua importância ali.
Nhamatica é nome de um riacho, outrora frequentado por muitas hienas (thicas, na língua Nyungué), daí a torrente ter sido conhecida como de muitos animais daquela espécie (de muitas hienas).
Chega-se a Nhamatica desviando em Gatibo, pela N302, de terra batida que leva a Cazula, pela qual, uma vez por semana, o professor Venâncio, há dois anos da reforma, percorre 4 quilómetros a pé, ao encontro da escola onde trabalha.
Situação do professor
é muito difícil de explicar
–Simões Sopa, director distrital de Educação e Desenvolvimento Humano
Na semana do professor, falámos com o director distrital de Educação e Desenvolvimento Humano, de Moatize, Simões Sopa, para entender a situação particular do professor Venâncio Marizane.
“O professor Venâncio tinha desaparecido do “Sistema” não se sabe como. Não há nada escrito que diga que estivesse sem trabalhar nem a trabalhar durante cerca de três anos. Quando ele se apresentou com esse problema tínhamos de colocar em algum sítio. Gatibo era o único lugar onde tínhamos uma vaga e ali encaminharam-no para a escola de Nhamatica”, disse Sopa contactado ao telefone, no passado dia 13 de Outubro.
Entretanto, de acordo com Simões Sopa, a avaliar pela história do professor, no próximo ano lectivo será movimentado para a sede da localidade, dado que se agenda a introdução dum nível equivalente às suas capacidades profissionais.
“Pessoalmente conheço bem o professor Venâncio, até porque fiquei alojado no centro internato da escola onde ele era professor durante o meu estágio na década 80. Vamos corrigir. Mas Nhamatica era o único lugar onde tínhamos uma vaga para que não ficasse sem fazer nada”, ajuntou o director distrital.
Texto de Pedro Nacuo
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