02.05.2016 às 8h00
Filipe Nyusi, presidente de Moçambique
ADRIEN BARBIER/ GETTY IMAGES
Instabilidade político-militar, aumento da dívida pública e emboscadas sangrentas tornam Moçambique imprevisível
Ao tomar posse em janeiro de 2015, o Presidente Filipe Nyusi emocionou os moçambicanos com o seu discurso e muitos disseram: “Agora temos um Presidente!”. Se se realizassem todas as suas promessas daquele dia Moçambique seria o “eldorado africano”, um país com “instituições inclusivas, não partidarizadas, imparciais”, ao serviço dos moçambicanos “sem olhar para a sua cor partidária”.
O Governo prometido por Nyusi seria “prático e pragmático”, “com a estrutura o mais simples possível, funcional e focado na resolução de problemas concretos” com base “na justiça e equidade social”, um Governo de “combate ao despesismo”.
Um ano depois, nenhuma das promessas foi sequer ensaiada e a esperança deu lugar à desilusão. Aquilo a que se assistiu nos últimos 12 meses foi à estratégia interna da Frelimo de “renovação na continuidade”.
Nyusi é um continuador da governação autoritária e clientelista de Armando Guebuza. Luís de Brito e Salvador Forquilha, investigadores do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), politólogos e docentes universitários, defenderam em artigos científicos que, a partir de 2002, com a ascensão de Armando Guebuza à presidência do partido, com maior vigor a partir de 2005, quando é eleito Presidente da República, assistiu-se a uma operação de “revitalização das estruturas partidárias” e passou a haver maior pressão sobre a administração pública, tal como após a independência.
Luís de Brito afirma que a esperança de uma nova era trazida por Nyusi aos moçambicanos não se concretizou. O discurso “foi ingénuo, de quem não era político de carreira”, nem estava habituado “à dinâmica partidária”.
Para os cidadãos, não há dúvida de que Moçambique está em guerra. Só não é assumido pelo Governo nem pela Frelimo. A guerra que estava circunscrita à região da Gorongosa, onde se encontra escondido o líder da Renamo, espalhou-se entretanto por quase todo o país com maior intensidade nas províncias de Sofala, Manica e Zambézia, onde as forças armadas da Renamo já ocuparam postos administrativos e localidades.
Esta semana, foi descoberta uma vala comum com mais de 100 corpos. Na terça-feira, quatro carros do exército foram queimados numa emboscada à entrada do posto administrativo de Chiramba, em Sofala, zona ocupada pelas forças da Renamo. Fontes militares confirmaram a morte de 120 militares.
O Presidente pode ter vontade de negociar e ceder às exigências de Afonso Dhlakama, mas não será fácil. A elite da Frelimo que lutou contra o colonialismo português nunca teve o líder da Renamo em consideração. Esta elite considera Dhlakama “um bandido” e quer agora a “desforra”.
A instabilidade político-militar foi agora reforçada pelas revelações referentes à dívida pública contraída à revelia da Assembleia da República e do Tribunal Administrativo. A sua causa, longe de estar totalmente esclarecida, desencadeou atribuições de culpa mútua.
O primeiro-ministro lamentou na quinta-feira que o Governo não tenha dado conhecimento ao FMI de dívidas contraídas fora das contas públicas e disse que os dados foram ocultados à Renamo por se tratar de assuntos de soberania e segurança do Estado. “Temos uma oposição na Assembleia da República que, de dia, faz parlamento e, de noite, ataques noutro sítio”, afirmou Carlos Agostinho do Rosário referindo-se à Renamo e ao conflito que assola a região centro do país entre as Forças de Defesa e Segurança e o braço armado do maior partido de oposição.
O chefe do Executivo justificou a atitude do Governo com o período que o país vive, “atípico e único no mundo”. Revelar “questões de soberania e segurança do Estado em condições atípicas como esta, é muito difícil”.
No mesmo dia, a Renamo acusou o Governo de mentir ao país e de tentar esconder um “golpe do baú” alegadamente dado pelo anterior Governo ao imputar à Renamo a responsabilidade pela não-divulgação de dívidas contraídas secretamente.
Tudo isto contribui para a degradação da qualidade de vida da população. Junte-se a suspensão do financiamento pelo Banco Mundial e pelo Reino Unido, a investigação supervisionada pelo FMI sobre a sustentabilidade do orçamento e a simultânea desvalorização do metical e uma consequência direta evidente é o aumento dos preços. As consequências indiretas, ou diferidas, serão a perda de poder de compra, a escassez de acesso a bens de primeira necessidade e o impacto sublinhado de fatores endémicos como a seca e estiagem. Nestes últimos dias, centenas de famílias foram obrigadas a abandonar as suas zonas de origem no centro do país à procura de comida, reporta o jornal “O País”. Há também milhares de pessoas em busca de segurança que abandonam Sofala e Manica.
OS “PEQUENOS DISTÚRBIOS” SÃO ENSURDECEDORES
O centro do país é também a zona mais afetada por aquilo que o Governo designa por “pequenos distúrbios”, substituindo assim a anterior expressão usada, “situação”. A atmosfera que se vive é pesada e extensas zonas do país estão militarizadas.
No espaço de uma semana, um quilo de cenouras num mercado do centro do país passou de 50 para 150 meticais (de €0,80 para €2,5). O fornecimento de bens essenciais é cada vez mais difícil em virtude do bloqueio da estrada nacional nº 1.
Já ninguém arrisca passar sem ser inserido numa coluna militar. A via atravessa o país de norte a sul e tornou-se imprevisível. Um tanque à frente e outro atrás dos camiões são agora os únicos garantes de passagem segura. É por isso que os condutores dos camiões têm de se sujeitar aos horários das colunas militares. Há uma às 9h, haverá uma outra à tarde... as filas estendem-se por quilómetros e os produtos que chegam ao seu destino têm os preços muito inflacionados.
Os autocarros de transporte de passageiros deixaram de arriscar a circulação e só quem não tem alternativa passa de carro nestas zonas. O medo instalou-se e as condições de vida deterioram-se, há cortes no fornecimento de energia elétrica e de água, conta ao Expresso uma fonte a viver há um ano na região central de Moçambique que esclarece: “Uma coisa são as províncias do centro e norte onde se vive a ‘situação’. Outra é a análise dos problemas feita em Maputo onde não se faz ideia do que é ter as prateleiras dos mercados vazias”, disse.
Texto publicado na edição do Expresso de 30/04/2016
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