Muito recentemente,
o meu Presidente,
Robert Mugabe,
proferiu um extraordinário
discurso no encerramento
da cimeira da União Africana
em Addis Abeba. Os presentes,
incluindo alguns dos seus pares,
ovacionaram-no com um entusiasmo
tal que demonstrava a
sua plena concordância com o
que estava a dizer. Não escutei o
discurso, e apenas obtive alguns
excertos através do Twitter. Não
me preocupei em o ouvir porque
depois de 36 anos no poder, já
ouvi tudo dele. Não há nada de
novo que ele vai dizer que nós no
Zimbabwe ainda não ouvimos. É
aquilo que se chama de um antigo
disco furado.
Olhem, o meu presidente é um
homem muito culto.
Ele possui vários graus académicos
— graus autênticos, e tenho de
mencionar isto porque o meu país
ganhou nos últimos anos a notoriedade
de políticos que adquirem
graus académicos baratos a partir
de universidades de uma dúbia reputação.
Os diplomas de Mugabe
são verdadeiros. Ele obteve-os na
cadeia, onde se encontrava encarcerado
pelo regime colonial.
Mas ele tem também o dom da
oratória e da eloquência. É um
grande orador, e quando eu era
jovem, admirava a sua presença
no pódio. Costumava recolher os
seus discursos, sempre que fossem
publicados. A linguagem e a sua
transmissão eram perfeitas. Mas
o mais importante é que o que
ele dizia fazia sentido. Como um
rapaz jovem nos anos 80 e 90, a
maior parte dos seus discursos faziam
sentido para mim.
Na 12ª classe, quando tive de escrever
o meu exame de redacção
geral sobre alguém que me inspirava,
escolhi o Presidente Mugabe.
Admirava-o tanto. Anos mais
tarde, e à medida que fui crescendo,
comecei a saber mais do meu
herói. Sim, ele fez grandes coisas,
mas havia também o lado sinistro
que durante muito tempo nos foi
escondido. Quebrou o meu cora-
ção ler sobre o que havia acontecido
a pessoas inocentes — incluindo
mulheres e crianças — em
Matabeleland e Midlands durante
a década de 1980, um capítulo
negro na história do Zimbabwe,
hoje universalmente conhecido
por Gukurahundi. Ele próprio reconheceu
esse período como “um
momento de loucura”.
Mas compreendo porque é que
alguns o aplaudiram em Addis
Abeba e o consideram um ícone.
Ele fala a linguagem de África.
É arrojado na sua defesa de um
continente que é muitas vezes
marginalizado das questões mais
importantes do mundo. Ele aborda
assuntos que poucos líderes
africanos, se é que há alguns, têm
a coragem de trazer à ribalta. Ele
é da velha escola, uma recordação
do grupo dos primeiros líderes
africanos que conduziram os seus
países à independência. Ele diz o
que pensa. Ele tem a ousadia de
dizer publicamente o que muitos
líderes africanos diriam diplomaticamente
e em privado. Alguns
de vós desejariam que os vossos
presidentes fossem também tão
ousados e corajosos. Mas isso é
assim porque provavelmente vocês
não têm de suportar o preço do
seu comportamento. Nós, como
zimbabweanos, sabemos o que
nos custa.
E mais, o meu Presidente e os que
o rodeiam não têm de enfrentar
tais consequências ou porque estão
insulados pelo conforto dos
seus gabinetes ou porque têm alternativas.
Como podemos ver, se
não podem ter acesso a serviços de
saúde de qualidade no Ocidente,
eles podem sempre se socorrer do
Extremo Oriente. O destino predileto
do meu Presidente para esses
fins é a Singapura.
Membros do seu grupo restrito
passam as suas longas férias no esplendor
e luxo de Dubai, não importa
que milhões de zimbabweanos
poderão vir a passar fome por
causa da seca e como resultado da
má planificação por parte do governo.
Não importa também que
tenhamos excelentes destinos turísticos
ao nível interno, mas que
sofrem da falta de uso por parte da
nossa elite. Os nossos líderes preferem
o estrangeiro. Não Victoria
Falls. Não Kariba. Mesmo Nyanga,
apesar de serem locais bonitos.
O seu dinheiro é gasto em outras
latitudes.
A dado momento, tivemos um
Querida África: Aos admiradores do meu
Presidente
Por Alex Magaisa*
sistema de ensino de qualidade
superior — de classe mundial,
atrevo-me a acrescentar — mas
que é agora a sombra do seu passado
de glória. Os políticos da
Zanu-PF já nem podem confiar
o nosso sistema de educação para
os seus próprios filhos e, como tal,
os mandam estudar em universidades
na África do Sul ou outros
países. Mas imagino que isto não
é pouco comum, porque os vossos
presidentes, ministros e funcionários
públicos provavelmente
também fazem o mesmo, e talvez
até pior. Talvez chamemos disto a
maldição de África, onde aqueles
que têm a responsabilidade de
velar pelo bom funcionamento
dos serviços públicos não confiam
nos serviços públicos que disponibilizam
para todos os outros.
Portanto, quando oiço os nossos
presidentes — os vossos e o meu
— a falarem de “soluções africanas
para os problemas africanos”,
não tenho outra alternativa senão
soltar uma gargalhada. Rio-me
porque sei que eles nem mesmo
acreditam que os países africanos
que lideram e dizem tanto amar
têm soluções para as suas próprias
necessidades e prazeres. Já me encontrei
com africanos que guardam
uma reverência excepcional
sobre o meu Presidente e, como já
o disse, compreendo porquê.
Têm uma grande admiração pelos
seus discursos, tal como eu me
fascinava quando ainda era jovem.
O que eles vêem como bravura,
muitos zimbabweanos que conhe-
ço consideram como uma extraordinária
falta de responsabilidade
e de respeito pelos outros. Como
disse, a diferença é que os africanos
que o admiram não têm de viver
com as consequências dos seus
actos. Os zimbabweanos não têm
alternativa, e posso garantir que
não estão satisfeitos com o sofrimento
por que passam como consequência
da sua má governação.
É por isso que um amigo disse ontem
no Twitter: “podem ficar com
ele, se tanto o admiram. Para sempre.
Nós já o aturamos durante
35 anos!” “Com uma única condição”,
eu acrescentei. “Desde que
saibam que não aceitamos devolu-
ções”. Um outro amigo acrescentou:
“Ele pode ficar lá em Addis
Abeba, que depois lhe mandamos
a roupa e o dinheiro de bolso”.
Tudo na brincadeira, é claro, porque
esta é a forma que nós os zimbabweanos
encontramos para lidar
com a nossa situação. Temos de
ter um grande sentido de humor.
Ajuda-nos a carregar o fardo que
temos pelas costas. Mas debaixo
de todo esse humor reflecte-se
uma situação muito séria sobre as
frustrações em que vivem milhões
de zimbabweanos. Nós, incluindo
alguns dos que nutrem simpatias
por ele, sabemos que ele está lá há
muito tempo, e que nada de novo
irá acontecer como resultado da
sua liderança para alterar a nossa
sorte. Estamos todos num modo
de espera.
Portanto o semanário estatal, o
Sunday Mail, diz que o Presidente
Mugabe estava “no seu melhor
impecável e sem igual”, a dar uma
grande chicota às Nações Unidas
por estarem a marginalizar África
e resistir à reforma do Conselho
de Segurança. Falou em nome da
Palestina, e vigorosamente sobre a
identidade e integridade africanas.
Falou da humanidade, dizendo
ao Secretário-Geral das Nações
Unidas para recordar as potências
ocidentais de que “nós também
somos seres humanos e não fantasmas”.
Tudo sonante e, em grande medida,
sensato porque o mundo está
actualmente desequilibrado. Toca
nos assuntos, tais como a identidade
negra e a auto-estima, que
ganham ressonância entre muitos
africanos e fazem dele um herói;
um homem destemido que defende
os interesses do seu povo e
possui coragem de tocar em temas
que outros nunca se atreveriam a
tocar.
Mas depois ameaça abandonar as
Nações Unidas. Isto pode vos ter
surpreendido, mas a nós, os zimbabweanos,
não. No Zimbabwe
estamos muito habituados a esta
abordagem do nosso Presidente.
Lá na aldeia, diriam de um homem
como ele, “ane chiramwa”
— um homem que se irrita com
muita facilidade, se desliga e abandona
qualquer situação quando
não consegue impor a sua vontade.
É algo bastante profundo na personalidade
de Mugabe. Um dos
seus familiares, James Chikerema
(já falecido), contou uma vez uma
anedota reveladora sobre o carácter
do homem.
Disse que quando ainda eram jovens
pastando gado na sua aldeia,
o jovem Robert era capaz de ir
pastar o seu gado distante dos outros
rapazes, caso surgisse algum
desentendimento e ele não pudesse
se impor. Mais tarde na vida,
quando o Zimbabwe corria o risco
de ser suspenso da Commonwealth,
Mugabe decidiu antecipar-se e
abandonar a organização em defi-
nitivo. Em 2013, pouco antes das
eleições, quando confrontado com
as exigências da SADC para a
introdução de reformas eleitorais
antes das eleições, a resposta de
Mugabe foi de ameaçar abandonar
esta organização regional.
Portanto, não: não estamos surpreendidos
que tenha feito esta
ameaça, de que os países africanos
poderão abandonar as Nações
Unidas se não conseguirem alcan-
çar os seus objectivos. Para não falar
de que as agências das Nações
Unidas — UNICEF, UNESCO,
UNDP e outras — têm estado
a desempenhar um papel crítico
nos últimos anos, amortecendo
o sofrimento dos pobres no seu
próprio país, enquanto os do topo
vivem no luxo. Noutros países, os
líderes não tomam decisões unilaterais
de abandonar organizações
internacionais de que são membros.
Eles colocam essa decisão
nas mãos do povo, através de um
referendo. Mas não é assim com
o meu Presidente. Se ele não está
satisfeito, ele abandona — não
importa o que o povo que ele governa
pensa.
Há também alguma ironia nas
suas exigências sobre reformas e
na ameaça de abandonar as Na-
ções Unidas. No Zimbabwe, partidos
da oposição e a sociedade
civil há anos que têm estado a
exigir que sejam introduzidas
reformas políticas, mas o meu Presidente não está preocupado.
Ele parece pensar que elas são um
incômodo que não deve merecer
a sua atenção. Ele não se apercebe
de que os apelos que faz em
relação à necessidade de reforma
no sistema das Nações Unidas
não diferem dos apelos dos seus
compatriotas em casa sobre a necessidade
de reformas no sistema
eleitoral, reformas no sector da
segurança, etc. Com toda a razão,
ele quer reformas no Conselho
de Segurança das Nações Unidas,
mas não está interessado em introduzir
reformas eleitorais e no
sistema de segurança no seu pró-
prio país.
Seria bom, se as palavras correspondessem
com a realidade no
seu próprio reduto. O problema é
que o Mugabe que anda pomposo
na arena internacional é de certo
modo diferente do Mugabe que
conhecemos no nosso país. Aqui
vai um breve relato do que tem
estado a acontecer em Harare, perante
os seus próprios olhos:
Há duas semanas, as autoridades
mandaram máquinas de destronca
para destruir casas numa zona
residencial. Casas grandes e bonitas,
construídas durante meses
e talvez anos, foram arrasadas
e transformadas em escombros
numa questão de minutos. Não
estamos aqui a falar de casas de
construção precária, mas sim de
verdadeiras casas de alvenaria.
As autoridades disseram que as
casas eram ilegais, muito embora
não tenha sido realizada qualquer
investigação para se saber exactamente
como é que aquelas pessoas
acabaram investindo os seus
parcos recursos (e no Zimbabwe é
mesmo isso; parcos recursos).
Agora, depois da destruição das
suas casas, ficou-se a saber que estas
pessoas foram levadas a acreditar
que estavam devidamente
autorizadas a construir. Uma casa
não se constrói num único dia.
Leva meses, por vezes até anos,
para concluir o tipo de constru-
ções que foram insensivelmente
destruídas.
Requer vários processos e autorizações
para conseguir a autoriza-
ção para a instalação de serviços
tais como água e electricidade. E
os proprietários tinham na sua
posse todos estes documentos.
Eles pagaram para isso. As autoridades
municipais e o governo
teriam tido conhecimento do que
estava a acontecer, e poderiam ter
travado as construções se de facto
se tratasse de obras ilegais. Mas
não o fizeram.
No ano passado, o Presidente
Mugabe queixou-se sobre estas
propriedades. Não gostou delas,
e tornou isso claro para os seus
ministros. As construções feriam
a vista e constituíam um embaraço
aos visitantes da cidade porque
estavam situadas ao longo da
estrada para o aeroporto, disse o
Presidente. Meses depois, as má-
quinas escavadoras chegaram e as
casas foram demolidas. Não houve
ordens judiciais, como requer a
lei. As equipas de demolição simplesmente
se fizeram ao local e reduziram
edifícios firmes a escombros.
Estamos no meio do verão, e
está a chover. Mulheres e crianças
foram deixadas ao relento. Mas
quem se preocupa com isso? Parece
uma cena da renomada novela
de No Violet, um grupo teatral
baseado em Bulawayo, intitulada
“We Need New Names” (Precisamos
de Novos Nomes), com a excepção
de que estas não são casas
construídas de material precário.
É um caso onde se pode dizer, nas
palavras do escritor Oscar Wilde,
que a vida imita a arte.
Tudo isto aconteceu pouco antes
do Presidente regressar das suas
pródigas férias em Dubai. No seu
regresso, ele não disse absolutamente
nada sobre as insensíveis
demolições. Depois partiu para
Addis Abeba para proceder à entrega
das insígnias da sua presidência
da União Africana, por si
um raro evento na sua longa carreira
política.
Em Addis Abeba, fez um discurso
extraordinário, ovacionado de
pé, à medida que ia pontificando
sobre direitos humanos e justiça
no mundo; enquanto desafiava o
injusto sistema internacional que
favorece os grandes e penaliza as
pequenas nações. A ironia, dados
os acontecimentos no seu próprio
país, deve se ter escapado dele.
Os presentes lhe ovacionaram,
mas não teriam sabido nada sobre
as mulheres e crianças em Harare
que dormem ao relento, expostas
a todo o tipo de intempéries,
simplesmente porque o seu governo
decidiu, no auge do verão
e da época chuvosa, que as suas
casas eram um espinho no olho;
que eram construções ilegais, e
como tal tinham de ser destruí-
das. O mesmo homem que tenta
dar lições de humanismo e sobre a
dignidade africana ao mundo não
tem qualquer desfalecimento em
destruir casas e tirar aos seus habitantes,
simples africanos, o único
elemento de dignidade que ainda
lhes resta. O governo de Mugabe
faz tudo isto em nome da lei
e ordem, em nome de regras, sem
compaixão e sem a aplicação do
mínimo de senso comum. A ironia
de tudo isto escapa à atenção
do nosso governo.
A arrogância e hipocrisia são
contagiosas. O ministro da administração
territorial, sob tutela
de quem as demolições foram
feitas, enviou uma mensagem na
sua conta de Twitter a convidar os
“patriotas” a irem ao aeroporto em
grande número para dar as boas
vindas à casa, como homenagem
ao “icónico líder” e “herói”.
Estas foram as suas palavras. Queria
que a população oferecesse a
Mugabe as boas vindas no regresso
da sua viagem a Addis Abeba.
Não importa que haja mulheres
e crianças que já não têm abrigo,
porque o governo dirigido pelo
seu “ícone” e “herói” decidiu que
as suas casas deveriam ser demolidas
na época chuvosa.
Quando estiver a ser transportado
para a sua casa do outro lado
da cidade, no meio da sua longa
escolta, a estrada passa pelo meio
das casas já demolidas. Dos vidros
fumados da sua limusine, ele poderá
notar a ausência das casas.
Poderá até acenar a cabeça em
sinal de concordância, reconhecendo
que os ministros agiram em
resposta à sua desaprovação.
Não imagino como é que todos
eles conseguem dormir à noite,
mas suponho que tenham casas
grandes com muitos quartos.
Quartos grandes, camas grandes
e confortáveis, que não permitem
que tenham de se preocupar com
seja o que for. Irão provavelmente
gozar na fortuna da glória do
discurso de Addis Abeba, e dizer
que o seu chefe, mais uma vez,
mostrou ao mundo e aos seus detractores
o quão importante ele é
e vale.
Alguns africanos dirão, uma vez
mais, o quão sortudo o continente
é por ter um líder tão visionário
como este. Mas tentem saber o
que pensam os homens, mulheres
e crianças que estão a dormir
ao ar livre, simplesmente porque
o governo zimbabweano decidiu
deliberadamente destruir as suas
casas.
*Jurista zimbabweano residente na
Diáspora.
O jornal SAVANA confirmando a minha "expulsão" do MAGAZINE devido a críticas que faço ao regime da Frelimo.
Nossos democratas! Nossos amigos! Eles não gostam de ouvir opiniões contrárias à sua linha correcta que está a conduzir o país para mais uma guerra perfeitamente evitável.
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