sábado, 13 de fevereiro de 2016

O ultimato de Março

O Presidente Filipe Nyusi aproveitou a ocasião do seu 57º aniversário para dissipar dúvidas quanto ao seu empenho (e até capacidade) em encontrar meios que permitam a continuação das negociações com a Renamo, para pôr fim ao actual conflito que esta formação política tem com o governo. Em declarações públicas, Nyusi mostrou que não havia mais nada de importante que ocupasse a sua cabeça do que encontrar uma saída para a situação em que o país se encontra actualmente. Em nenhum outro momento esta mensagem se tornou mais enfática do que quando ele se encontrou com as altas chefias militares, da polícia e da segurança, uma ocasião que terá também servido para reafirmar o seu estatuto de Comandante-em-Chefe, e de que todas as forças uniformizadas submetem obediência ao poder civil. Falando sobre o seu encontro com Nicholas Hurd, ministro britânico para a África, Nyusi revelou que 60 por cento das suas discussões tinham se centrado sobre a questão da estabilidade em Moçambique. Informou ainda que depois do referido encontro, o governante britânico iria tentar estar em linha telefónica com Afonso Dhlakama. Esperemos que o tenha conseguido. A imperiosidade de se devolver a estabilidade política e militar a Moçambique já não precisa mais de ser enfatizada. Nyusi disse que não precisa de entrar em detalhes sobre o que o seu governo tem estado fazer em relação à questão de pacificação do país. E nisso pode estar coberto de razão; a publicidade pode ter o efeito de perturbar o bom andamento do processo negocial. Mas é importante que nestas negociações tudo seja feito para evitar que mesmo depois de se ter alcançado um acordo, a crise volte a repetir-se no futuro. E isto não se consegue apenas com garantias jurídicas, aliás, como a actual situação bem testemunha. As garantias que são necessárias devem ser específicas e realistas. Ou seja, elas devem tomar em conta as causas do conflito, e encontrar a melhor forma de se ir de encontro com elas. No acordo de 1992 acreditou-se que a questão fundamental era a introdução de um quadro político que permitisse a participação de todos os moçambicanos através do multipartidarismo. Quanto à Renamo, esperava-se que ela iria conseguir transformar-se de um grupo armado para uma formação política com todos os predicados inerentes a esse estatuto, participando em eleições e com a possibilidade de poder constituir governo. Contudo, a verdade é que nada disto aconteceu. O multipartidarismo faz parte do sistema político moçambicano, mas a Renamo nunca conseguiu pela via eleitoral atingir o poder, alegando, desde 1994, mesmo sem provas consistentes, que as suas hipotéticas vitórias eleitorais lhe foram roubadas pela Frelimo. Não parece também que tenha conseguido transformar-se num partido político no verdadeiro sentido do termo, com um alinhamento ideológico claramente definido, para além da retórica de Dhlakama de que se trata de um partido da direita, em contraposição com a esquerda que a Frelimo representa. Uma análise política apurada colocaria a Frelimo como um partido de direita, profundamente enraizado numa ideologia feudo-capitalista. Sem nunca ter conseguido alcançar o poder, a Renamo nunca beneficiou do espólio da guerra que moveu contra o governo durante 16 anos. E está convencida, agora mais do que nunca, que não será pela via do plesbicito que chegará ao poder. Face a esta situação, a melhor estratégia é forçar uma acomodação, recorrendo às armas que sempre manteve em seu poder para alcançar esse objectivo. Tendo fracassado nos seus esforços de obrigar a Assembleia da República a alterar a Constituição para permitir que governe as seis províncias onde diz ter obtido a maioria, a Renamo parece estar agora determinada a empurrar o governo para uma confrontação armada aberta. Parece ser uma estratégia de suicídio, mas que a Renamo e o seu líder acreditam firmemente que irá funcionar. Será que a Frelimo estará preparada a ceder, oferecendo alguns lugares no governo à Renamo e por essa via evitar um possível banho de sangue? Todos os dados indicam que não. Veremos em Março, quando o mais recente ultimato da Renamo chegar ao fim. 

N um momento em que a situação político-militar no país se degrada de dia para dia assistimos agora, sem saber se rir ou chorar, à guerra das palavras. Pensemos, por exemplo, na expressão “refugiados de guerra”, que tem vindo a ser usada, internacionalmente, para designar os 4 a 5 milhares de moçambicanos que estão em campos no Malawi. Ora as nossas autoridades afirmam que o país está em Paz, que não há guerra nenhuma dentro das nossas fronteiras. E, não havendo guerra, não pode haver refugiados de guerra, como é óbvio. Pelo contrário, se houver refugiados de guerra, isso significa que, gostemos disso ou não, em Moçambique há uma guerra. Dentro deste espírito, Filipe Nyusi afirmou, recentemente, que esses moçambicanos estão no Malawi como sempre estiveram, em negócios, visitando a família ou até fa￾zendo turismo (cito de me￾mória), dado que a ausência de uma fronteira física faci￾lita esse tipo de contactos. Há dias o correspondente da Rádio Moçambique no Malawi entrevistou um res￾ponsável moçambicano da área dos refugiados que ga￾rantiu, a pés juntos, que não há refugiados de guerra no Malawi, apenas deslocados. Como o jornalista não achou importante perguntar-lhe o que terá feito deslocar-se es￾ses milhares de pessoas para fora do país, ele não se viu obrigado a explicar. De resto o correspondente da Rádio no Malawi parece ainda não ter sentido a necessidade de ir ao local onde essas pessoas estão para saber, em primei￾ra mão, as razões. De resto, se não estamos em guerra neste momento, não vai demorar a estar￾mos, infelizmente. E isto pela simples razão de que Filipe Nyusi, cheio de von￾tade de dialogar, não sabe com quem. Estando Afonso Dhlakama em parte incerta sabe-se lá com quem se pode falar na Renamo? Estranho é que os assassinos (Quem os terá enviado?) parecem melhor informa￾dos que Nyusi. Não poden￾do atingir o Presidente da Renamo atiraram contra o Secretário Geral, seguindo a lógica ordem hierárquica. Preocupante quando os as￾sassinos estão melhor infor￾mados que o Comandante em Chefe das Forças de De￾fesa e Segurança... Como digo mais acima não sei se estas coisas dão para rir ou para chorar mas, com vidas humanas envolvidas em sofrimento e morte, inclino-me mais para o se￾gundo caso

Nasce este artigo da reflexão em volta da conformidade ou não com a constituição, de normas do Código de Processo Penal atinentes ao regime jurídico sobre interposição e admis￾sibilidade de recurso nos processos sumários e de polícia correccional, reflexão corporizada em artigo inse￾rido na edição do Jornal SAVANA de 29 de Janeiro de 2016 cujo título é “Breve reflexão sobre a inconstitu￾cionalidade de normas do Código de Processo Penal”. No essencial expende o articulista que os artigos 540, 561 e 651 do Có- digo de Processo Penal que fixam o regime jurídico atinente à interposi- ção e admissibilidade do recurso em processo sumário e de polícia cor￾reccional, são inconstitucionais por violarem o disposto nos artigos 62 e 70 da Constituição da República. Para sustentar tal conclusão, o ilustre articulista defende que assim se deve entender porque tais normas limitam o exercício do direito fundamental à defesa e ao acesso à justiça, e ainda, que desrespeitam a garantia da ampla defesa no processo penal, sem que, no entender do articulista, se perceba o que se pretende salvaguardar com o conteúdo de tais normas. Trata-se de uma opinião jurídica com a qual não podemos obvia￾mente estar de acordo. Embora sem qualquer desprimor, a abordagem do ilustre articulista, nos termos em que se mostra feita, não podia conduzir à diversa solução, isto é, não podia o autor chegar à conclusão diversa da que chegou, a de que são inconsti￾tucionais tais normas, se se tomar em conta que a abordagem padece, a nosso ver, e antes das questões de fundo, de dois grandes problemas de método que reduzem a abordagem ou reflexão a um notório erro de jul￾gamento. O primeiro problema é de método de abordagem da questão. Neste ponto deve dizer-se, e isto pode mesmo concluir-se a partir da estrutura do texto, que o articulista, ao fazer sua análise ou ajuizamento, parte da nor￾ma ordinária para terminar na norma constitucional. Trata-se de um erro comum entre ju￾ristas, o de ler a constituição em fun- ção das leis ordinárias e não as leis ordinárias em função da constituição, isto quando pretendem aferir a con￾formidade de uma norma ou normas com a constituição, razão pela qual não se encontra no artigo em crise nenhuma discussão ou elaboração em volta das disposições constitu￾cionais relevante para a análise, nes￾te caso, os artigos 62 e 70 da CRM, senão a mera transcrição ou citação das normas. É pois, um erro com consequências perniciosas sob ponto de vista técni￾co-jurídico como se pode ver da con￾clusão, a nosso ver apressada, a que chega o articulista. Em bom rigor, neste domínio, o juízo de aferição sobre conformidade ou não de uma norma com a constituição deve partir Sobre a inconstitucionalidade de normas do Código de Processo Penal Por João Guilherme 1 da constituição, para a lei ordinária e terminar na própria constituição, porque como é recorrente dizer-se, não é constituição que se move na esteira da lei ordinária, mas a lei or￾dinária que se deve moldar à consti￾tuição, pelo que tendo sido invertida esta lógica hermenêutica primária, abordagem não pode deixar de ser defeituosa. O segundo problema, que não é de somenos importância, sendo tam￾bém de método, situa-se já no do￾mínio próprio da metódica sobre a interpretação e fixação do sentido e alcance das normas constitucionais em face de um caso concreto. Neste ponto se vislumbra que não discorre o articulista sobre qual a norma ou possíveis normas que se podem reti￾rar do texto ou se se quiser, do ele￾mento gráfico das normas dos artigos 62 e 70 da CRM, sendo essa opera- ção uma exigência técnico-jurídica essencial no domínio da fixação do sentido e alcance das normas jurídi￾cas em geral e no domínio da metó- dica constitucional em particular. O mesmo ajuizamento não se faz em volta das próprias normas ordinárias relevantes para a reflexão, o que é inadmissível sob ponto de vista téc￾nico-jurídico. A consequência natural deste segun￾do problema é a impossibilidade de perceber-se, pelo menos com total alcance, a conclusão a que chega o articulista quando afirma que as três normas do código de processo penal são inconstitucionais na medida em que limitam o exercício do direito a defesa e o acesso à justiça, já que não pôde demonstrar o mesmo autor qual é o sentido e alcance das nor￾mas constitucionais ou mesmo das ordinárias relevantes para a análise do caso. Isto é, não esclarece o articu￾lista o alcance do direito fundamen￾tal de acesso à justiça e ao direito ou o alcance do direito fundamental a ampla defesa ou a um processo justo e equitativo, o que lhe permitiria, se tivesse procedido a tal operação, de￾monstrar com mais clareza se o âm￾bito e alcance dessas normas é ou não compatível com limitações, restrições ou condicionamento do direito ao recurso enquanto garantia funda￾mental do réu no processo penal, já que o carácter fundamental do direi￾to, por si só, mesmo porque assim o prevê a constituição, artigo 56 n.˚2, não importa necessária ou automati￾camente a não restrição, limitação ou condicionamento do seu exercício. Dito de outro modo, não basta di￾zer que as normas em causa violam a constituição porque ou porque restringem, retiram, ou porque con￾dicionam este ou aquele direito, é preciso demonstrar qual o sentido e alcance das normas constitucionais relevantes, isto é, qual a norma que se retira por detrás do texto ou grafia respectiva, e também por detrás das próprias normas ordinárias, só depois concluindo-se pela nocividade ou não das normas ordinárias efectuado que for o confronto do produto saído desse que é um exercício exegético, lançados os depoimentos para acta, isto porque nenhum dos intervenientes processuais declarou não prescindir do recurso (é nosso o sublinhado), o juiz terá de memorizar ou tomar nota de tudo quanto é dito no julgamento e que achar relevante para fazer a sen￾tença, sem ajuda e conhecimento sobre tais notas dos demais intervenientes do julgamento, havendo assim espaço para o juiz ferir o princípio da veracidade deturpando o que foi dito no julgamen￾to de relevante, uma vez ter certeza de que não haverá recurso que possa anular a sua decisão, já que no final sentença é proferida com natureza de decisão transitada em julgado e irrecorrível, senão através de revisão extraordiná- ria da sentença, ainda que a mesma seja injusta ou contrária a lei (o itálico é do articulista). Daí conclui o mesmo ar￾ticulista que a norma que condiciona o direito ao recurso a declaração pré- via de não prescindir do mesmo seja contrário à constituição. Sem prejuízo para algum mérito que uma opinião contrária e fundamen￾tada pode neste argumento surpre￾ender, vemos que há aqui um acumu￾lado de equívocos e contradições. Primeiro, porque em bom rigor, o juiz não carece de ajuda de nenhuma das partes para tomar notas durante a audiência de discussão e julgamento, prescinda-se ou não do recurso, seja numa ou noutra forma do processo, mais ou menos solene, e nem depois de tomar dessas notas está obrigado a dá-las a conhecer aos demais in￾tervenientes processuais, que afinal, porque estarão presentes (e devem estar), estão livre de tomar suas notas e influir na decisão final, no forma￾to dos poderes que a quadratura do processo penal, tal como se mostra desenhada, lhes permite intervir e in- fluenciar na formação da decisão da causa. O juiz está apenas obrigado a produzir a prova legal suficiente para decidir de forma segura e portanto, conscienciosa, optando na aplicação do direito pela solução mais plausível em direito aplicável ao caso e ape￾nas a isso, tudo no quadro dos factos apurados e demonstrados no decurso da audiência de discussão e julga￾mento. Isto importa, dependendo de terem os intervenientes processuais prescindindo ou não do recurso, o dever de o juiz de ditar para a acta os depoimentos prestados durante a au￾diência, o que mesmo pode ser pelos próprios intervenientes. Segundo, porque tal como se mostra desenhado o figurino do processo penal pátrio, inexiste possibilidade de o juiz proferir uma decisão com a certeza de que ela fará em defini￾tivo coisa julgada, já que se não for admissível o recurso ordinário, como no caso de as partes não declarem que dele não prescindem, em caso de uma situação como aquela a que alude o articulista, haverá sempre possibilidade de recurso extraor￾dinário, pelo que o temor ou medo do articulista, argumento de fundo, não tem razão de ser vez que o di￾reito de recurso enquanto garantia fundamental estará sempre assegu￾rado ao réu. De todo o modo, não é a possibilidade de juiz ou qualquer interveniente processual poder ma￾nipular ou manietar a lei que tornam essa lei inconstitucional, mas apenas a desconformidade da norma com os valores e ditames constitucionais. Para a actuação anómala dos juízes ou restantes intervenientes processu￾ais a lei previu sanções próprias quer a nível do próprio processo, a nível disciplinar ou criminal. Terceiro, porque das normas em cau￾sa, após uma operação interpretati￾va orientada a fixar-lhes o sentido e alcance, não resulta amputação do direito fundamental ao recurso. As normas em causa não proíbem o réu de recorrer da sentença. Apenas con￾dicionam o exercício desse direito à prática de um acto (declaração de que não prescinde do recurso e in￾terposição imediata do mesmo após proferição da sentença) actos depen￾dentes da vontade do próprio réu, e não de qualquer outro interveniente, factor ou situação que esteja fora do domínio processual dos poderes do próprio réu. Assiste ao réu o direito de recorrer da sentença desde que declare antes do início do interrogatório que não prescinde do recurso e o interponha logo a seguir a proferição da senten- ça, donde o réu pode até não pres￾cindir do recurso e ainda assim não recorrer da decisão proferida que se mostrar a sentença ou interpô-lo de imediato, portanto, tempestivamen￾te, no entanto, do mesmo desistir. Houve apenas um condicionamento quanto ao requisito para interposi- ção, em termos de definir-se qual a condição para o réu interpor recurso e ainda na perspectiva temporária, no sentido de que foi reduzido o prazo para interposição, se se comparar por exemplo em relação ao processo de querela que é a forma mais solene de processo na província do direito penal. Essa norma, dado que o poder de de￾cisão sobre a recorribilidade ou não da sentença, está na plena disposição do réu, não nos parece que seja in￾compatível com o direito reconheci￾do aos cidadãos de aceder à justiça e ao direito ou de recorrerem aos tri￾bunais como se expende na reflexão do articulista. Por força daqueles dois direitos fundamentais, e como bem tem vindo a expender o nosso Ve￾nerando Conselho Constitucional, o Estado fica obrigado a criar condi- ções para que os cidadãos possam ter acesso ao direito e à justiça e, portan￾to, aos tribunais (obrigação positiva ou competência positiva) e também, fica o mesmo Estado proibido de co￾locar óbices ao exercício de tais di￾reitos, incluindo por via de produção legislativa (obrigação de conteúdo negativo ou competência negativa)3 , o que não nos parece ser o caso das normas dos artigos do Código de Processo Penal ora em debate na re- flexão do articulista. Mas também não são, ou pelo me￾nos não nos parecem incompatíveis tais normas, as do código de proces￾so penal indicadas no artigo, com o direito fundamental a ampla defesa e muito menos com a presunção da inocência, como também de forma sedutora, porém, menos convincente, pretende o articulista. Como é bem sabido, o moderno direito do proces￾so seja ele penal, civil administrativo ou de qualquer outra província do direito, alimentas–se do chamado princípio do contraditório e da am￾pla defesa, uma garantia fundamen￾tal porque constitucional, que no essencial proíbe que qualquer pessoa possa suportar a decisão proferida no final de um processo, neste caso judicial, em que não tenha tido opor￾tunidade de intervir e por isso, influir na formação da decisão nos termos legalmente previstos. Já o da presun- ção da inocência, direito de todo o acusado em processo criminal, tam￾bém com estatura constitucional, re￾comenda que só uma sentença com trânsito em julgado pode fulminar como culpado o acusado, e somente a sentença transitada em julgado. Ora, deslindados em teremos essen￾ciais os princípios do contraditório e da ampla defesa e o da presunção da inocência, pensamos embora com merecido respeito por opinião diver￾sa, que só deformando a imagem na￾tural das coisas se pode concluir que a norma que condiciona a interposi- ção do recurso à declaração prévia do réu, do Ministério Público ou Assis￾tente de que dele não prescindem, e aquela que impõe a interposição do recurso logo após a leitura da senten- ça sejam inconstitucionais, simples￾mente porque não há uma relação directa e muito menos necessária entre uma e outra norma ou entre norma ordinária e princípios indi￾cados pelo articulistas, já que o réu terá participado em todo o processo, sendo que apenas terá de optar por prescindir ou não do direito de re￾correr da decisão no início da sessão. O mesmo poderá dizer-se em re￾lação ao princípio da presunção da inocência que não tem relação direc￾ta com as normas em causa, uma vez que uma coisa é a decisão desagradar o condenado mas ser definitiva por￾que o mesmo prescindiu de recurso, e outra bem diversa é transformar uma decisão ainda não transitada em julgado em decisão definitiva, como seria o caso de qualquer uma dessas normas ou outra, permitir a execu- ção de sentença condenatória em processo criminal estando a decisão pendente de recurso, o que definiti￾vamente não é o caso. Deve lembrar-se que inconstitu￾cionalidade relevante sob ponto de vista jurídico-constitucional, é a in￾constitucionalidade directa, pelo que para formulação certa desse juízo deve haver uma relação directa en￾tre a norma ordinária cuja validade em face da constituição se pretende aferir e a norma ou princípio cons￾titucional que serve de parâmetro ( parametricidade constitucional4 ), no sentido de que para que se fale de in￾constitucionalidade, neste caso ma￾terial, a norma inferior deve tirar seu fundamento de forma directa e não indirecta ou interposta da norma ou princípio constitucional que serve de referência para o formulação do juízo de inconstitucionalidade, o que não se verifica entre aquelas normas e os princípio do contraditório e da ampla defesa e da presunção da inocência e mesmo em face do princípio que impõe o due process of law em termos mais restritos. Sendo assim, é eviden￾te que a opinião expressa no artigo em crise míngua de fundamento por ter ignorado na formulação do juízo de inconstitucionalidade este que é na verdade um essencial requisito de ordem substantiva para formulação correcta do juízo de inconstitucio￾nalidade, a exigência de uma relação direita entre a norma ordinária e a constitucional. Não há por isso, contrariamente à opinião jurídica do articulista, qual￾quer ardil do legislador do código de processo penal ao prever tais normas, nem ratoeira alguma, já porque as razões de assim legislar-se são cog￾noscíveis em face da própria lei, já porque cum grano salis, obviamente não existirão ratos a intervir no pro￾cesso penal onde só perfilam aqueles intervenientes processuais que a lei bem os discrimina, entre os quais, o advogado, que como é bom de ver é também o ilustre articulista. Bem visto o processo penal pátrio, o nosso processo sumário – crime é na verdade uma espécie de processo abreviado, e o de polícia correccional segue-lhe como um processo semi –abreviado pelo menos no domínio recursório, processos a que a lei quis atribuir brevidade na tramitação e decisão sem obviamente prejudicar as garantias fundamentais e proces￾suais do acusado, pelo que tal forma￾lismo não pode deixar de responder a uma exigência já velha do direito, a celeridade processual para obtenção ou formação de decisão em prazo razoável5 perante casos que o legis￾lador, na sua liberdade de conforma- ção da ordem jurídico-constitucional (que não é arbitrária) entendeu, e pensamos que bem, serem de dimi￾nuta complexidade. Obviamente que a celeridade não interessa apenas ao autor da demanda, é também rele￾vante e em grande medida, para a tranquilidade o réu. E não é por acaso que em processo sumário, por exemplo, o julgamento é ou deve ser imediato ou até 15 dias contados da apresentação do réu a juízo, podendo ser oral a sentença e apenas consignada em acta a decisão, pelo que modelação legislativa ao ní- vel do campo do recurso segue esta intenção do legislador de garantir celeridade processual, exactamente uma vertente do direito de acesso à justiça e ao direito de que devem be￾neficiar todos os que recorrerem aos tribunais, principalmente nos pro￾cessos criminais onde se lida com a liberdade das pessoas. Em conclusão, diga-se que a aborda￾gem do articulista enferma de vício de método quer na perspectiva de como inicia o processo de ajuiza￾mento, que parte da norma ordinária para a constituição devendo ser a in￾versa, como também, não procede a nenhuma operação prévia de fixação de sentido e alcance quer das nor￾mas ordinárias quer das constitucio￾nais que servem de parâmetro, para só depois de essa operação concluir pela nocividade ou não das normas ordinárias após o confronto das re￾gras surpreendidas por detrás da letra ou grafia das normas relevantes para análise do caso, isto por uma banda. Por outra, o articulista transforma incompreensivelmente a possibilida￾de, ainda que não remota, de os in￾tervenientes processuais (seja o juiz ou qualquer outro) manipularem a lei em seu benefício ou de terceiro, em critério para aferição da conformida￾de da lei com a constituição, o que não colhe nossos favores; subverte a disciplina do processo no domínio recursório ao quedar-se para a ideia de que há possibilidade de a decisão judicial fazer, sem apelo e nem agra￾vo, coisa julgada, quando a aplicação da lei tenha sido dolosamente, e ain￾da que fosse involuntariamente, ma￾lévola; ignora a exigência do requisi￾to substantivo (relação directa entre norma ordinária e constitucional em confronto) no juízo da inconstitucio￾nalidade e finalmente, do direito ao acesso à justiça, o articulista olvida que está contido o direito de obten- ção de decisão em tempo razoável, uma dimensão que o mesmo articu￾lista não consegue surpreendê-la no espírito daquelas normas, embora esteja mesmo colocada à testa da lei para quem obviamente a interprete antes de aplicá-la como é recomen￾dável. Opinião jurídica expressa no artigo, sem qualquer desprimor, merece to￾dos estes reparos pelo que não nos parece corresponder a inteira verda￾de jurídica. metódica que não foi acautelada pelo ilustre articulista. Se sobre a constituição Charle de Gaulle sentenciou que “ela é um envelope e o que está contido den￾tro dele surge no e do dinamismo da vida político-social”, para o caso concreto desta reflexão, podemos di￾zer já com Eros Roberto Grau2 que “a interpretação da constituição tem um carácter constitutivo e não mera￾mente declaratório (contrariamente ao que parece entender o nosso ar￾ticulista) pois, consiste na produção pelo intérprete, a partir dos textos normativos e dos factos atinentes a um determinado caso, de normas ju￾rídicas a serem ponderadas para so￾lução desse caso, mediante definição de uma norma de decisão. Interpre￾tar ou aplicar é dar concreção ao di￾reito”. Estes ensinamentos não foram considerados pelo articulista. Mas longe destes grandes dois pro￾blemas de que a nosso ver enferma a opinião jurídica do articulista, os fundamentos em concreto aduzidos para sustentarem a tese da inconsti￾tucionalidade das normas do Código de Processo Penal acima aludidos, não resistem ao primeiro, pequeno e leve teste de resistência lógica e ju￾rídica. É que uma perfunctória análise do artigo deixa claro que o articulista, na verdade, propugna inconstitucio￾nalidade material das normas em causa porque como refere, não sendo 1 Juiz de Direito 2 Eros Roberto Grau, sobre interpretação da constituição (Constituição Formal e constitui- ção material) 3 Vide acórdão 3/CC/2011 de 7 de Outubro 4 Termo emprestado de Gomes Canotilho, Di￾reito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 7ª edição (reimpressão, Coimbra, 2003. 5A respeito do prazo razoável, escreve José Lebre de Freitas que “o entendimento do di￾reito de acesso a justiça como efectivo direito a jurisdição implica ainda que a resposta judicial á pretensão deduzida tenha lugar em prazo razoável, pois uma decisão (…) tardia pode equivaler a denegação da justiça”. Obviamente que sendo o acesso a justiça um direito funda￾mental e não cabendo ao constituinte normar com exaustão sobre a sua efectivação, é ao legislador ordinário que impende a obrigação de efectivá-lo, entre várias vias, pela produção de normas ordinárias, embora sempre tendo a constituição como limite que neste caso, não nos parece que tenha o legislador com ela se divorciado. 

Um programa de reflexão crí- tica sobre o que dizem e es￾crevem grande parte daqueles que dizem que sua tarefa é pensar é imprescindível. Tal como podemos falar da burocratização das identidades, podemos igualmente fa￾lar de burocratização do pensamento. Assim, urge perguntar que teor refle￾xivo trazem seus pensamentos? De outra forma, que função têm eles que não seja a de manter a perversidade e incompreensão da nossa sociedade? Ou seja, até que ponto as suas análises ou divagações não são elas próprias produtoras dos problemas que a nossa sociedade conhece hoje. Na verdade, lendo, no sentido de De￾leuze, o que eles dizem, sempre excep￾cionando alguns, temos a impressão de estarmos diante de um pensamen￾to sem reflexividade, ou melhor, de um funcionário de cartório ou de um professor de uma escola de condução em que a sua função é repetir ou re￾produzir sempre a regra dominante, as normas instituídas. Isso nega aqui￾lo que o Prof. Macuane disse-me uma vez sobre as CS, elas deviam «desven￾dar as engrenagens complexas dos processos políticos pois esse deve ser o objecto das ciências sociais». O sentido profundo do pensamen￾to deve ultrapassar a mediocridade da quotidianidade e absurdidade das paixões que não relevam da profundi￾dade do acto mesmo de pensar como ruptura e como ultrapassagem. Assim, não podemos negar que muito do que lemos reflecte as paixões circunstan￾ciais, fugindo assim à reflexividade reflexiva (Bourdieu) que permitiria transformar o acto de pensar num acto de radicalização reflexiva dos fenómenos pensados. Nas suas aulas de 2000-2001, no prestigiado Collège de France, intituladas «Science de la Science et reflevité», Bourdieu diz- -nos que para pensar a sociedade é preciso igualmente voltar-se contra aqueles que pensam pois esses últimos podem ser o vector das absurdidades Burocratização do pensamento em Moçambique! Por Régio Conrado do noções seja dos espaços comuns ou ainda do Estado a que se pretendem críticos. Neste caso, em Moçambique, onde é que esta a atitude contra a es￾tatização e reificação do pensamento, aquele pensamento que se nega como extensão do poder político? Encon￾tramo-lo em muito poucos. Se as análises de grande parte dos que têm como profissão pensar se resume a reproduzir explicações neoliberais, que são hoje o fundamento das po￾líticas do governo, não podemos não dizer que esses académicos são fun￾cionários ou mesmo agentes do Esta￾do, e entrementes, do poder político no sentido estritamente marxista do termo. É aqui que acho que o proces￾so de burocratização do pensamento pelo esvaziamento do pensamento como acto transcendente no sentido de marcuse e não metafísico, cria um pensamento que é essencialmente bu￾rocrático e que burocratiza a compre￾ensão e imaginação da sociedade que os lê. Em 1968 era publicada na França a obra «l’homme unidimensionnel» de H. Marcuse em que na sua introdução fala da dormência da crítica e de uma sociedade sem oposição. Estes últimos, permite-me dizer que se há uma fragilidade da nossa socie￾dade é que aqueles que deveriam ser produtores de alternativas de pensar são, na sua grande maioria, respon￾sáveis pelo fechamento do discurso (Marcuse) na medida em que usam categorias ora vazias ora improdutivas e problemáticas, como por exemplo, Estado de direito democrático, sem mesmo explicar a construção e as contradiçoes que o justificam. Não há crítica a essas categorias. O rigor da linguagem (Wittgenstein) é estir￾pado. Os conceitos são tidos como absolutos como as normas numa admnistração pública jacobina. Com assaz antece￾dência sabemos que os ditos intelec￾tuais vão reproduzir (in)conscien￾temente as práticas discursivas do aparelho ideológico e discursivo dominante mesmo que se façam passar de «altos críticos do siste￾ma». Ademais, o problema é que os instrumentos que usam para a crítica são os instrumentos daque￾les a que criticam. Nesses termos, não podemos falar de outra coisa que da institucionalização do dis￾curso estatal, governamental no discurso falsamente crítico dos que se dizem ser académicos. O pensamento como essa possi￾bilidade radical de desconstruir os fundamentos dos regimes de verdade deve ser essencialmen￾te uma saída da menoridade à maioridade do pensamento (Kant) para que a burocratização do pensamento não seja um acto realizado. A realização do pensar como acto lo que tem sido hoje denunciado pelo Filósofo Michel Onfray como pensamento em repetição acrítica  e a burocratização das nossas CS,  D capacidade dos regimes de verda￾des dominantes de se imporem, mas dos interesses que podem estar a estruturar os grupos que se fazem passar por académicos e a incapacidade de fazer das CS lugar por excelência de des￾contrução radical do mundo. Ou seja, podemos estar a viver numa sociedade em que grande partes dos académicos decidindo viver e apreciando o mudus vivendi da￾queles a quem criticam, produ￾zem um pensamento distante da crítica radical desse sistema, o que os permite não pôr em causa a sua própria posição na sociedade. A forma de produção do pensa o grau do comprometimento ou não dos intelectuais com o poder instituído. O Presidente Filipe Nyusi 
D eixou-nos, no passado dia 18 de Janeiro Dr. Almeida Santos, figura inconfundí- vel desta nossa democracia, agora em perda de carga. Poucas grandes figuras desta terceira Re￾pública terão sido tão controversas, tão admiradas e tão criticadas, tão amadas e tão odiadas, quase sempre tão mal entendidas, na sua soberba complexidade. É próprio destes dias de luto, que se seguem ao desaparecimento de um vulto de grandes dimensões, como este, proceder-se à sua quase cano￾nização. Almeida Santos, para que a sua marca na História permaneça, não precisa destes pífios favores. Era uma lenda? Era. Mas era mais e me￾lhor do que isso: era um homem em grande formato, dotado de excelsas qualidades e de óbvios defeitos. Pretender, de um político, virtudes imaculadas de vestal é desconhecer a massa de que se fazem estes animais magníficos e imperfeitos. Ortega y Gasset, no seu admirável ensaio “Mirabeau o el político”, estudou-os como ninguém, não os santificando nem os crucificando: apenas ten￾tando compreendê-los. O seu relato conclusivo, repito, nem os hipertro- fia nem os diminui: caracteriza-os. Sem evitar as asperezas da realidade, mas também sem com elas se de￾primir. Segundo o grande pensador espanhol, há que distinguir entre os “ideais” e os “arquétipos”: “Os ideais são as coisas conforme estimamos que deveriam ser. Os arquétipos são as coisas conforme a inelutável reali￾dade. Se nos habituássemos”, conti￾nua Ortega, “a buscar, de cada coisa, o seu arquétipo, a estrutura essencial que a Natureza, pelos vistos, lhes quis dar, evitaríamos formar dessa mesma coisa um ideal absurdo que Almeida Santos contradiz as suas condições mais elementares. Assim, costuma pensar-se que o político ideal seria um homem que, além de ser um grande estadista, fosse também uma boa pessoa. Mas será que isto possível? Os ideais”, conclui o autor de La rebelión de las masas, “são as coisas recriadas pelo nosso desejo – são desiderata - . Mas que direito temos nós de desejar o impossível, de considerar como ide￾al o quadrado redondo?” Esta qua￾dratura do círculo não a conseguiu Almeida Santos, completamente, como o não conseguiu nenhum grande político antes dele: seria contra a própria natureza das coisas. Mas, se o autor de Rã no Pântano não correspondeu nunca ao mo￾delo do puro “ideal”, menos ainda se situou no de puro “arquétipo”. Equilibrando-se, instavelmente, en￾tre uma sincera busca de ideais e de princípios e uma necessária e confli￾tuante rendição às asperezas da rea￾lidade e do compromisso, Almeida Santos seguiu o percurso normal de quase todos os políticos que fizeram história. Os que, como Herculano, visam um ideal quimicamente puro e rejeitam frontalmente o resignado arquétipo – acabam fatalmente em Vale de Lobos: grandes padrões de ética, mas políticos fracassados e amargurados (“Isto dá vontade de morrer!” e outras proclamações de igual gosto e ineficácia). O verda￾deiro político não hesita em sujar as mãos, ao serviço de um qualquer objectivo. Mas, cuidado: suja-as por nós, para que alguns de nós, egois￾tamente, nos possamos gabar de as manter limpas. Digamos que evan￾gelicamente se perdem para que ou￾tros se possam salvar. Ortega considerava haver dois tipos de homens: os ocupados e os preo￾cupados, ou seja: os políticos (sem￾pre ocupados, sempre agindo ou fazendo) e os intelectuais (sempre preocupados, sempre interpondo ideias “entre o desejar e o executar”). Almeida Santos não cabia inteira e exclusivamente em nenhuma des￾tas duas categorias: era um político (gostava de fazer, de actuar, de exe￾cutar), mas era também um intelec￾tual (gostava de sonhar, de visionar, de pensar, de interpor ideias). Era, como intelectual, um escritor, de abundante bibliografia. Tem sido dito que era mesmo um admirável escritor e um empolgante orador (o que muito lhe teria valido nos seus prélios de causídico). Dizia Étienne Dumont, testemunhando sobre Mi￾rabeau, que “a eloquência é o encan￾to dos homens reunidos”. Muitos se sentiram enfeitiçados pela palavra fluente, floreada, castiça do tribuno Almeida Santos. Permita-se-me observar, sem sombra de acinte, que, como o vinho, ele foi melho￾rando com a idade: inicialmente, a sua prosa – falada ou escrita – en￾rodilhava-se, um tanto ou quanto, em meu entender, numa “Ramalhal” abundância, com algum toque de mau gosto; porém, com o decorrer dos tempos, foi sabendo descascá-la até lhe dar o escorreito e a limpidez dos textos mais clássicos. O seu li￾vro Nova Galeria de Quase Retra￾tos contém peças admiráveis sobre Mandela, Afonso Costa, Mouzinho da Silveira, Miguel Torga, entre ou￾tros. Como o verdadeiro animal político que gosta de se ocupar (Mirabeau desentranhava-se em actividade imparável mesmo quando se encon￾trava encarcerado…), Almeida San￾tos era um trabalhador incansável: abatia tarefas, como quem respira: grande legislador, governante ex￾tremamente operoso, escritor abun￾dante, viajante intemerato, político e intelectual doublé de infatigável homem de negócios – e o mais que aqui se não diz… Era formidavelmente trabalhador, era fecundo, era generoso. Recebia muito e dava muito. Os gestos da sua abertura aos outros (sem falar nas defesas pro bono de presos políticos), em Lourenço Marques, onde se estabeleceu, como advogado, em 1953 e, depois, em Lisboa, eram conhecidos e não fo￾ram poucos. Um exemplo só: numa manhã de sábado perdida, na baixa laurentina, junto à loja de discos do João Reis, ia Almeida Santos a passar, atira-lhe o Rui Knopfli, sempre gavroche e provocador: “Ó António, pagas- -me a edição do meu livro de po￾esia?” Sem hesitar, com um sorriso galhardo, Almeida Santos saca do livro de cheques e da caneta: “De quanto precisas?” Generoso, a seguir à independência das colónias, aju￾dou meio mundo a recomeçar vida em Portugal. Alguns – vários – dos que vieram pedir-lhe ajuda tinham- -no, antes, profusamente caluniado. E continuaram a fazê-lo, com vigor acrescido, depois de devidamente atendidos. A gratidão pesa. Escoici￾nhar alivia. Generoso, pois. Mas também prag￾mático, homem de negócios, com tudo, de menos bom, que tal encargo acarreta. Corajoso e eloquente opo￾sicionista, era muito capaz de jantar com o diabo e de conviver com o inimigo. O seu “charme”, com laivos de casticismo, era, para muitos, ir￾resistível. Abatia, como disse, horas imensas de trabalho, com um sorri￾so sereno, de quem se não cansa e muito menos se descompõe: fazia-o com aquela aparente “força fácil” de que falava o Eça. A literatura incriminadora dos po￾líticos é abundante e contundente. Diz-se deles cobras e lagartos, por￾que são capazes de passar por toda a folha, para chegarem onde querem chegar. Ortega não ilude o problema e fala, com aguda perceptividade, naquela, digamos, “falta de escrúpulos” que faz parte do equipamento de todo o político. Falta de escrúpulos que ele logo avisa não dever confundir-se com “imoralidade”. Eu cito: “Não acusemos, pois, de imoralidade o grande político. Em vez disso, diga￾mos que lhe falta o sentido de escrú- pulo. Mas um homem escrupuloso não pode ser um homem de acção. O escrúpulo é uma qualidade ma￾temática, intelectual: é a exactidão aplicada à valoração ética das acções. Se se examina com cuidado a vida de Mirabeau, de César, de Napoleão, vê-se que a presumida maldade não é senão a falta de escrúpulo anexa a todo o temperamento activista e, portanto impulsivo.” Seja dito que só em parte pequena isto se aplica ao político (por isso algo) “imper￾feito” (embora grande) que foi Al￾meida Santos: mas não poderia ficar imune – como político – ao escalpe analítico do grande filósofo. Pela parte que me toca, fiquei a de￾ver a Almeida Santos testemunhos vários da sua generosidade e ami￾zade. E não me pesa a gratidão que sinto. Muitos que regressaram de África, a seguir às independências, têm acu￾sado o autor de Pela Santa Liber￾dade de ser o principal responsável pelos terríveis problemas que acom￾panharam o processo da descolo￾nização. É injusto e é, sobretudo, falso. Essa responsabilidade situa-se muito a montante: deve-se funda￾mentalmente à teimosia de Salazar e à inacção de Marcelo Caetano. Al￾meida Santos limitou-se a apanhar os cacos de uma política míope e tonta. E fê-lo com enorme empe￾nho, certeira eficácia, muita energia e um grande coração. *ensaísta, antigo residente em Moçambique.
E la chora, ela chora dia e noite e toda a cidade de Quelima￾ne está a ouvir o choro dela e ninguém liga. Seis governa￾dores passaram de perto e olharam para ela. Os pés dela estão inflama￾dos, até passam aos poucos para a fase de podridão. Na barriga ela tem um cancro e o pus está a sair. Apesar disso ela tenta ficar em pé e mesmo ainda dar conforto aos que vivem com ela. Primeiro eram na maioria pessoas, mas agora também são os ratos. Ratos em todo o lado de cima para baixo enterrados e vivendo no lixo. Lixo velho e lixo novo, lixo de ontem, lixo de hoje, acumulado em cada lugar onde a preguiça manda. Escadas com 5 a 10 metros de lixo, elevadores cheio de lixo; lixo em todo o lado. A barriga dela está cheia e ela vomita águas negras. Além dos moradores e ratos estão lá os empre￾gados. São os jovens do Ile, Namaroi e Lugela. Jovens cheio de vontade de estar na cidade. Pé descalços, de calção e mal pagos, mas mantendo mínima higiene no prédio porque eles carregam a água para cima todos os dias, bidons e bidons. Eles trazem o carvão e cozinham nas varandas. Conheço-a já há trinta anos quando ainda consegui ver um fulgor da be￾leza dela. Eu vivi com ela e conhecia a elegância das escadas dela e percebi que ela teve elevadores estilosos, um sistema de abastecimento de água colectivo e eficaz. A casa dela era convidativa. A robustez dela atracti￾va. Cruzei cada dia nas escadas com o erudito sociólogo David Aloni. A casa onde vivi era dum agrónomo reformado e apanhei ainda obras sobre arroz e algodão. No meio da guerra consegui ainda cheirar os úl￾timos restos da grandeza da Provín￾cia. A partir daí tudo foi baixando, caindo para o pior. O pior que não conseguimos imaginar, mas que está a acontecer em frente de nos hoje em dia. Ela, apesar da idade, ainda tem dois maridos, quer dizer não são maridos na verdade são mais pretendentes dela. Um de compor￾tamento razoável, o outro malandro. O primeiro quer casar com ela já vão vinte anos, mas o outro enganou-a, também já há muitos anos. O último tinha apoio de marginais formais. Portanto, embora doente, velha e quase a morrer, ela ainda tem dois noivos. Estes fiancés estão a lutar há já vários anos e preparados a ir até à última gota de sangue dela. Ambos trazem de vez em quando um doce para ela. Um doce que ela recebe com um sorriso cínico. Os poderes olham e deixam ela sofrer. Os mor￾cegos piscam o olho. Enquanto a luta dos noivos continua estamos todos lá. Alguns já começa￾ram a cortar através da privatização e tribunal partes do corpo dela. A árvore majestosa atrás da casa dela já foi cortada e os moradores perderam a sombra. Uma família, Pai, Mãe e crianças estão a viver na sobre loja abandonada no meio das águas ne￾gras que lá estão a cair. Eu por en￾quanto tento estar com ela, ouvir o suspirar dela. Não a posso abando￾nar porque ela é símbolo para muitas coisas deste País.
Bases da legitimidade política N os primeiros anos da luta armada de libertação na￾cional surgiu o que Edu￾ardo Mondlane chamou “problema prático”: “O vazio deixado pela destruição da situ￾ação colonial pôs um problema prático […]: o desaparecimento duma série de serviços inerentes à dominação portuguesa, espe￾cialmente serviços comerciais, enquanto o povo continuava a existir e a necessitar deles. [Du￾rante algum tempo, o problema foi agudo. […] Não estávamos preparados para o trabalho que tínhamos pela frente. […] onde os camponeses não compreen￾diam as razões, retiravam o seu apoio à luta e, nalguns casos, par￾tiam mesmo definitivamente.” Palavras do Presidente Filipe Nyusi há dias: “[...] enquanto continuar o povo sem água, sem energia, sem escolas suficientes, sem hospitais, sem saúde, ainda não teremos cumprido a missão pela qual os nossos heróis tom￾baram como dos que também estão vivos, em todo o país.” 

O chefe de mobilização e propaganda da Renamo ao nível da província de Sofala, Horácio Calavete, dis￾se esta segunda-feira, em conferência de imprensa por si concedida na cidade da Beira, que, em reac- ção aos raptos e posterior assassinato de que estão a ser alvo os delegados do maior partido da oposição a nível de base, em vários pontos das províncias da região centro do país (Sofala, Manica, Tete e Zambézia), a formação política de que ele é membro iria montar postos de controlo nalgumas estradas por aquela região, para que todos os carros suspei￾tos de transportar os que perpetram tais actos criminosos possam ser revistados. O problemático anúncio feito ao princípio desta semana acontece num contexto em que já se estão a tornar infeliz￾mente frequentes situações de raptos, baleamentos e, quase sempre, assassinatos de dirigentes de base da Renamo e da Frelimo, não havendo, quase em absoluto, dúvidas de que aquelas acções têm como mote a intolerância política entre os dois principais partidos políticos, não se sabendo se com o aval ou não das suas lideranças de alto nível. A Rena￾mo, como resultado dos pontos não devidamente geridos no Acordo Geral de Paz (AGP), assinado a 4 de Outubro de 1992, em Roma, ainda mantém guarda armada, não se sabendo em concreto quantos homens e mulheres; a Fre￾limo, acredita-se, não é um partido armado, mas, estando no Governo, num contexto em que as Forças de Defesa e Segurança (FDS) parecem politicamente independentes apenas em termos teóricos, pode ter controlo mais do que razoável sobre os gendarmes e/ou militares. Apesar de o contexto aparentar ser mais desfavorável à Renamo, com o que, até prova em contrário, parece ser o partido que está a ver maior número de elementos seus a serem raptados e executados, achamos ser absolutamente desnecessário o extremismo em que o partido liderado por Afonso Dhlakama se está a envolver, manifestado, de resto, por irresponsáveis declarações como as proferidas pelo che￾fe de mobilização e propaganda daquele partido em Sofala. Não estamos, de jeito nenhum, a dizer que a liderança da Renamo deveria ficar indiferente ao que se está a passar, num quadro em que tanto o seu presidente como o secre￾tário-geral – Afonso Dhlakama e Manuel Bissopo, respec￾tivamente – já foram, eles próprios, alvos de atentados às suas vidas. Mas afigura-se-nos absolutamente kamikaziano optar por vias de clara e cristalina irresponsabilidade, supos￾tamente em resposta às situações tais. Apesar do que a Renamo habitualmente refere serem as en￾tidades estaduais responsáveis pela investigação de situação daquela índole, pensamos que, até como forma de reunir elementos para consubstanciar alegações tais, o maior par￾tido da oposição deveria cuidar de exigir das autoridades o esclarecimento daqueles tristes casos. Aliás, antes disso deveria solicitar o controlo da situação, o que passaria, na￾turalmente, pelo reforço das medidas de segurança e/ou de policiamento. Por outro lado, uma denúncia pública, firme e veemente do que está a suceder, expondo factual e compreensivelmente todos os elementos à sua disposição, concorreria para que, muito facilmente, a Renamo colhesse apoio de influentes segmentos domésticos e internacionais. Quanto a este úl￾timo domínio, cremos que solicitar a intervenção dalgumas representações diplomáticas jogaria a favor da Renamo, diferentemente da opção por vias que, pela sua gravidade, colocam em causa todos os alicerces do Estado moçambi￾cano. Não se exclui, nisso, as próprias instâncias interna￾cionais responsáveis pela salvaguarda dos direitos humanos, no quadro do que se destaca a protecção da vida, o mais importante bem jurídico. Sendo questionado pelos cidadãos o facto de, amiúde, agentes da Polícia de Protecção se envolverem em acções normalmente sob a alçada dos seus colegas da Polícia de Trânsito, não se esperaria apoio popular nessa empreitada que a Renamo diz pretender abraçar, designadamente a ins￾talações de postos de controlo de viaturas. Com que base a guarda armada da Renamo há-de mandar parar viaturas, solicitar documentos aos ocupantes das mesmas e efectuar vasculhas? Até as próprias forças policiais são, em situações ordinárias, proibidas de fazer isso, em homenagem à liber￾dade de circulação e/ou movimento, que é, em Moçambi￾que, um direito fundamental! Na verdade, é expectável que, caso a Renamo avance com o que foi esta segunda-feira anunciado na Beira, as FDS respondam de forma violenta, com o que mais sangue será derramado. Sobretudo agora que estamos a menos de 20 dias do prazo avançado pelo líder da Renamo, em várias teleconferências e entrevistas, para o “início da governação”, pelo maior partido da oposição, nas províncias em que ele e/ou o seu líder reivindicam ter ganho. O que está a acontecer, reiteramos, é extremamente gra￾ve. Contudo, pensar que o estabelecimento de postos de controlo, não se sabendo com que suporte jurídico-legal, se algum, pode resolver o que se está a verificar, é uma atitu￾de lamentável. É, há que sublinhar, tempo de a Renamo se compatibilizar com as suas responsabilidades estatuais, sobretudo no actual contexto de paz podre, no qual até en￾contros que deveriam ser a coisa mais comum e que nem deveriam ser elevados ao estatuto de notícia, senão mera informação (reuniões regulares entre o Presidente da Re￾pública e o segundo candidato mais votado), são das coisas cada vez mais raras. O extremismo da Renamo, porque inútil, como o é quase sempre o extremismo, a ninguém beneficiará, incluindo à própria Renamo! RELATIVIZANDO 
Por Ericino de Salema.
D uas correntes de pensamento ga￾nham, crescentemente, na praça política e social de Moçambique, cada vez mais nitidez pelo facto de não se interpenetrarem no campo do enten￾dimento e das soluções políticas que o país procura. Duas correntes à procura de mais e mais argumentos para que cada uma delas se afirme como a mais válida relativamen￾te a outra. São correntes que parecem dever algo à comissão da verdade e reconciliação nacional, que por estas bandas não existe e nem existiu. A primeira corrente defende, há já algum tempo, que a Constituição da República (CR) seja respeitada (como se antes esse respeito tivesse sido uma raridade potencia￾da pela nulidade). Defende que a Renamo, ao aceitar ocupar os assentos no Parlamen￾to concordou tacitamente ou, se quisermos, Correntes opostas inequivocamente, com os resultados eleitorais por si contestados; que o Presidente da Repú- blica (PR) sempre esteve aberto ao diálogo po￾lítico com a Renamo e com outras forças políti￾cas, etc. Os mais radicais dentro desta corrente são a favor de uma “savimbização” de Dhlakama (já ensaiada com os mediáticos atentados) e, ou￾tros, os mais moderados, percebem o significado da canção que diz que por morrer uma andori￾nha não acaba a primavera; que o “nó-górdio” foi um ensinamento a não esquecer. Entre os círculos de defesa desta primeira corrente está o Governo/Frelimo. A segunda corrente não olha para a CR como um problema em si, mas sim quem a usa des￾propositadamente como escudo em seu benefí- cio e não do povo; concorda que ela seja respei￾tada por todos. Defendem que as eleições foram visivelmente fraudulentas; que o presidente da Comissão Nacional de Eleições (CNE) ali co￾locado pela Frelimo tinha a tarefa de legitimar os resultados favorecendo quem ali o colocara; que os comandos supremos das instâncias su￾periores à CNE, uma vez apresentado o pro￾blema das gravíssimas irregularidades eleitorais, alinharam pelo mesmo diapasão que o do presi￾dente da CNE. Perante tudo isso e mais alguma coisa alegam como solução única para o dife￾rendo político o diálogo aberto e sincero com o Governo/Frelimo e, passando este nível, a Renamo propõem-se a governar nas províncias onde obtive significativas vantagens eleitorais. Tanto a primeira como a segunda corrente con￾cordam que as regras do jogo se definam antes do jogo. A primeira corrente acusa a segunda de tentar alterar as regras do jogo no decurso do mesmo, pois as eleições foram gerais e não provinciais. A segunda corrente, por seu tur￾no, lembra à primeira, que a fraude não fazia parte das regras do jogo. Considerando as duas acusações, está claro que as regras parecem ter sido violadas pelas duas correntes. Uma mais do que a outra. Uma violação terá sus￾citado outra. Cá entre nós: as paixões partidárias originam alguma dificuldade em apurar-se de forma isenta e clara quem, de facto, não está ou nunca esteve a cumprir com as regras estabelecidas an￾tes do início do jogo. Cada uma acusa a outra. Mas, os factos no terreno provam tudo. Sempre esteve claro que a CNE e o STAE não eram o problema, mas sim os que usam ou usavam estes órgãos de forma obscura em seu benefício. Este é, portanto, um grave problema de partida que tem desencadeado tantos outros, como por exemplo, os confrontos militares, as mortes, os refugiados, os raptos e assassinatos, a arrogância, etc. Como será o entendimento nas próxi￾mas semanas? A ver vamos.

A altura das mentiras….

A grandeza duma mentira, de certeza que não é física, mas há vezes que nos dá a sensação de o ser, sobretudo quando saída do maior partido da oposição em Moçambique. Bem dito, quando a mentira é dita por Afonso Dhlakama, que, apesar de representar uma boa franja de moçambicanos, está a brincar com a hipotética popularidade de que (também) goza.

A mentira de que lutava para a democracia foi ruindo desde à véspera de 20 de Outubro de 1994, quando pela boca de Luís Gouveia disse que não participaria nas eleições porque havia descoberto uma fraude, mesmo antes de irmos às urnas. Era uma mentira política, de cerca de meio metro de altura. Participou e perdeu!
Em 1998, houve as primeiras eleições autárquicas. Recusou-se a participar, pensando que por isso o processo seria adiável. Ficou a ver navios no continente, quando na verdade seria o início do que hoje diz pretender, governar aonde se ganha. Deixou que o seu adversário jogasse sozinho e a lógica nestes casos é que infalivelmente o jogador ganha.
Nas eleições gerais seguintes, em 1999, faz-se presente e ganhou o que ganhou. Todavia, disse que ganhar não era aquilo, mas sim, governar e o líder ser presidente de Moçambique. Mentiu-nos, mais uma vez, mas em um metro de altura!
A ideia ficou fortificada quando nas eleições autárquicas em que decide participar, em 2003, a Renamo demonstra de facto que era representativa. Ganhou a cidade da Beira, Nacala-porto, Ilha de Moçambique, Marromeu e Angoche.
Este facto embriagou as hostes renamistas, nas seguintes eleições gerais (2004) o que não permitiu que o partido se preparasse a contento e o resultado viria a ser uma derrota convincente, que o seu adversário qualificou de vitória retumbante. Na verdade, perdeu no meio de uma mentira política aceitável, de meio metro de altura.

Quando em 2008 quis voltar ao convívio democrático, via eleições autárquicas, encontrou o terreno minado por quem não dorme nem brinca em serviço. Sem mentir não lhe deixaram reconquistar o que já tinha em mãos.
Em 2013 o jogo autárquico passou-lhe ao lado, por vontade própria, tal como em 1998. Ficou zero o que alguma vez já tinha sido cinco. Terá sido desta vez que a democracia de que falava, apenas por falar, doeu muito. Ainda não aprendera de que ela é, acima de tudo, muito trabalho e responsabilidade.
Entrementes, como quem não cura, o líder-mor estava a gerir a derrota, mas fora dos eleitores, nas matas da Gorongosa, envolto de montanhas, arvoredo e fauna (que não votam) à espera que alguém tivesse pena de si e destruísse todo o tecido democrático para a sua acomodação.
No dia 5 de Setembro de 2014 reaparece a assinar o que parece não ter lido e, por ser mais uma mentira, não cumpre nada do que disse e assinou! O tempo não lhe perdoava, afinal, a democracia pela qual lutou, tem regras rígidas, por isso, as eleições, mais uma vez gerais, deviam ter lugar.
Sem preparação nem tempo, fez o que era fácil: barulho à largura e ao comprimento do país, a uma velocidade estonteante, para resultar no lógico, designadamente, perca geral em eleições gerais. Igual a uma derrota! A seguir aumenta a altura da mentira em mais dois metros, dizendo que, mesmo assim, governaria, ainda que ao arrepio da Lei discutida antes do pleito correspondente.
No dia 9 de Outubro de 2015, a mentira subiu de fasquia ao dizer que entregava as armas, como sinal de início do seu desarmamento. A altura desta mentira foi tal que a governadora de Sofala também acreditou. Era de seis metros. Mas, nós prevíamos o que depois veio a confirmar-se!
Esta, se a história não for bem contada, será de oito metros de altura, envolvendo personalidades e Estados. Que Jacob Zuma aceitara o seu pedido de mediação do conflito, em parceria com a Igreja católica. A altura não passou despercebida a Maite Mashabane, ministra dos Negócios Estrangeiros da África do Sul, que deixou esta lição de democracia: o que nós sabemos é que em Moçambique há um governo constitucionalmente eleito e que há membros da oposição no Parlamento.
Disse mais: quando um membro do Parlamento convida o governo sul-africano para mediar uma matéria interna, obviamente que nós, primeiramente, temos que ouvir o governo. Na verdade, não recebemos nenhum convite, nem da Renamo, nem do governo moçambicano.
Esta mentira, desmascarada pelos sul-africanos, mais o cerco diplomático cada vez mais apertado, ante o desperdício visível da melhor oportunidade que a Renamo alguma vez teve, com a abertura indisfarçável do Presidente Nyusi, terá assanhado a liderança, que a seguir faz o que bem sabe fazer: atacar e matar irmãos e bens públicos, a partir de Muxúnguè e outros recantos remotos! Pena!...
Pedro Nacuo
nacuo49nacuo@gmail.com
DOMINGO -14.02.2016

Democracia…mas nem tanto!

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Os moçambicanos, de verdade, querem paz. Clamam por ela. Outros querem o caos. A confusão. A balbúrdia. O troar das armas voltou a pontuar o dia-a-dia dos moçambicanos. 
São episódios mais ou menos isolados mas que mostram claramente que a confusão está sendo armada. Há gente com vontade de ver mais sangue derramado. Não bastam as tragédias causadas pelas calamidades naturais ou pelos acidentes de viação!
Parece que há sempre alguém interessado em tirar mais um quinhão da nossa tranquilidade. A velha sabedoria popular alerta que quando dois elefantes lutam, a maior vitima é o capim. E capim aqui, pelos vistos, somos eu e tu. Somos nós. São os moçambicanos que, tudo o que querem, é só um pedaço de paz, de tranquilidade para poderem melhorar as suas condições de vida… mas como melhorar com as constantes ameaças de retorno a guerra? É que ameaçar dividir o país é claramente uma declaração de guerra!
E não vamos aqui escamotear a verdade. O protagonista das ameaças é, curiosamente, o mesmo: a Renamo! Renamo que se deseja um partido político mas, como sabe-se, mantém um braço armado. Desde a assinatura dos Acordos de Roma que existe esta pândega de homens armados. Caso único no mundo, parece. Pelo menos na região não consta que haja partidos políticos armados. Estranho. O Presidente da República, Filipe Nyusi, já manifestou publicamente e por diversas vezes, a sua inquietação perante este facto. Recentemente disse claramente que “não podemos continuar a ser um país estranho, onde as pessoas andam armadas e não lhes acontece nada. Aqui na região somos o único país que admite isso. Vamos à Suazilândia, não há isso, na África do Sul na acontece coisa igual, etc.etc, e no Zimbabwe, nem pensar”.
E é verdade.
O curioso nisso tudo, é que a mesma Renamo tem representação no Parlamento, o que equivale dizer que tem possibilidades de se fazer ouvir em fórum apropriado. O líder da Renamo, entrevistado em Santugira, disse, esta semana, que dividir o país vai contra a Constituição da República mas, para satisfação das suas intenções, ele e o seu partido, estariam dispostos a tal aleivosia. Que se saiba, a democracia desenvolve-se sob o jugo das leis e não sob a ditadura das armas… mas isso nem devia-nos nos espantar… o pai da democracia socorre-se muito da ameaça para lograr os seus intentos.
O presidente da república já disse que está disposto a receber o líder da Renamo. O pai da democracia diz que não pode sair do mato porque sabe que o querem assassinar. Em que é que ficamos?
Continuam as mortes? O país pára? O que é que segue no próximo episódio?
O que é líquido é que o país não pode progredir com coisas deste género. Não haja ilusões - não há economia que resista ao troar de armas. Aquela pancadaria no Centro do país vai-nos fazer recuar milhares de anos. Estamos a voltar para a idade da pedra enquanto o mundo, lá fora, avança a largos passos para o desenvolvimento sustentável e equilibrado.
É que a manutenção de um partido armado no país nos tira o sono. É que as armas impõem o silêncio ditado pelo vencedor de ocasião. Os partidos passam a ser exércitos que se preparam ciclicamente para a guerra. Se se sentam à mesa do diálogo, levam as metralhadoras a talabarte. O ambiente envolvente é tecido pelo medo, em vez de favorecer a convivência pacífica.
Se os estrangeiros acham que é uma completa estupidez andarmos aos tiros, o que não passará pela cabeça de milhares de moçambicanos – os mesmos que a Renamo afirma representar? Resposta: também julgam que esta confusão é uma completa falta de respeito pela vida e dignidade humanas. Querem paz. Em todos os momentos, apelam para a resolução pacífica do diferendo. Entretanto, parece que os “bosses” da Renamo não fazem a mesma leitura. Todos os dias reiteram a necessidade da guerra.
Isto atinge gravemente o Estado de Direito modelado na Constituição da República. A Renamo aprovou essa mesma Lei-Mãe em ambiente de consenso parlamentar, não se coibindo, agora, de vir a público esburacar o seu próprio texto, amedrontando à esquerda e à direita, atacando, matando e destruindo bens. Isto porque, pensamos, não foi capaz até hoje de se apresentar aos moçambicanos como alternativa credível de governação. A guerra fará tudo menos contribuir para o desenvolvimento do país. Isso é uma certeza absoluta. Falar que o que se está a fazer é defender a democracia, é conversa para boi dormir. Só querer não é poder, é preciso também comprometimento, atitude e perseverança… aspectos que parecem não fazer parte do cardápio de alguns “moçambicanos”.
O mesmo é válido para alguns que, hoje, se dizem neutros. Há alguns “actores sociais” que, quando o assunto envolve a Renamo, quedam-se mudos. Não atam nem desatam mas aguardam ansiosamente que o Governo tropece nalgum calhau para começarem a uivar.
A Renamo parece estar em desespero de causa. Quer governar na base da chantagem. Agora se agarra apenas à solução militar, única linguagem que ela reconhece ser eficaz para ter razão. Dhlakama parece conhecer a máxima de Aquiles que, na antecâmara da guerra de Troia, proclamou: O que todos os Homens querem, eu quero mais; mas parece esquecer que "o inteligente aprende com os seus erros. Já o sábio aprende com os erros dos outros”.
Nem mais…
DOMINGO -14.02.2016

SEGURANÇA DO GOVERNADOR DETIDA POR COOPERAR COM MALFEITORES

Uma agente das Forças de Protecção de Altas Individualidades (FPAI) encontra-se detida na 1ª esquadra da Polícia da República de Moçambique, em Chimoio, capital da província central de Manica, desde quarta-feira última, indiciada pelo seu envolvimento com uma rede de malfeitores que se dedicavam a assaltos a residências e estabelecimentos comerciais com recurso a armas de fogo. 

A referida agente, identificada pela PRM apenas pelo nome de Graça, é acusada de fornecer a sua arma de fogo institucional a criminosos e instrui-los em técnicas de assalto a residências e lojas. 
A porta-voz da PRM em Manica, Elcídia Filipe, que revelou o facto, explicou que a detenção da agente resulta de um trabalho realizado pela corporação com o objectivo de purificar as fileiras da corporação. 
Referiu que a Graça violou as normas de funcionamento da instituição, razão pela qual enfrenta dois processos, sendo um disciplinar e outro criminal, que neste momento seguem seus trâmites para que possa responder em juízo.
'É um trabalho normal. Estamos no processo de purificação das fileiras. O que se sabe é que esta agente é suspeita de estar a colaborar com um grupo de malfeitores. Assim sendo, ela está detida para responder pelos seus actos. Trabalhos prosseguem e rapidamente o caso será levado as instâncias competentes para sua responsabilização criminal enquanto decorrer outro processo a nível da instituição, disse. 

Explicou que o processo de purificação é uma actividade contínua. Queremos aqui assegurar que havendo mais situações desta natureza, a corporação irá agir em defesa do bom nome da instituição', assegurou Elcídia Filipe, para quem o combate ao crime deve começar no seio da corporação. 
Neste momento decorrem trabalhos com vista a neutralizar os restantes membros do grupo, que se encontram a monte. 
Graça trabalhou durante vários anos na FPAI, uma unidade da polícia responsável por garantir a segurança de governantes. Por isso, várias vezes foi confiada para cumprir missões importantes para a protecção de dirigentes dentro e fora da província. 
Sem avançar números, a porta-voz revelou que existem mais agentes envolvidos com o mundo do crime e, por isso, prosseguem investigações para neutralizar os infiltrados na corporação.
NV/SG
AIM – 13.02.2016

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