O
Presidente Filipe Nyusi aproveitou a ocasião do seu 57º
aniversário para dissipar dúvidas quanto ao seu empenho
(e até capacidade) em encontrar meios que permitam a
continuação das negociações com a Renamo, para pôr fim
ao actual conflito que esta formação política tem com o governo.
Em declarações públicas, Nyusi mostrou que não havia mais nada
de importante que ocupasse a sua cabeça do que encontrar uma
saída para a situação em que o país se encontra actualmente. Em
nenhum outro momento esta mensagem se tornou mais enfática
do que quando ele se encontrou com as altas chefias militares, da
polícia e da segurança, uma ocasião que terá também servido para
reafirmar o seu estatuto de Comandante-em-Chefe, e de que todas
as forças uniformizadas submetem obediência ao poder civil.
Falando sobre o seu encontro com Nicholas Hurd, ministro britânico para a África, Nyusi revelou que 60 por cento das suas
discussões tinham se centrado sobre a questão da estabilidade em
Moçambique. Informou ainda que depois do referido encontro,
o governante britânico iria tentar estar em linha telefónica com
Afonso Dhlakama. Esperemos que o tenha conseguido.
A imperiosidade de se devolver a estabilidade política e militar a
Moçambique já não precisa mais de ser enfatizada. Nyusi disse que
não precisa de entrar em detalhes sobre o que o seu governo tem
estado fazer em relação à questão de pacificação do país. E nisso
pode estar coberto de razão; a publicidade pode ter o efeito de
perturbar o bom andamento do processo negocial.
Mas é importante que nestas negociações tudo seja feito para evitar que mesmo depois de se ter alcançado um acordo, a crise volte
a repetir-se no futuro. E isto não se consegue apenas com garantias
jurídicas, aliás, como a actual situação bem testemunha.
As garantias que são necessárias devem ser específicas e realistas.
Ou seja, elas devem tomar em conta as causas do conflito, e encontrar a melhor forma de se ir de encontro com elas.
No acordo de 1992 acreditou-se que a questão fundamental era a
introdução de um quadro político que permitisse a participação de
todos os moçambicanos através do multipartidarismo. Quanto à
Renamo, esperava-se que ela iria conseguir transformar-se de um
grupo armado para uma formação política com todos os predicados inerentes a esse estatuto, participando em eleições e com a
possibilidade de poder constituir governo.
Contudo, a verdade é que nada disto aconteceu. O multipartidarismo faz parte do sistema político moçambicano, mas a Renamo
nunca conseguiu pela via eleitoral atingir o poder, alegando, desde
1994, mesmo sem provas consistentes, que as suas hipotéticas vitórias eleitorais lhe foram roubadas pela Frelimo. Não parece também que tenha conseguido transformar-se num partido político
no verdadeiro sentido do termo, com um alinhamento ideológico
claramente definido, para além da retórica de Dhlakama de que se
trata de um partido da direita, em contraposição com a esquerda
que a Frelimo representa. Uma análise política apurada colocaria
a Frelimo como um partido de direita, profundamente enraizado
numa ideologia feudo-capitalista.
Sem nunca ter conseguido alcançar o poder, a Renamo nunca beneficiou do espólio da guerra que moveu contra o governo durante
16 anos. E está convencida, agora mais do que nunca, que não será
pela via do plesbicito que chegará ao poder. Face a esta situação, a
melhor estratégia é forçar uma acomodação, recorrendo às armas
que sempre manteve em seu poder para alcançar esse objectivo.
Tendo fracassado nos seus esforços de obrigar a Assembleia da República a alterar a Constituição para permitir que governe as seis
províncias onde diz ter obtido a maioria, a Renamo parece estar
agora determinada a empurrar o governo para uma confrontação
armada aberta.
Parece ser uma estratégia de suicídio, mas que a Renamo e o seu
líder acreditam firmemente que irá funcionar. Será que a Frelimo
estará preparada a ceder, oferecendo alguns lugares no governo à
Renamo e por essa via evitar um possível banho de sangue? Todos
os dados indicam que não. Veremos em Março, quando o mais
recente ultimato da Renamo chegar ao fim.
N
um momento em
que a situação político-militar no país
se degrada de dia
para dia assistimos agora,
sem saber se rir ou chorar, à
guerra das palavras.
Pensemos, por exemplo, na
expressão “refugiados de
guerra”, que tem vindo a ser
usada, internacionalmente,
para designar os 4 a 5 milhares de moçambicanos
que estão em campos no
Malawi.
Ora as nossas autoridades
afirmam que o país está em
Paz, que não há guerra nenhuma dentro das nossas
fronteiras. E, não havendo
guerra, não pode haver refugiados de guerra, como
é óbvio. Pelo contrário, se
houver refugiados de guerra,
isso significa que, gostemos
disso ou não, em Moçambique há uma guerra.
Dentro deste espírito, Filipe
Nyusi afirmou, recentemente, que esses moçambicanos
estão no Malawi como sempre estiveram, em negócios,
visitando a família ou até fazendo turismo (cito de memória), dado que a ausência
de uma fronteira física facilita esse tipo de contactos.
Há dias o correspondente
da Rádio Moçambique no
Malawi entrevistou um responsável moçambicano da
área dos refugiados que garantiu, a pés juntos, que não
há refugiados de guerra no
Malawi, apenas deslocados.
Como o jornalista não achou
importante perguntar-lhe o
que terá feito deslocar-se esses milhares de pessoas para
fora do país, ele não se viu
obrigado a explicar. De resto
o correspondente da Rádio
no Malawi parece ainda não
ter sentido a necessidade de
ir ao local onde essas pessoas
estão para saber, em primeira mão, as razões.
De resto, se não estamos
em guerra neste momento,
não vai demorar a estarmos, infelizmente. E isto
pela simples razão de que
Filipe Nyusi, cheio de vontade de dialogar, não sabe
com quem. Estando Afonso
Dhlakama em parte incerta
sabe-se lá com quem se pode
falar na Renamo?
Estranho é que os assassinos
(Quem os terá enviado?)
parecem melhor informados que Nyusi. Não podendo atingir o Presidente da
Renamo atiraram contra o
Secretário Geral, seguindo a
lógica ordem hierárquica.
Preocupante quando os assassinos estão melhor informados que o Comandante
em Chefe das Forças de Defesa e Segurança...
Como digo mais acima não
sei se estas coisas dão para
rir ou para chorar mas, com
vidas humanas envolvidas
em sofrimento e morte,
inclino-me mais para o segundo caso
Nasce este artigo da reflexão
em volta da conformidade
ou não com a constituição,
de normas do Código de
Processo Penal atinentes ao regime
jurídico sobre interposição e admissibilidade de recurso nos processos
sumários e de polícia correccional,
reflexão corporizada em artigo inserido na edição do Jornal SAVANA
de 29 de Janeiro de 2016 cujo título
é “Breve reflexão sobre a inconstitucionalidade de normas do Código de
Processo Penal”.
No essencial expende o articulista
que os artigos 540, 561 e 651 do Có-
digo de Processo Penal que fixam o
regime jurídico atinente à interposi-
ção e admissibilidade do recurso em
processo sumário e de polícia correccional, são inconstitucionais por
violarem o disposto nos artigos 62
e 70 da Constituição da República.
Para sustentar tal conclusão, o ilustre
articulista defende que assim se deve
entender porque tais normas limitam
o exercício do direito fundamental à
defesa e ao acesso à justiça, e ainda,
que desrespeitam a garantia da ampla
defesa no processo penal, sem que,
no entender do articulista, se perceba
o que se pretende salvaguardar com o
conteúdo de tais normas.
Trata-se de uma opinião jurídica
com a qual não podemos obviamente estar de acordo. Embora sem
qualquer desprimor, a abordagem do
ilustre articulista, nos termos em que
se mostra feita, não podia conduzir
à diversa solução, isto é, não podia o
autor chegar à conclusão diversa da
que chegou, a de que são inconstitucionais tais normas, se se tomar
em conta que a abordagem padece,
a nosso ver, e antes das questões de
fundo, de dois grandes problemas de
método que reduzem a abordagem
ou reflexão a um notório erro de julgamento.
O primeiro problema é de método de
abordagem da questão. Neste ponto
deve dizer-se, e isto pode mesmo
concluir-se a partir da estrutura do
texto, que o articulista, ao fazer sua
análise ou ajuizamento, parte da norma ordinária para terminar na norma
constitucional.
Trata-se de um erro comum entre juristas, o de ler a constituição em fun-
ção das leis ordinárias e não as leis
ordinárias em função da constituição,
isto quando pretendem aferir a conformidade de uma norma ou normas
com a constituição, razão pela qual
não se encontra no artigo em crise
nenhuma discussão ou elaboração
em volta das disposições constitucionais relevante para a análise, neste caso, os artigos 62 e 70 da CRM,
senão a mera transcrição ou citação
das normas.
É pois, um erro com consequências
perniciosas sob ponto de vista técnico-jurídico como se pode ver da conclusão, a nosso ver apressada, a que
chega o articulista. Em bom rigor,
neste domínio, o juízo de aferição
sobre conformidade ou não de uma
norma com a constituição deve partir
Sobre a inconstitucionalidade de normas do Código de Processo Penal
Por João Guilherme 1
da constituição, para a lei ordinária
e terminar na própria constituição,
porque como é recorrente dizer-se,
não é constituição que se move na
esteira da lei ordinária, mas a lei ordinária que se deve moldar à constituição, pelo que tendo sido invertida
esta lógica hermenêutica primária,
abordagem não pode deixar de ser
defeituosa.
O segundo problema, que não é de
somenos importância, sendo também de método, situa-se já no domínio próprio da metódica sobre a
interpretação e fixação do sentido e
alcance das normas constitucionais
em face de um caso concreto. Neste
ponto se vislumbra que não discorre
o articulista sobre qual a norma ou
possíveis normas que se podem retirar do texto ou se se quiser, do elemento gráfico das normas dos artigos
62 e 70 da CRM, sendo essa opera-
ção uma exigência técnico-jurídica
essencial no domínio da fixação do
sentido e alcance das normas jurídicas em geral e no domínio da metó-
dica constitucional em particular. O
mesmo ajuizamento não se faz em
volta das próprias normas ordinárias
relevantes para a reflexão, o que é
inadmissível sob ponto de vista técnico-jurídico.
A consequência natural deste segundo problema é a impossibilidade de
perceber-se, pelo menos com total
alcance, a conclusão a que chega o
articulista quando afirma que as três
normas do código de processo penal
são inconstitucionais na medida em
que limitam o exercício do direito
a defesa e o acesso à justiça, já que
não pôde demonstrar o mesmo autor
qual é o sentido e alcance das normas constitucionais ou mesmo das
ordinárias relevantes para a análise
do caso. Isto é, não esclarece o articulista o alcance do direito fundamental de acesso à justiça e ao direito ou
o alcance do direito fundamental a
ampla defesa ou a um processo justo
e equitativo, o que lhe permitiria, se
tivesse procedido a tal operação, demonstrar com mais clareza se o âmbito e alcance dessas normas é ou não
compatível com limitações, restrições
ou condicionamento do direito ao
recurso enquanto garantia fundamental do réu no processo penal, já
que o carácter fundamental do direito, por si só, mesmo porque assim o
prevê a constituição, artigo 56 n.˚2,
não importa necessária ou automaticamente a não restrição, limitação ou
condicionamento do seu exercício.
Dito de outro modo, não basta dizer que as normas em causa violam
a constituição porque ou porque
restringem, retiram, ou porque condicionam este ou aquele direito, é
preciso demonstrar qual o sentido e
alcance das normas constitucionais
relevantes, isto é, qual a norma que
se retira por detrás do texto ou grafia
respectiva, e também por detrás das
próprias normas ordinárias, só depois
concluindo-se pela nocividade ou
não das normas ordinárias efectuado
que for o confronto do produto saído
desse que é um exercício exegético,
lançados os depoimentos para acta, isto
porque nenhum dos intervenientes
processuais declarou não prescindir
do recurso (é nosso o sublinhado), o
juiz terá de memorizar ou tomar nota
de tudo quanto é dito no julgamento e
que achar relevante para fazer a sentença, sem ajuda e conhecimento sobre
tais notas dos demais intervenientes do
julgamento, havendo assim espaço para
o juiz ferir o princípio da veracidade
deturpando o que foi dito no julgamento de relevante, uma vez ter certeza de
que não haverá recurso que possa anular
a sua decisão, já que no final sentença
é proferida com natureza de decisão
transitada em julgado e irrecorrível,
senão através de revisão extraordiná-
ria da sentença, ainda que a mesma seja
injusta ou contrária a lei (o itálico é do
articulista). Daí conclui o mesmo articulista que a norma que condiciona
o direito ao recurso a declaração pré-
via de não prescindir do mesmo seja
contrário à constituição.
Sem prejuízo para algum mérito que
uma opinião contrária e fundamentada pode neste argumento surpreender, vemos que há aqui um acumulado de equívocos e contradições.
Primeiro, porque em bom rigor, o
juiz não carece de ajuda de nenhuma
das partes para tomar notas durante a
audiência de discussão e julgamento,
prescinda-se ou não do recurso, seja
numa ou noutra forma do processo,
mais ou menos solene, e nem depois
de tomar dessas notas está obrigado
a dá-las a conhecer aos demais intervenientes processuais, que afinal,
porque estarão presentes (e devem
estar), estão livre de tomar suas notas
e influir na decisão final, no formato dos poderes que a quadratura do
processo penal, tal como se mostra
desenhada, lhes permite intervir e in-
fluenciar na formação da decisão da
causa. O juiz está apenas obrigado a
produzir a prova legal suficiente para
decidir de forma segura e portanto,
conscienciosa, optando na aplicação
do direito pela solução mais plausível
em direito aplicável ao caso e apenas a isso, tudo no quadro dos factos
apurados e demonstrados no decurso
da audiência de discussão e julgamento. Isto importa, dependendo de
terem os intervenientes processuais
prescindindo ou não do recurso, o
dever de o juiz de ditar para a acta os
depoimentos prestados durante a audiência, o que mesmo pode ser pelos
próprios intervenientes.
Segundo, porque tal como se mostra
desenhado o figurino do processo
penal pátrio, inexiste possibilidade
de o juiz proferir uma decisão com
a certeza de que ela fará em definitivo coisa julgada, já que se não for
admissível o recurso ordinário, como
no caso de as partes não declarem
que dele não prescindem, em caso
de uma situação como aquela a que
alude o articulista, haverá sempre
possibilidade de recurso extraordinário, pelo que o temor ou medo
do articulista, argumento de fundo,
não tem razão de ser vez que o direito de recurso enquanto garantia
fundamental estará sempre assegurado ao réu. De todo o modo, não é
a possibilidade de juiz ou qualquer
interveniente processual poder manipular ou manietar a lei que tornam
essa lei inconstitucional, mas apenas
a desconformidade da norma com
os valores e ditames constitucionais.
Para a actuação anómala dos juízes
ou restantes intervenientes processuais a lei previu sanções próprias quer
a nível do próprio processo, a nível
disciplinar ou criminal.
Terceiro, porque das normas em causa, após uma operação interpretativa orientada a fixar-lhes o sentido e
alcance, não resulta amputação do
direito fundamental ao recurso. As
normas em causa não proíbem o réu
de recorrer da sentença. Apenas condicionam o exercício desse direito à
prática de um acto (declaração de
que não prescinde do recurso e interposição imediata do mesmo após
proferição da sentença) actos dependentes da vontade do próprio réu, e
não de qualquer outro interveniente,
factor ou situação que esteja fora do
domínio processual dos poderes do
próprio réu.
Assiste ao réu o direito de recorrer
da sentença desde que declare antes
do início do interrogatório que não
prescinde do recurso e o interponha
logo a seguir a proferição da senten-
ça, donde o réu pode até não prescindir do recurso e ainda assim não
recorrer da decisão proferida que se
mostrar a sentença ou interpô-lo de
imediato, portanto, tempestivamente, no entanto, do mesmo desistir.
Houve apenas um condicionamento
quanto ao requisito para interposi-
ção, em termos de definir-se qual a
condição para o réu interpor recurso
e ainda na perspectiva temporária, no
sentido de que foi reduzido o prazo
para interposição, se se comparar por
exemplo em relação ao processo de
querela que é a forma mais solene
de processo na província do direito
penal.
Essa norma, dado que o poder de decisão sobre a recorribilidade ou não
da sentença, está na plena disposição
do réu, não nos parece que seja incompatível com o direito reconhecido aos cidadãos de aceder à justiça e
ao direito ou de recorrerem aos tribunais como se expende na reflexão
do articulista. Por força daqueles dois
direitos fundamentais, e como bem
tem vindo a expender o nosso Venerando Conselho Constitucional,
o Estado fica obrigado a criar condi-
ções para que os cidadãos possam ter
acesso ao direito e à justiça e, portanto, aos tribunais (obrigação positiva
ou competência positiva) e também,
fica o mesmo Estado proibido de colocar óbices ao exercício de tais direitos, incluindo por via de produção
legislativa (obrigação de conteúdo
negativo ou competência negativa)3
,
o que não nos parece ser o caso das
normas dos artigos do Código de
Processo Penal ora em debate na re-
flexão do articulista.
Mas também não são, ou pelo menos não nos parecem incompatíveis
tais normas, as do código de processo penal indicadas no artigo, com o
direito fundamental a ampla defesa
e muito menos com a presunção da
inocência, como também de forma
sedutora, porém, menos convincente,
pretende o articulista. Como é bem
sabido, o moderno direito do processo seja ele penal, civil administrativo
ou de qualquer outra província do
direito, alimentas–se do chamado
princípio do contraditório e da ampla defesa, uma garantia fundamental porque constitucional, que no
essencial proíbe que qualquer pessoa
possa suportar a decisão proferida
no final de um processo, neste caso
judicial, em que não tenha tido oportunidade de intervir e por isso, influir
na formação da decisão nos termos
legalmente previstos. Já o da presun-
ção da inocência, direito de todo o
acusado em processo criminal, também com estatura constitucional, recomenda que só uma sentença com
trânsito em julgado pode fulminar
como culpado o acusado, e somente
a sentença transitada em julgado.
Ora, deslindados em teremos essenciais os princípios do contraditório
e da ampla defesa e o da presunção
da inocência, pensamos embora com
merecido respeito por opinião diversa, que só deformando a imagem natural das coisas se pode concluir que
a norma que condiciona a interposi-
ção do recurso à declaração prévia do
réu, do Ministério Público ou Assistente de que dele não prescindem, e
aquela que impõe a interposição do
recurso logo após a leitura da senten-
ça sejam inconstitucionais, simplesmente porque não há uma relação
directa e muito menos necessária
entre uma e outra norma ou entre
norma ordinária e princípios indicados pelo articulistas, já que o réu
terá participado em todo o processo,
sendo que apenas terá de optar por
prescindir ou não do direito de recorrer da decisão no início da sessão.
O mesmo poderá dizer-se em relação ao princípio da presunção da
inocência que não tem relação directa com as normas em causa, uma vez
que uma coisa é a decisão desagradar
o condenado mas ser definitiva porque o mesmo prescindiu de recurso,
e outra bem diversa é transformar
uma decisão ainda não transitada em
julgado em decisão definitiva, como
seria o caso de qualquer uma dessas
normas ou outra, permitir a execu-
ção de sentença condenatória em
processo criminal estando a decisão
pendente de recurso, o que definitivamente não é o caso.
Deve lembrar-se que inconstitucionalidade relevante sob ponto de
vista jurídico-constitucional, é a inconstitucionalidade directa, pelo que
para formulação certa desse juízo
deve haver uma relação directa entre a norma ordinária cuja validade
em face da constituição se pretende
aferir e a norma ou princípio constitucional que serve de parâmetro (
parametricidade constitucional4
), no
sentido de que para que se fale de inconstitucionalidade, neste caso material, a norma inferior deve tirar seu
fundamento de forma directa e não
indirecta ou interposta da norma ou
princípio constitucional que serve de
referência para o formulação do juízo
de inconstitucionalidade, o que não
se verifica entre aquelas normas e os
princípio do contraditório e da ampla
defesa e da presunção da inocência
e mesmo em face do princípio que
impõe o due process of law em termos
mais restritos. Sendo assim, é evidente que a opinião expressa no artigo
em crise míngua de fundamento por
ter ignorado na formulação do juízo
de inconstitucionalidade este que é
na verdade um essencial requisito de
ordem substantiva para formulação
correcta do juízo de inconstitucionalidade, a exigência de uma relação
direita entre a norma ordinária e a
constitucional.
Não há por isso, contrariamente à
opinião jurídica do articulista, qualquer ardil do legislador do código de
processo penal ao prever tais normas,
nem ratoeira alguma, já porque as
razões de assim legislar-se são cognoscíveis em face da própria lei, já
porque cum grano salis, obviamente
não existirão ratos a intervir no processo penal onde só perfilam aqueles
intervenientes processuais que a lei
bem os discrimina, entre os quais, o
advogado, que como é bom de ver é
também o ilustre articulista.
Bem visto o processo penal pátrio,
o nosso processo sumário – crime é
na verdade uma espécie de processo
abreviado, e o de polícia correccional
segue-lhe como um processo semi
–abreviado pelo menos no domínio
recursório, processos a que a lei quis
atribuir brevidade na tramitação e
decisão sem obviamente prejudicar
as garantias fundamentais e processuais do acusado, pelo que tal formalismo não pode deixar de responder
a uma exigência já velha do direito, a
celeridade processual para obtenção
ou formação de decisão em prazo
razoável5
perante casos que o legislador, na sua liberdade de conforma-
ção da ordem jurídico-constitucional
(que não é arbitrária) entendeu, e
pensamos que bem, serem de diminuta complexidade. Obviamente que
a celeridade não interessa apenas ao
autor da demanda, é também relevante e em grande medida, para a
tranquilidade o réu.
E não é por acaso que em processo
sumário, por exemplo, o julgamento
é ou deve ser imediato ou até 15 dias
contados da apresentação do réu a
juízo, podendo ser oral a sentença e
apenas consignada em acta a decisão,
pelo que modelação legislativa ao ní-
vel do campo do recurso segue esta
intenção do legislador de garantir
celeridade processual, exactamente
uma vertente do direito de acesso à
justiça e ao direito de que devem beneficiar todos os que recorrerem aos
tribunais, principalmente nos processos criminais onde se lida com a
liberdade das pessoas.
Em conclusão, diga-se que a abordagem do articulista enferma de vício
de método quer na perspectiva de
como inicia o processo de ajuizamento, que parte da norma ordinária
para a constituição devendo ser a inversa, como também, não procede a
nenhuma operação prévia de fixação
de sentido e alcance quer das normas ordinárias quer das constitucionais que servem de parâmetro, para
só depois de essa operação concluir
pela nocividade ou não das normas
ordinárias após o confronto das regras surpreendidas por detrás da letra
ou grafia das normas relevantes para
análise do caso, isto por uma banda.
Por outra, o articulista transforma
incompreensivelmente a possibilidade, ainda que não remota, de os intervenientes processuais (seja o juiz
ou qualquer outro) manipularem a lei
em seu benefício ou de terceiro, em
critério para aferição da conformidade da lei com a constituição, o que
não colhe nossos favores; subverte a
disciplina do processo no domínio
recursório ao quedar-se para a ideia
de que há possibilidade de a decisão
judicial fazer, sem apelo e nem agravo, coisa julgada, quando a aplicação
da lei tenha sido dolosamente, e ainda que fosse involuntariamente, malévola; ignora a exigência do requisito substantivo (relação directa entre
norma ordinária e constitucional em
confronto) no juízo da inconstitucionalidade e finalmente, do direito ao
acesso à justiça, o articulista olvida
que está contido o direito de obten-
ção de decisão em tempo razoável,
uma dimensão que o mesmo articulista não consegue surpreendê-la no
espírito daquelas normas, embora
esteja mesmo colocada à testa da lei
para quem obviamente a interprete
antes de aplicá-la como é recomendável.
Opinião jurídica expressa no artigo,
sem qualquer desprimor, merece todos estes reparos pelo que não nos
parece corresponder a inteira verdade jurídica.
metódica que não foi acautelada pelo
ilustre articulista.
Se sobre a constituição Charle de
Gaulle sentenciou que “ela é um
envelope e o que está contido dentro dele surge no e do dinamismo
da vida político-social”, para o caso
concreto desta reflexão, podemos dizer já com Eros Roberto Grau2
que
“a interpretação da constituição tem
um carácter constitutivo e não meramente declaratório (contrariamente
ao que parece entender o nosso articulista) pois, consiste na produção
pelo intérprete, a partir dos textos
normativos e dos factos atinentes a
um determinado caso, de normas jurídicas a serem ponderadas para solução desse caso, mediante definição
de uma norma de decisão. Interpretar ou aplicar é dar concreção ao direito”. Estes ensinamentos não foram
considerados pelo articulista.
Mas longe destes grandes dois problemas de que a nosso ver enferma
a opinião jurídica do articulista, os
fundamentos em concreto aduzidos
para sustentarem a tese da inconstitucionalidade das normas do Código
de Processo Penal acima aludidos,
não resistem ao primeiro, pequeno e
leve teste de resistência lógica e jurídica.
É que uma perfunctória análise do
artigo deixa claro que o articulista,
na verdade, propugna inconstitucionalidade material das normas em
causa porque como refere, não sendo
1 Juiz de Direito
2 Eros Roberto Grau, sobre interpretação da
constituição (Constituição Formal e constitui-
ção material)
3 Vide acórdão 3/CC/2011 de 7 de Outubro
4 Termo emprestado de Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição,
Almedina, 7ª edição (reimpressão, Coimbra,
2003.
5A respeito do prazo razoável, escreve José
Lebre de Freitas que “o entendimento do direito de acesso a justiça como efectivo direito a
jurisdição implica ainda que a resposta judicial
á pretensão deduzida tenha lugar em prazo
razoável, pois uma decisão (…) tardia pode
equivaler a denegação da justiça”. Obviamente
que sendo o acesso a justiça um direito fundamental e não cabendo ao constituinte normar
com exaustão sobre a sua efectivação, é ao
legislador ordinário que impende a obrigação
de efectivá-lo, entre várias vias, pela produção
de normas ordinárias, embora sempre tendo
a constituição como limite que neste caso, não
nos parece que tenha o legislador com ela se
divorciado.
Um programa de reflexão crí-
tica sobre o que dizem e escrevem grande parte daqueles
que dizem que sua tarefa é
pensar é imprescindível. Tal como
podemos falar da burocratização das
identidades, podemos igualmente falar de burocratização do pensamento.
Assim, urge perguntar que teor reflexivo trazem seus pensamentos? De
outra forma, que função têm eles que
não seja a de manter a perversidade
e incompreensão da nossa sociedade?
Ou seja, até que ponto as suas análises
ou divagações não são elas próprias
produtoras dos problemas que a nossa
sociedade conhece hoje.
Na verdade, lendo, no sentido de Deleuze, o que eles dizem, sempre excepcionando alguns, temos a impressão
de estarmos diante de um pensamento sem reflexividade, ou melhor, de
um funcionário de cartório ou de um
professor de uma escola de condução
em que a sua função é repetir ou reproduzir sempre a regra dominante,
as normas instituídas. Isso nega aquilo que o Prof. Macuane disse-me uma
vez sobre as CS, elas deviam «desvendar as engrenagens complexas dos
processos políticos pois esse deve ser
o objecto das ciências sociais».
O sentido profundo do pensamento deve ultrapassar a mediocridade
da quotidianidade e absurdidade das
paixões que não relevam da profundidade do acto mesmo de pensar como
ruptura e como ultrapassagem. Assim,
não podemos negar que muito do que
lemos reflecte as paixões circunstanciais, fugindo assim à reflexividade
reflexiva (Bourdieu) que permitiria
transformar o acto de pensar num
acto de radicalização reflexiva dos
fenómenos pensados. Nas suas aulas
de 2000-2001, no prestigiado Collège
de France, intituladas «Science de la
Science et reflevité», Bourdieu diz-
-nos que para pensar a sociedade é
preciso igualmente voltar-se contra
aqueles que pensam pois esses últimos
podem ser o vector das absurdidades
Burocratização do pensamento em Moçambique!
Por Régio Conrado
do noções seja dos espaços comuns ou
ainda do Estado a que se pretendem
críticos. Neste caso, em Moçambique,
onde é que esta a atitude contra a estatização e reificação do pensamento,
aquele pensamento que se nega como
extensão do poder político? Encontramo-lo em muito poucos.
Se as análises de grande parte dos que
têm como profissão pensar se resume
a reproduzir explicações neoliberais,
que são hoje o fundamento das políticas do governo, não podemos não
dizer que esses académicos são funcionários ou mesmo agentes do Estado, e entrementes, do poder político
no sentido estritamente marxista do
termo. É aqui que acho que o processo de burocratização do pensamento
pelo esvaziamento do pensamento
como acto transcendente no sentido
de marcuse e não metafísico, cria um
pensamento que é essencialmente burocrático e que burocratiza a compreensão e imaginação da sociedade que
os lê.
Em 1968 era publicada na França a
obra «l’homme unidimensionnel» de
H. Marcuse em que na sua introdução
fala da dormência da crítica e de uma
sociedade sem oposição.
Estes últimos, permite-me dizer que
se há uma fragilidade da nossa sociedade é que aqueles que deveriam ser
produtores de alternativas de pensar
são, na sua grande maioria, responsáveis pelo fechamento do discurso
(Marcuse) na medida em que usam
categorias ora vazias ora improdutivas
e problemáticas, como por exemplo,
Estado de direito democrático, sem
mesmo explicar a construção e as
contradiçoes que o justificam. Não
há crítica a essas categorias. O rigor
da linguagem (Wittgenstein) é estirpado.
Os conceitos são tidos como absolutos
como as normas numa admnistração
pública jacobina. Com assaz antecedência sabemos que os ditos intelectuais vão reproduzir (in)conscientemente as práticas discursivas do
aparelho ideológico e discursivo
dominante mesmo que se façam
passar de «altos críticos do sistema». Ademais, o problema é que
os instrumentos que usam para a
crítica são os instrumentos daqueles a que criticam. Nesses termos,
não podemos falar de outra coisa
que da institucionalização do discurso estatal, governamental no
discurso falsamente crítico dos
que se dizem ser académicos.
O pensamento como essa possibilidade radical de desconstruir
os fundamentos dos regimes de
verdade deve ser essencialmente uma saída da menoridade
à maioridade do pensamento
(Kant) para que a burocratização
do pensamento não seja um acto
realizado.
A realização do pensar como acto lo que tem sido hoje denunciado
pelo Filósofo Michel Onfray como pensamento em repetição acrítica e a burocratização das nossas CS, D
capacidade dos regimes de verdades dominantes de se imporem,
mas dos interesses que podem
estar a estruturar os grupos que
se fazem passar por académicos
e a incapacidade de fazer das
CS lugar por excelência de descontrução radical do mundo. Ou
seja, podemos estar a viver numa
sociedade em que grande partes
dos académicos decidindo viver
e apreciando o mudus vivendi daqueles a quem criticam, produzem um pensamento distante da
crítica radical desse sistema, o que
os permite não pôr em causa a sua
própria posição na sociedade.
A forma de produção do pensa o grau do comprometimento ou
não dos intelectuais com o poder
instituído.
O
Presidente Filipe Nyusi
D
eixou-nos, no passado dia
18 de Janeiro Dr. Almeida
Santos, figura inconfundí-
vel desta nossa democracia,
agora em perda de carga. Poucas
grandes figuras desta terceira República terão sido tão controversas,
tão admiradas e tão criticadas, tão
amadas e tão odiadas, quase sempre
tão mal entendidas, na sua soberba
complexidade.
É próprio destes dias de luto, que se
seguem ao desaparecimento de um
vulto de grandes dimensões, como
este, proceder-se à sua quase canonização. Almeida Santos, para que
a sua marca na História permaneça,
não precisa destes pífios favores. Era
uma lenda? Era. Mas era mais e melhor do que isso: era um homem em
grande formato, dotado de excelsas
qualidades e de óbvios defeitos.
Pretender, de um político, virtudes
imaculadas de vestal é desconhecer a
massa de que se fazem estes animais
magníficos e imperfeitos. Ortega
y Gasset, no seu admirável ensaio
“Mirabeau o el político”, estudou-os
como ninguém, não os santificando
nem os crucificando: apenas tentando compreendê-los. O seu relato
conclusivo, repito, nem os hipertro-
fia nem os diminui: caracteriza-os.
Sem evitar as asperezas da realidade,
mas também sem com elas se deprimir. Segundo o grande pensador
espanhol, há que distinguir entre os
“ideais” e os “arquétipos”: “Os ideais
são as coisas conforme estimamos
que deveriam ser. Os arquétipos são
as coisas conforme a inelutável realidade. Se nos habituássemos”, continua Ortega, “a buscar, de cada coisa,
o seu arquétipo, a estrutura essencial
que a Natureza, pelos vistos, lhes
quis dar, evitaríamos formar dessa
mesma coisa um ideal absurdo que
Almeida Santos
contradiz as suas condições mais
elementares.
Assim, costuma pensar-se que o
político ideal seria um homem que,
além de ser um grande estadista,
fosse também uma boa pessoa. Mas
será que isto possível? Os ideais”,
conclui o autor de La rebelión de las
masas, “são as coisas recriadas pelo
nosso desejo – são desiderata - . Mas
que direito temos nós de desejar o
impossível, de considerar como ideal o quadrado redondo?” Esta quadratura do círculo não a conseguiu
Almeida Santos, completamente,
como o não conseguiu nenhum
grande político antes dele: seria
contra a própria natureza das coisas.
Mas, se o autor de Rã no Pântano
não correspondeu nunca ao modelo do puro “ideal”, menos ainda
se situou no de puro “arquétipo”.
Equilibrando-se, instavelmente, entre uma sincera busca de ideais e de
princípios e uma necessária e conflituante rendição às asperezas da realidade e do compromisso, Almeida
Santos seguiu o percurso normal de
quase todos os políticos que fizeram
história. Os que, como Herculano,
visam um ideal quimicamente puro
e rejeitam frontalmente o resignado
arquétipo – acabam fatalmente em
Vale de Lobos: grandes padrões de
ética, mas políticos fracassados e
amargurados (“Isto dá vontade de
morrer!” e outras proclamações de
igual gosto e ineficácia). O verdadeiro político não hesita em sujar
as mãos, ao serviço de um qualquer
objectivo. Mas, cuidado: suja-as por
nós, para que alguns de nós, egoistamente, nos possamos gabar de as
manter limpas. Digamos que evangelicamente se perdem para que outros se possam salvar.
Ortega considerava haver dois tipos
de homens: os ocupados e os preocupados, ou seja: os políticos (sempre ocupados, sempre agindo ou
fazendo) e os intelectuais (sempre
preocupados, sempre interpondo
ideias “entre o desejar e o executar”).
Almeida Santos não cabia inteira e
exclusivamente em nenhuma destas duas categorias: era um político
(gostava de fazer, de actuar, de executar), mas era também um intelectual (gostava de sonhar, de visionar,
de pensar, de interpor ideias). Era,
como intelectual, um escritor, de
abundante bibliografia. Tem sido
dito que era mesmo um admirável
escritor e um empolgante orador (o
que muito lhe teria valido nos seus
prélios de causídico). Dizia Étienne
Dumont, testemunhando sobre Mirabeau, que “a eloquência é o encanto dos homens reunidos”. Muitos se
sentiram enfeitiçados pela palavra
fluente, floreada, castiça do tribuno
Almeida Santos. Permita-se-me
observar, sem sombra de acinte,
que, como o vinho, ele foi melhorando com a idade: inicialmente, a
sua prosa – falada ou escrita – enrodilhava-se, um tanto ou quanto,
em meu entender, numa “Ramalhal”
abundância, com algum toque de
mau gosto; porém, com o decorrer
dos tempos, foi sabendo descascá-la
até lhe dar o escorreito e a limpidez
dos textos mais clássicos. O seu livro Nova Galeria de Quase Retratos contém peças admiráveis sobre
Mandela, Afonso Costa, Mouzinho
da Silveira, Miguel Torga, entre outros.
Como o verdadeiro animal político
que gosta de se ocupar (Mirabeau
desentranhava-se em actividade
imparável mesmo quando se encontrava encarcerado…), Almeida Santos era um trabalhador incansável:
abatia tarefas, como quem respira:
grande legislador, governante extremamente operoso, escritor abundante, viajante intemerato, político
e intelectual doublé de infatigável
homem de negócios – e o mais que
aqui se não diz…
Era formidavelmente trabalhador,
era fecundo, era generoso.
Recebia muito e dava muito. Os
gestos da sua abertura aos outros
(sem falar nas defesas pro bono
de presos políticos), em Lourenço
Marques, onde se estabeleceu, como
advogado, em 1953 e, depois, em
Lisboa, eram conhecidos e não foram poucos.
Um exemplo só: numa manhã de
sábado perdida, na baixa laurentina,
junto à loja de discos do João Reis,
ia Almeida Santos a passar, atira-lhe
o Rui Knopfli, sempre gavroche e
provocador: “Ó António, pagas-
-me a edição do meu livro de poesia?” Sem hesitar, com um sorriso
galhardo, Almeida Santos saca do
livro de cheques e da caneta: “De
quanto precisas?” Generoso, a seguir
à independência das colónias, ajudou meio mundo a recomeçar vida
em Portugal. Alguns – vários – dos
que vieram pedir-lhe ajuda tinham-
-no, antes, profusamente caluniado.
E continuaram a fazê-lo, com vigor
acrescido, depois de devidamente
atendidos. A gratidão pesa. Escoicinhar alivia.
Generoso, pois. Mas também pragmático, homem de negócios, com
tudo, de menos bom, que tal encargo
acarreta. Corajoso e eloquente oposicionista, era muito capaz de jantar
com o diabo e de conviver com o
inimigo. O seu “charme”, com laivos
de casticismo, era, para muitos, irresistível. Abatia, como disse, horas
imensas de trabalho, com um sorriso sereno, de quem se não cansa e
muito menos se descompõe: fazia-o
com aquela aparente “força fácil” de
que falava o Eça.
A literatura incriminadora dos políticos é abundante e contundente.
Diz-se deles cobras e lagartos, porque são capazes de passar por toda a
folha, para chegarem onde querem
chegar.
Ortega não ilude o problema e fala,
com aguda perceptividade, naquela,
digamos, “falta de escrúpulos” que
faz parte do equipamento de todo o
político. Falta de escrúpulos que ele
logo avisa não dever confundir-se
com “imoralidade”. Eu cito: “Não
acusemos, pois, de imoralidade o
grande político. Em vez disso, digamos que lhe falta o sentido de escrú-
pulo. Mas um homem escrupuloso
não pode ser um homem de acção.
O escrúpulo é uma qualidade matemática, intelectual: é a exactidão
aplicada à valoração ética das acções.
Se se examina com cuidado a vida
de Mirabeau, de César, de Napoleão,
vê-se que a presumida maldade não
é senão a falta de escrúpulo anexa
a todo o temperamento activista e,
portanto impulsivo.” Seja dito que
só em parte pequena isto se aplica
ao político (por isso algo) “imperfeito” (embora grande) que foi Almeida Santos: mas não poderia ficar
imune – como político – ao escalpe
analítico do grande filósofo.
Pela parte que me toca, fiquei a dever a Almeida Santos testemunhos
vários da sua generosidade e amizade. E não me pesa a gratidão que
sinto.
Muitos que regressaram de África, a
seguir às independências, têm acusado o autor de Pela Santa Liberdade de ser o principal responsável
pelos terríveis problemas que acompanharam o processo da descolonização. É injusto e é, sobretudo,
falso. Essa responsabilidade situa-se
muito a montante: deve-se fundamentalmente à teimosia de Salazar
e à inacção de Marcelo Caetano. Almeida Santos limitou-se a apanhar
os cacos de uma política míope e
tonta. E fê-lo com enorme empenho, certeira eficácia, muita energia
e um grande coração.
*ensaísta, antigo residente em
Moçambique.
E
la chora, ela chora dia e noite
e toda a cidade de Quelimane está a ouvir o choro dela e
ninguém liga. Seis governadores passaram de perto e olharam
para ela. Os pés dela estão inflamados, até passam aos poucos para a
fase de podridão. Na barriga ela tem
um cancro e o pus está a sair. Apesar
disso ela tenta ficar em pé e mesmo
ainda dar conforto aos que vivem
com ela. Primeiro eram na maioria
pessoas, mas agora também são os
ratos. Ratos em todo o lado de cima
para baixo enterrados e vivendo no
lixo. Lixo velho e lixo novo, lixo de
ontem, lixo de hoje, acumulado em
cada lugar onde a preguiça manda.
Escadas com 5 a 10 metros de lixo,
elevadores cheio de lixo; lixo em
todo o lado. A barriga dela está cheia
e ela vomita águas negras. Além dos
moradores e ratos estão lá os empregados. São os jovens do Ile, Namaroi
e Lugela. Jovens cheio de vontade
de estar na cidade. Pé descalços, de
calção e mal pagos, mas mantendo
mínima higiene no prédio porque
eles carregam a água para cima todos
os dias, bidons e bidons. Eles trazem
o carvão e cozinham nas varandas.
Conheço-a já há trinta anos quando
ainda consegui ver um fulgor da beleza dela. Eu vivi com ela e conhecia
a elegância das escadas dela e percebi
que ela teve elevadores estilosos, um
sistema de abastecimento de água
colectivo e eficaz. A casa dela era
convidativa. A robustez dela atractiva. Cruzei cada dia nas escadas com
o erudito sociólogo David Aloni. A
casa onde vivi era dum agrónomo
reformado e apanhei ainda obras
sobre arroz e algodão. No meio da
guerra consegui ainda cheirar os últimos restos da grandeza da Província. A partir daí tudo foi baixando,
caindo para o pior. O pior que não
conseguimos imaginar, mas que está
a acontecer em frente de nos hoje
em dia. Ela, apesar da idade, ainda
tem dois maridos, quer dizer não
são maridos na verdade são mais
pretendentes dela. Um de comportamento razoável, o outro malandro.
O primeiro quer casar com ela já vão
vinte anos, mas o outro enganou-a,
também já há muitos anos. O último
tinha apoio de marginais formais.
Portanto, embora doente, velha e
quase a morrer, ela ainda tem dois
noivos. Estes fiancés estão a lutar há
já vários anos e preparados a ir até à
última gota de sangue dela. Ambos
trazem de vez em quando um doce
para ela. Um doce que ela recebe
com um sorriso cínico. Os poderes
olham e deixam ela sofrer. Os morcegos piscam o olho.
Enquanto a luta dos noivos continua
estamos todos lá. Alguns já começaram a cortar através da privatização
e tribunal partes do corpo dela. A
árvore majestosa atrás da casa dela já
foi cortada e os moradores perderam
a sombra. Uma família, Pai, Mãe e
crianças estão a viver na sobre loja
abandonada no meio das águas negras que lá estão a cair. Eu por enquanto tento estar com ela, ouvir o
suspirar dela. Não a posso abandonar porque ela é símbolo para muitas
coisas deste País.
Bases da legitimidade política
N
os primeiros anos da luta
armada de libertação nacional surgiu o que Eduardo Mondlane chamou
“problema prático”: “O vazio
deixado pela destruição da situação colonial pôs um problema
prático […]: o desaparecimento
duma série de serviços inerentes
à dominação portuguesa, especialmente serviços comerciais,
enquanto o povo continuava a
existir e a necessitar deles. [Durante algum tempo, o problema
foi agudo. […] Não estávamos
preparados para o trabalho que
tínhamos pela frente. […] onde
os camponeses não compreendiam as razões, retiravam o seu
apoio à luta e, nalguns casos, partiam mesmo definitivamente.”
Palavras do Presidente Filipe
Nyusi há dias: “[...] enquanto
continuar o povo sem água, sem
energia, sem escolas suficientes,
sem hospitais, sem saúde, ainda
não teremos cumprido a missão
pela qual os nossos heróis tombaram como dos que também
estão vivos, em todo o país.”
O
chefe de mobilização e propaganda da Renamo ao
nível da província de Sofala, Horácio Calavete, disse esta segunda-feira, em conferência de imprensa
por si concedida na cidade da Beira, que, em reac-
ção aos raptos e posterior assassinato de que estão a ser alvo
os delegados do maior partido da oposição a nível de base,
em vários pontos das províncias da região centro do país
(Sofala, Manica, Tete e Zambézia), a formação política de
que ele é membro iria montar postos de controlo nalgumas
estradas por aquela região, para que todos os carros suspeitos de transportar os que perpetram tais actos criminosos
possam ser revistados.
O problemático anúncio feito ao princípio desta semana
acontece num contexto em que já se estão a tornar infelizmente frequentes situações de raptos, baleamentos e, quase
sempre, assassinatos de dirigentes de base da Renamo e da
Frelimo, não havendo, quase em absoluto, dúvidas de que
aquelas acções têm como mote a intolerância política entre
os dois principais partidos políticos, não se sabendo se com
o aval ou não das suas lideranças de alto nível. A Renamo, como resultado dos pontos não devidamente geridos
no Acordo Geral de Paz (AGP), assinado a 4 de Outubro
de 1992, em Roma, ainda mantém guarda armada, não se
sabendo em concreto quantos homens e mulheres; a Frelimo, acredita-se, não é um partido armado, mas, estando
no Governo, num contexto em que as Forças de Defesa e
Segurança (FDS) parecem politicamente independentes
apenas em termos teóricos, pode ter controlo mais do que
razoável sobre os gendarmes e/ou militares.
Apesar de o contexto aparentar ser mais desfavorável à
Renamo, com o que, até prova em contrário, parece ser o
partido que está a ver maior número de elementos seus a
serem raptados e executados, achamos ser absolutamente
desnecessário o extremismo em que o partido liderado por
Afonso Dhlakama se está a envolver, manifestado, de resto,
por irresponsáveis declarações como as proferidas pelo chefe de mobilização e propaganda daquele partido em Sofala.
Não estamos, de jeito nenhum, a dizer que a liderança da
Renamo deveria ficar indiferente ao que se está a passar,
num quadro em que tanto o seu presidente como o secretário-geral – Afonso Dhlakama e Manuel Bissopo, respectivamente – já foram, eles próprios, alvos de atentados às
suas vidas. Mas afigura-se-nos absolutamente kamikaziano
optar por vias de clara e cristalina irresponsabilidade, supostamente em resposta às situações tais.
Apesar do que a Renamo habitualmente refere serem as entidades estaduais responsáveis pela investigação de situação
daquela índole, pensamos que, até como forma de reunir
elementos para consubstanciar alegações tais, o maior partido da oposição deveria cuidar de exigir das autoridades
o esclarecimento daqueles tristes casos. Aliás, antes disso
deveria solicitar o controlo da situação, o que passaria, naturalmente, pelo reforço das medidas de segurança e/ou de
policiamento.
Por outro lado, uma denúncia pública, firme e veemente do
que está a suceder, expondo factual e compreensivelmente
todos os elementos à sua disposição, concorreria para que,
muito facilmente, a Renamo colhesse apoio de influentes
segmentos domésticos e internacionais. Quanto a este último domínio, cremos que solicitar a intervenção dalgumas
representações diplomáticas jogaria a favor da Renamo,
diferentemente da opção por vias que, pela sua gravidade,
colocam em causa todos os alicerces do Estado moçambicano. Não se exclui, nisso, as próprias instâncias internacionais responsáveis pela salvaguarda dos direitos humanos,
no quadro do que se destaca a protecção da vida, o mais
importante bem jurídico.
Sendo questionado pelos cidadãos o facto de, amiúde,
agentes da Polícia de Protecção se envolverem em acções
normalmente sob a alçada dos seus colegas da Polícia de
Trânsito, não se esperaria apoio popular nessa empreitada
que a Renamo diz pretender abraçar, designadamente a instalações de postos de controlo de viaturas. Com que base
a guarda armada da Renamo há-de mandar parar viaturas,
solicitar documentos aos ocupantes das mesmas e efectuar
vasculhas? Até as próprias forças policiais são, em situações
ordinárias, proibidas de fazer isso, em homenagem à liberdade de circulação e/ou movimento, que é, em Moçambique, um direito fundamental!
Na verdade, é expectável que, caso a Renamo avance com
o que foi esta segunda-feira anunciado na Beira, as FDS
respondam de forma violenta, com o que mais sangue será
derramado. Sobretudo agora que estamos a menos de 20
dias do prazo avançado pelo líder da Renamo, em várias
teleconferências e entrevistas, para o “início da governação”,
pelo maior partido da oposição, nas províncias em que ele
e/ou o seu líder reivindicam ter ganho.
O que está a acontecer, reiteramos, é extremamente grave. Contudo, pensar que o estabelecimento de postos de
controlo, não se sabendo com que suporte jurídico-legal, se
algum, pode resolver o que se está a verificar, é uma atitude lamentável. É, há que sublinhar, tempo de a Renamo
se compatibilizar com as suas responsabilidades estatuais,
sobretudo no actual contexto de paz podre, no qual até encontros que deveriam ser a coisa mais comum e que nem
deveriam ser elevados ao estatuto de notícia, senão mera
informação (reuniões regulares entre o Presidente da República e o segundo candidato mais votado), são das coisas
cada vez mais raras.
O extremismo da Renamo, porque inútil, como o é quase
sempre o extremismo, a ninguém beneficiará, incluindo à
própria Renamo!
RELATIVIZANDO
Por Ericino de Salema.
D
uas correntes de pensamento ganham, crescentemente, na praça
política e social de Moçambique,
cada vez mais nitidez pelo facto de
não se interpenetrarem no campo do entendimento e das soluções políticas que o país
procura. Duas correntes à procura de mais e
mais argumentos para que cada uma delas
se afirme como a mais válida relativamente a outra. São correntes que parecem dever
algo à comissão da verdade e reconciliação
nacional, que por estas bandas não existe e
nem existiu.
A primeira corrente defende, há já algum
tempo, que a Constituição da República
(CR) seja respeitada (como se antes esse
respeito tivesse sido uma raridade potenciada pela nulidade). Defende que a Renamo,
ao aceitar ocupar os assentos no Parlamento concordou tacitamente ou, se quisermos,
Correntes opostas
inequivocamente, com os resultados eleitorais
por si contestados; que o Presidente da Repú-
blica (PR) sempre esteve aberto ao diálogo político com a Renamo e com outras forças políticas, etc. Os mais radicais dentro desta corrente
são a favor de uma “savimbização” de Dhlakama
(já ensaiada com os mediáticos atentados) e, outros, os mais moderados, percebem o significado
da canção que diz que por morrer uma andorinha não acaba a primavera; que o “nó-górdio”
foi um ensinamento a não esquecer. Entre os
círculos de defesa desta primeira corrente está o
Governo/Frelimo.
A segunda corrente não olha para a CR como
um problema em si, mas sim quem a usa despropositadamente como escudo em seu benefí-
cio e não do povo; concorda que ela seja respeitada por todos. Defendem que as eleições foram
visivelmente fraudulentas; que o presidente da
Comissão Nacional de Eleições (CNE) ali colocado pela Frelimo tinha a tarefa de legitimar
os resultados favorecendo quem ali o colocara;
que os comandos supremos das instâncias superiores à CNE, uma vez apresentado o problema das gravíssimas irregularidades eleitorais,
alinharam pelo mesmo diapasão que o do presidente da CNE. Perante tudo isso e mais alguma
coisa alegam como solução única para o diferendo político o diálogo aberto e sincero com
o Governo/Frelimo e, passando este nível, a
Renamo propõem-se a governar nas províncias
onde obtive significativas vantagens eleitorais.
Tanto a primeira como a segunda corrente concordam que as regras do jogo se definam antes
do jogo. A primeira corrente acusa a segunda
de tentar alterar as regras do jogo no decurso
do mesmo, pois as eleições foram gerais e não
provinciais. A segunda corrente, por seu turno, lembra à primeira, que a fraude não fazia
parte das regras do jogo. Considerando as duas
acusações, está claro que as regras parecem
ter sido violadas pelas duas correntes. Uma
mais do que a outra. Uma violação terá suscitado outra.
Cá entre nós: as paixões partidárias originam
alguma dificuldade em apurar-se de forma
isenta e clara quem, de facto, não está ou nunca
esteve a cumprir com as regras estabelecidas antes do início do jogo. Cada uma acusa a outra.
Mas, os factos no terreno provam tudo. Sempre
esteve claro que a CNE e o STAE não eram
o problema, mas sim os que usam ou usavam
estes órgãos de forma obscura em seu benefício.
Este é, portanto, um grave problema de partida
que tem desencadeado tantos outros, como por
exemplo, os confrontos militares, as mortes, os
refugiados, os raptos e assassinatos, a arrogância, etc. Como será o entendimento nas próximas semanas? A ver vamos.
A altura das mentiras….
A grandeza duma mentira, de certeza que não é física, mas há vezes que nos dá a sensação de o ser, sobretudo quando saída do maior partido da oposição em Moçambique. Bem dito, quando a mentira é dita por Afonso Dhlakama, que, apesar de representar uma boa franja de moçambicanos, está a brincar com a hipotética popularidade de que (também) goza.
A mentira de que lutava para a democracia foi ruindo desde à véspera de 20 de Outubro de 1994, quando pela boca de Luís Gouveia disse que não participaria nas eleições porque havia descoberto uma fraude, mesmo antes de irmos às urnas. Era uma mentira política, de cerca de meio metro de altura. Participou e perdeu!
Em 1998, houve as primeiras eleições autárquicas. Recusou-se a participar, pensando que por isso o processo seria adiável. Ficou a ver navios no continente, quando na verdade seria o início do que hoje diz pretender, governar aonde se ganha. Deixou que o seu adversário jogasse sozinho e a lógica nestes casos é que infalivelmente o jogador ganha.
Nas eleições gerais seguintes, em 1999, faz-se presente e ganhou o que ganhou. Todavia, disse que ganhar não era aquilo, mas sim, governar e o líder ser presidente de Moçambique. Mentiu-nos, mais uma vez, mas em um metro de altura!
A ideia ficou fortificada quando nas eleições autárquicas em que decide participar, em 2003, a Renamo demonstra de facto que era representativa. Ganhou a cidade da Beira, Nacala-porto, Ilha de Moçambique, Marromeu e Angoche.
Este facto embriagou as hostes renamistas, nas seguintes eleições gerais (2004) o que não permitiu que o partido se preparasse a contento e o resultado viria a ser uma derrota convincente, que o seu adversário qualificou de vitória retumbante. Na verdade, perdeu no meio de uma mentira política aceitável, de meio metro de altura.
Quando em 2008 quis voltar ao convívio democrático, via eleições autárquicas, encontrou o terreno minado por quem não dorme nem brinca em serviço. Sem mentir não lhe deixaram reconquistar o que já tinha em mãos.
Em 2013 o jogo autárquico passou-lhe ao lado, por vontade própria, tal como em 1998. Ficou zero o que alguma vez já tinha sido cinco. Terá sido desta vez que a democracia de que falava, apenas por falar, doeu muito. Ainda não aprendera de que ela é, acima de tudo, muito trabalho e responsabilidade.
Entrementes, como quem não cura, o líder-mor estava a gerir a derrota, mas fora dos eleitores, nas matas da Gorongosa, envolto de montanhas, arvoredo e fauna (que não votam) à espera que alguém tivesse pena de si e destruísse todo o tecido democrático para a sua acomodação.
No dia 5 de Setembro de 2014 reaparece a assinar o que parece não ter lido e, por ser mais uma mentira, não cumpre nada do que disse e assinou! O tempo não lhe perdoava, afinal, a democracia pela qual lutou, tem regras rígidas, por isso, as eleições, mais uma vez gerais, deviam ter lugar.
Sem preparação nem tempo, fez o que era fácil: barulho à largura e ao comprimento do país, a uma velocidade estonteante, para resultar no lógico, designadamente, perca geral em eleições gerais. Igual a uma derrota! A seguir aumenta a altura da mentira em mais dois metros, dizendo que, mesmo assim, governaria, ainda que ao arrepio da Lei discutida antes do pleito correspondente.
No dia 9 de Outubro de 2015, a mentira subiu de fasquia ao dizer que entregava as armas, como sinal de início do seu desarmamento. A altura desta mentira foi tal que a governadora de Sofala também acreditou. Era de seis metros. Mas, nós prevíamos o que depois veio a confirmar-se!
Esta, se a história não for bem contada, será de oito metros de altura, envolvendo personalidades e Estados. Que Jacob Zuma aceitara o seu pedido de mediação do conflito, em parceria com a Igreja católica. A altura não passou despercebida a Maite Mashabane, ministra dos Negócios Estrangeiros da África do Sul, que deixou esta lição de democracia: o que nós sabemos é que em Moçambique há um governo constitucionalmente eleito e que há membros da oposição no Parlamento.
Disse mais: quando um membro do Parlamento convida o governo sul-africano para mediar uma matéria interna, obviamente que nós, primeiramente, temos que ouvir o governo. Na verdade, não recebemos nenhum convite, nem da Renamo, nem do governo moçambicano.
Esta mentira, desmascarada pelos sul-africanos, mais o cerco diplomático cada vez mais apertado, ante o desperdício visível da melhor oportunidade que a Renamo alguma vez teve, com a abertura indisfarçável do Presidente Nyusi, terá assanhado a liderança, que a seguir faz o que bem sabe fazer: atacar e matar irmãos e bens públicos, a partir de Muxúnguè e outros recantos remotos! Pena!...
Pedro Nacuo
nacuo49nacuo@gmail.com
DOMINGO -14.02.2016
Democracia…mas nem tanto!
Os moçambicanos, de verdade, querem paz. Clamam por ela. Outros querem o caos. A confusão. A balbúrdia. O troar das armas voltou a pontuar o dia-a-dia dos moçambicanos.
São episódios mais ou menos isolados mas que mostram claramente que a confusão está sendo armada. Há gente com vontade de ver mais sangue derramado. Não bastam as tragédias causadas pelas calamidades naturais ou pelos acidentes de viação!
Parece que há sempre alguém interessado em tirar mais um quinhão da nossa tranquilidade. A velha sabedoria popular alerta que quando dois elefantes lutam, a maior vitima é o capim. E capim aqui, pelos vistos, somos eu e tu. Somos nós. São os moçambicanos que, tudo o que querem, é só um pedaço de paz, de tranquilidade para poderem melhorar as suas condições de vida… mas como melhorar com as constantes ameaças de retorno a guerra? É que ameaçar dividir o país é claramente uma declaração de guerra!
E não vamos aqui escamotear a verdade. O protagonista das ameaças é, curiosamente, o mesmo: a Renamo! Renamo que se deseja um partido político mas, como sabe-se, mantém um braço armado. Desde a assinatura dos Acordos de Roma que existe esta pândega de homens armados. Caso único no mundo, parece. Pelo menos na região não consta que haja partidos políticos armados. Estranho. O Presidente da República, Filipe Nyusi, já manifestou publicamente e por diversas vezes, a sua inquietação perante este facto. Recentemente disse claramente que “não podemos continuar a ser um país estranho, onde as pessoas andam armadas e não lhes acontece nada. Aqui na região somos o único país que admite isso. Vamos à Suazilândia, não há isso, na África do Sul na acontece coisa igual, etc.etc, e no Zimbabwe, nem pensar”.
E é verdade.
O curioso nisso tudo, é que a mesma Renamo tem representação no Parlamento, o que equivale dizer que tem possibilidades de se fazer ouvir em fórum apropriado. O líder da Renamo, entrevistado em Santugira, disse, esta semana, que dividir o país vai contra a Constituição da República mas, para satisfação das suas intenções, ele e o seu partido, estariam dispostos a tal aleivosia. Que se saiba, a democracia desenvolve-se sob o jugo das leis e não sob a ditadura das armas… mas isso nem devia-nos nos espantar… o pai da democracia socorre-se muito da ameaça para lograr os seus intentos.
O presidente da república já disse que está disposto a receber o líder da Renamo. O pai da democracia diz que não pode sair do mato porque sabe que o querem assassinar. Em que é que ficamos?
Continuam as mortes? O país pára? O que é que segue no próximo episódio?
O que é líquido é que o país não pode progredir com coisas deste género. Não haja ilusões - não há economia que resista ao troar de armas. Aquela pancadaria no Centro do país vai-nos fazer recuar milhares de anos. Estamos a voltar para a idade da pedra enquanto o mundo, lá fora, avança a largos passos para o desenvolvimento sustentável e equilibrado.
É que a manutenção de um partido armado no país nos tira o sono. É que as armas impõem o silêncio ditado pelo vencedor de ocasião. Os partidos passam a ser exércitos que se preparam ciclicamente para a guerra. Se se sentam à mesa do diálogo, levam as metralhadoras a talabarte. O ambiente envolvente é tecido pelo medo, em vez de favorecer a convivência pacífica.
Se os estrangeiros acham que é uma completa estupidez andarmos aos tiros, o que não passará pela cabeça de milhares de moçambicanos – os mesmos que a Renamo afirma representar? Resposta: também julgam que esta confusão é uma completa falta de respeito pela vida e dignidade humanas. Querem paz. Em todos os momentos, apelam para a resolução pacífica do diferendo. Entretanto, parece que os “bosses” da Renamo não fazem a mesma leitura. Todos os dias reiteram a necessidade da guerra.
Isto atinge gravemente o Estado de Direito modelado na Constituição da República. A Renamo aprovou essa mesma Lei-Mãe em ambiente de consenso parlamentar, não se coibindo, agora, de vir a público esburacar o seu próprio texto, amedrontando à esquerda e à direita, atacando, matando e destruindo bens. Isto porque, pensamos, não foi capaz até hoje de se apresentar aos moçambicanos como alternativa credível de governação. A guerra fará tudo menos contribuir para o desenvolvimento do país. Isso é uma certeza absoluta. Falar que o que se está a fazer é defender a democracia, é conversa para boi dormir. Só querer não é poder, é preciso também comprometimento, atitude e perseverança… aspectos que parecem não fazer parte do cardápio de alguns “moçambicanos”.
O mesmo é válido para alguns que, hoje, se dizem neutros. Há alguns “actores sociais” que, quando o assunto envolve a Renamo, quedam-se mudos. Não atam nem desatam mas aguardam ansiosamente que o Governo tropece nalgum calhau para começarem a uivar.
A Renamo parece estar em desespero de causa. Quer governar na base da chantagem. Agora se agarra apenas à solução militar, única linguagem que ela reconhece ser eficaz para ter razão. Dhlakama parece conhecer a máxima de Aquiles que, na antecâmara da guerra de Troia, proclamou: O que todos os Homens querem, eu quero mais; mas parece esquecer que "o inteligente aprende com os seus erros. Já o sábio aprende com os erros dos outros”.
Nem mais…
DOMINGO -14.02.2016
SEGURANÇA DO GOVERNADOR DETIDA POR COOPERAR COM MALFEITORES
Uma agente das Forças de Protecção de Altas Individualidades (FPAI) encontra-se detida na 1ª esquadra da Polícia da República de Moçambique, em Chimoio, capital da província central de Manica, desde quarta-feira última, indiciada pelo seu envolvimento com uma rede de malfeitores que se dedicavam a assaltos a residências e estabelecimentos comerciais com recurso a armas de fogo.
A referida agente, identificada pela PRM apenas pelo nome de Graça, é acusada de fornecer a sua arma de fogo institucional a criminosos e instrui-los em técnicas de assalto a residências e lojas.
A porta-voz da PRM em Manica, Elcídia Filipe, que revelou o facto, explicou que a detenção da agente resulta de um trabalho realizado pela corporação com o objectivo de purificar as fileiras da corporação.
Referiu que a Graça violou as normas de funcionamento da instituição, razão pela qual enfrenta dois processos, sendo um disciplinar e outro criminal, que neste momento seguem seus trâmites para que possa responder em juízo.
'É um trabalho normal. Estamos no processo de purificação das fileiras. O que se sabe é que esta agente é suspeita de estar a colaborar com um grupo de malfeitores. Assim sendo, ela está detida para responder pelos seus actos. Trabalhos prosseguem e rapidamente o caso será levado as instâncias competentes para sua responsabilização criminal enquanto decorrer outro processo a nível da instituição, disse.
Explicou que o processo de purificação é uma actividade contínua. Queremos aqui assegurar que havendo mais situações desta natureza, a corporação irá agir em defesa do bom nome da instituição', assegurou Elcídia Filipe, para quem o combate ao crime deve começar no seio da corporação.
Neste momento decorrem trabalhos com vista a neutralizar os restantes membros do grupo, que se encontram a monte.
Graça trabalhou durante vários anos na FPAI, uma unidade da polícia responsável por garantir a segurança de governantes. Por isso, várias vezes foi confiada para cumprir missões importantes para a protecção de dirigentes dentro e fora da província.
Sem avançar números, a porta-voz revelou que existem mais agentes envolvidos com o mundo do crime e, por isso, prosseguem investigações para neutralizar os infiltrados na corporação.
NV/SG
AIM – 13.02.2016
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