terça-feira, 24 de novembro de 2015

ZÓBWÈ: TERRA ADORMECIDA E ESQUECIDA NO TEMPO

Centelha por Viriato Caetano Dias (viriatocaetanodias@gmail.com )
 “A cultura é a argamassa da nossa identidade.” Anónimo
Interrompi por alguns minutos a minha assistência no desfile acrobáticos dos 'gules' ou 'nyaus' no Posto Administrativo do Zóbwè, no distrito de Moatize, na província de Tete, para escrever esta crónica. A população do Zóbwè, onde outrora funcionou uma importante e estratégica incubadora de muitos paladinos da luta de libertação da pátria moçambicana, não me outorgou nenhum mandato para expor em público os seus problemas. Conto com o espírito protector do meu progenitor, Joaquim Sombreiro Dias, filantropo e acérrimo defensor de direitos humanos, mormente dos povos de Zóbuè e Moatize, para propugnar-me de eventuais adversidades que esse risco possa causar.
Porque o acelerador dos políticos na gestão da coisa pública na província de Tete conduz Zóbwè a uma catástrofe humanitária, aumentando a passos de gigante a desgraça da sua população, cá estou como um guerreiro destemido. É com grande tristeza e consternação que estabeleço esta comparação, mas a verdade é que a população do Zóbwè equipara-se a de um estabelecimento prisional, onde as pessoas não vivem, existem.
Há um ano escrevi aqui no Wamphula Fax que Zóbwè “não possui nenhuma agência bancária nem uma ATM, significando que os moradores daquele pedaço de Moçambique devem percorrer 106 kms até à vila de Moatize, para verem o seu desejo satisfeito: levantar algum valor para fazer face aos frequentes coices da vida. Servir o povo é, também, atender as suas preocupações elementares. E uma ATM é o básico, jamais capricho.
Por aqueles habitantes serem fronteiriços, correm o risco de serem moçambicanos geográficos e não de coração e sentimentos, tendo em conta que não encontram a solução desta sua preocupação nesta Pátria. (…) São exigências da população local que devem ser resolvidas, mesmo que se saiba que outros locais se ressentem das carências da mesma natureza.”
Debalde!
Professores, antigos combatentes e o pessoal de saúde são os que mais sofrem com a falta de ATM no Zóbwè.
Um professor primário contou-me que todos os meses alunos ficam privados de aulas porque os professores deslocam-se a Moatize com o intuito de levantarem os seus salários. Quando os salários não saem, prolongam-se as suas estadas até que sejam bafejados pela sorte da contabilidade pública.
Ainda assim, o MINEDH busca causas dos problemas de ensino no país.
Um episódio triste que aconteceu há sensivelmente dois anos envolveu 17 antigos combatentes residentes no Zóbwè quando a viatura em que seguiam, a fim de levantar os seus ordenados na Vila Carbonífera de Moatize capotou, vitimando dois elementos do grupo. Zóbwè continua a chorar os seus mortos, infelizmente por causa da falta de uma ATM. Mesmo diante de clamores da população, Zóbwè continua sem uma ATM. O badalado serviço “M-pesa” só funciona em certas geografias do nosso país.
Alguns agentes económicos do Zóbwè para lucrarem desonestamente instalaram em seus estabelecimentos comerciais o sistema POS e cobram por cada levantamento de dinheiro uma taxa que varia entre 50 e 100 meticais, conforme à disposição psicológica dos mesmos (agentes). Por exemplo, se alguém precisa de 1.000 Mt, mesmo que não faça compras nesse estabelecimento, o agente cobra ao cidadão 1.050Mt, sendo que 50Mt são pelos serviços. As autoridades conhecem esta situação, mas ignoram como se nada estivesse a acontecer. É claro que desta forma os funcionários públicos deixam de percorrer longas distâncias, ficam mais próximos dos alunos e evitam mortes desnecessárias, mas enriquecem os agentes.
Zóbwè enfrenta outro grande problema que é a falta de energia.
Melhor, restrição da corrente eléctrica.
A energia elétrica provém do vizinho Malawi. A população fica privada de energia eléctrica por mais de 5 horas.
Existe um diminuto posto da EDM, que, muitas vezes sem tirar leituras nos contadores dos seus clientes, especulam preços. Uma família de dois agregados que só tem uma única lâmpada em casa chega a pagar de energia 1.500Mt. A cobrança é feita por uma única pessoa, que se enxumeia de Deus. Uma parada por Zóbwè, a associação dos consumidores sairia com toneladas de reclamações dos utentes. É uma realidade que a população já se habituou a viver com ela.
No Zóbwè, o FIPAG não existe. É uma miragem. A população bebe a água não potável (imprópria para o consumo humano). Aqui não se fala de percorrer distâncias longas em busca do precioso líquido, como acontece em outros pontos do país, fala-se, sim, de beber água suja que nem os animais domésticos, geralmente imunes, recusam beber daquela água. A saúde da população de Zóbwè é débil. No Zóbwè tudo anda devagar, devagarinho e parado. Não tem buracos e poluição, mas tem pobreza generalizada.
Com a crise económica no vizinho Malawi os problemas de Zóbwè aumentaram. Zóbwè está igualmente adormecida, nem a fronteira o tira da sonolência. Zóbwè foi esquecida, porque não entra na rota de desenvolvimento. Já foi celeiro da província de Tete, infelizmente, a sua população enfrenta problema de estiagem alimentar. O discurso de auto-estima que os políticos tentam seringar na mente da população zobweana, não pode sortir efeitos por aqueles habitantes fronteiriços que correm o risco de serem moçambicanos geográficos e não de coração e sentimentos, tendo em conta que não encontram a solução desta sua preocupação nesta Pátria.
É também notório a ausência das FADM na fronteira, em compensação está lá a guarda-fronteira com as piores de piores deficiências materiais e humanas que uma força de defesa e segurança pode ter. A única coisa que mudou nos últimos 12 meses no Zóbwè e que se intensificou na cidade de Tete é a existência de clubes de prostitutas que, segundo disseram alguns amigos, é para amortizar os nervos do abandono em que estão sujeitos pelo governo da província. Fica aqui um recado para o senhor governador Paulo Auade. Zicomo (Obrigado).
P.S.: Até o momento de envio deste texto Zóbwè estava às escuras e a sua população refém da chuva. Com efeito, por causa do segundo ponto, preparava-se uma delegação de anciões para escalar o “Monte Zóbwè” a fim de pedir aos ancestrais a libertação da chuva. Pediram-me, igualmente, que quando chegasse a Maputo informasse a quem de direito que Zóbwè tornou-se uma nova Somália, daí o grito de SOCORRO.
WAMPHULA FAX – 24.11.2015

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