sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Voltámos à guerra, a lutar contra nós mesmos?

Por: Eduardo White


(Vou voltar a repetir-me)

Pensei que nós, os moçambicanos, estávamos cansados de guerra. De morrer, de conviver com o sangue e com a violência. Pensei que tínhamos aprendido a falar. Uns com os outros. A dizer e a escutar. Pensei que havíamos aprendido a resolver os nossos problemas, sentados, calmamente, dialogando. Pensei muitas coisas que, afinal, começo a acabar por descobrir que não tenho pensado nada.

Mas pensei, por exemplo, que já éramos todos fortes, coesos, que sabíamos ouvir e encorajar os que ainda não o eram e que disso também aprendíamos algumas coisas, com humildade, com sapiência. Afinal, são tantas feridas as que ainda não saramos, tantos os mortos que ainda não enterramos, tantas as lágrimas do passado que nos custam substituir por um sorriso hoje. Assim, julguei do que a história nos ensinara algo havia ficado para recordar que não deveríamos repetir, mas, celebrar: as diferenças e o respeito por elas, a tolerância e a dignidade de exercê-la, a moçambicanidade e o chão que a faz.
 
Sonhei até, que os meus filhos e os filhos deles pudessem viver construindo o seu País sem que disparassem ou ouvissem, novamente, o tiro de uma única arma. Se levantavam, levantando. Se plantavam, semeando-se. Mas, como eu sou um sonhador, sou, como posso dizer, um irredutível sonhador, eu acreditei no meu sonho. Porque... sonhar nunca fez mal.
 
Por isso, é que eu pensei que tínhamos aprendido algo. Que não voltaríamos a ter medo dos canhões em redor das cidades, dos distritos e das aldeias a ensurdecerem-nos para a música, para a ternura, para amizade, para a fraternidade e o amor. Que os beijos lânguidos às nossas namoradas já não voltariam a ser mais uma infracção, mas um dever nosso e um direito delas, agora. Que já não seria preciso bichar para vestir, lavar e perfumar os nossos bebés, nem as nossas adolescentes mulheres se zangariam por, embora serem diferentes, os nossos bebés parecessem iguais nas cores das suas roupinhas.
 
Eu, vejam lá só, atrevido que sou nesta coisa de sonhar, até vi sonhados os nossos dirigentes sem o culto da arrogância, da prepotência, do nepotismo - aquelas palavras antigas que ouvíamos antigamente nos obrigatórios comícios da nossa escolaridade e que me pareciam estar a voltar de novo. Julguei que aquilo de que nos falavam, daquela coisa muito complicada que nos mandavam fazer, chamada como?
 
– deixa lá eu lembrar... ahhhhh, já sei – crítica e auto-crítica, era hoje o culto deles, a sua terapia preferida. Julguei, ainda, que tinham aprendido a ouvir antes mesmo de falar. Mas só sonhei, mais nada. E sonhar, como disse, não faz mal. Só que neste trabalho, dormido e despertado, de imaginar coisas, fui acordado de repente, com o pânico a suar no meu angélico sono.
 
Falavam-me os medias de tiros para aqui, tiros para acolá, lojas a arder, carros queimados, crianças a guerrear em vez de brincar, granadas que explodiam, pessoas entricheirando-se, outras fugindo, uma confusão que eu gritei a perguntar: Regressei no tempo? Ao pesadelo dos pesadelos?
 
Voltámos à guerra, a lutar contra nós mesmos?
Ainda duvidei. Mas da janela das televisões, tudo se confirmava nos meus desorbitados olhos. Então me entristeci, fui para a cama, chamei a minha companheira e disse-lhe:
 
- Diz-me que não é verdade.
Combalidamente chorei, (des) sonhado e desiludido por constatar que nós nos tínhamos esquecido de que, não há muito tempo, nos havíamos ensinado a falar. A pormos as armas e as baionetas de lado, o sangue, o ódio, a violência, a inveja, essas coisas todas que sabemos para que pelas estradas do diálogo devamos e possamos encontrar as pontes comuns a nós mesmos. As que nos abraçam, as que nos juntam, as que nos tornam uns mais perto uns dos outros.
 
Porém, é pena que eu só tenha sonhado. Tão simplesmente isso. Mas, como vou voltar a repetir, sonhar não faz mal. Um dia, um dia tudo será realidade e o País, então e finalmente, se cumprirá.
 
Canal de Moçambique – 31.10.2012

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