Sou Magnólia Quembo
Tongogara. Nasci num
lugarejo no interior do
distrito de Moatize, na
província de Tete. Esse lugar foi,
em tempos, chamado Vila Caldas
Xavier. Depois de 25 de Junho de
1975, passou a chamar-se Cambulatsitsi.
Acho que é um nome justo,
bonito, e faz-me lembrar o que
sou… tem origem e raízes plantadas
na terra.
Cambulatsitsi, na minha língua
materna, significa careca. Na verdade,
a paisagem de Cambulatsitsi
é dominada por um monte, que
tem nas encostas uma vegetação
perene e rasteira. Digo rasteira
por pensar, porque nunca fui até
lá. Mas a ideia que tenho é de que
a vegetação é rasteira e tem colorações
diferentes: são verdes, são
azuis, são amarelas, dependendo
do estado de espírito em que nos
encontramos.
Acontece que, no cimo, este monte
é completamente calvo, de pedra
lisa, que também tem cintilações
de cinzento claro em dias de sol, de
cinzento escuro em dias de chuva
(e chora!), e poderia mesmo dizer
de um vermelho denso, em noites
de lua cheia, mas isso é imaginação
minha.
Sou da Geração da Viragem.
Quando, em Outubro de 1992, se
assinou o Acordo Geral de Paz, eu
acabava de dobrar o cabo dos dezoito
anos. Em 1994, nas primeiras
eleições gerais, multipartidárias,
democráticas e essas balelas todas,
eu fui votar. Parecendo incrível, tive
a impressão de que, ao fazê-lo, estava
a carregar nos ombros o peso
do sonho de vinte ou vinte e sete
ou trinta milhões de pessoas iguais
a mim, mais velhas ou mais novas.
Então, nessa altura, fui, com a
cumplicidade do meu pai – cumplicidade
feita de silêncio –, vencer
a resistência da minha mãe, que
queria ver em mim uma filha ou
enfermeira ou professora, e porque
não mesmo doutora. Não fui por
aí! Matriculei-me no Instituto Industrial
de Matundo, onde fiz uma
carreira pouco vulgar: sou engenheira
mecânica auto. Fui embalada
pelo sonho transportado por expressões
tipo “empreendedorismo
jovem”, e alimentada, da vizinha
África do Sul, pelo sonho de Nelson
Mandela, naquilo que nem sei
se era sonho dele, que era o B.E.E.:
Black Economic Empowerment.
Voltei para a minha terra com o
meu diploma e cometi a asneira que
muitos da minha idade cometeram:
contraí um empréstimo bancário,
para aquilo que eu julgava ser
o meu sonho e de muitos, que era
ajudar Cambulatsitsi – o seu povo,
o seu bom nome, os seus desejos – a
erguer-se. Montei duas moageiras.
Não consegui pagar, porque entre o
sonho e a realidade existia a dívida
que eu tinha que pagar ao banco e
o salário que eu tinha que pagar aos
meus empregados, cuja maior parte
eram primos, sobrinhas, tios e por
aí adiante.
Estou a dizer isto agora, com este
ar de cambulatsitsi. Eu não sou
calva, porque é raro uma mulher
ser calva, mas tudo o que eu tinha
como vegetação na minha mente
jovem, crente e credora se desvaneceu,
como se desvanece a água
da chuva, quando cai sobre a careca
do monte que dá nome à vila
onde nasci, que nunca deixará de
ser vila, embora Matundo fique aí
a pouco mais de 30 km e a cidade
de Tete continue a ser aquele
buraco metido entre um caldeirão
de montanhas – uma cidade que,
invariavelmente, quando faz frio, é
porque tem uma temperatura mínima
de 30 graus, e dizem que Tete
é a tal província dos cinco cês, ou
seja: C de crocodilo, C de carvão,
C de cabrito, C de Cahora Bassa (e
agora também é acrescentado C de
campeão nacional de futebol).
Eu sou Magnólia Quembo Tongogara.
Sou jovem, sinto-me um
pouco desiludida com o projecto
de vida que alguns dos nossos dirigentes
nos deram. Acreditei muito
no projecto de plantação da jatrofa.
Então eu digo, na minha língua
materna: jatrofa eu já fui, dívidas
tenho eu por pagar. Mas acredito,
acredito porque ainda tenho forças
para lutar e hei-de conseguir.
Isto pode parecer uma paranóia.
Pode parecer; mas não é.
P
ara quem, talvez com alguma ingenuidade, acreditava que os moçambicanos
tinham finalmente visto a luz e decidido que o seu
futuro colectivo situava-se acima das suas querelas ideológicas, os
acontecimentos da semana passada no parlamento trataram de
mostrar que o caminho para a paz e reconciliação é ainda longo, e que
até lá chegarmos muita água terá passado debaixo da ponte.
Essa realidade foi trazida à superfície com a decisão da bancada da Frelimo
de boicotar a sessão extraordinária da Assembleia da República
que deveria proceder à revisão da legislação eleitoral, de modo a deixá-la
alinhada com as últimas alterações à Constituição da República.
No entendimento da bancada maioritária, o prosseguimento desta
agenda legislativa deve estar condicionado a um compromisso firme da
Renamo quanto à desmobilização dos seus guerrilheiros e subsequente
entrega das armas sob seu controlo.
Para a Frelimo, ao aceitar proceder à referida revisão da Constituição,
por exigência da Renamo, o governo que suporta deu provas bastantes
do seu empenho no processo de paz, gesto esse que deve ser correspondido
com actos concretos por parte da Renamo.
As negociações que têm sido dirigidas pessoalmente pelo Presidente da
República, em contacto directo com a liderança da Renamo, têm duas
componentes, nomeadamente o pacote sobre a descentralização, recentemente
aprovado pela Assembleia da República e promulgado pelo
Chefe do Estado, e a componente militar, cuja finalidade é a desmilitarização
da Renamo e a integração das suas forças residuais nas Forças de
Defesa e Segurança. Os que não couberem dentro deste processo terão
de beneficiar de um pacote de reinserção social.
Mas a Renamo tem demonstrado resistência nesta matéria, defendendo
que só aceitará desmobilizar os seus guerrilheiros depois da integração
dos seus oficiais em lugares do topo na hierarquia das Forças Armadas
e da Polícia.
A Frelimo, por seu lado, receia que a Renamo esteja a engendrar uma
estratégia de obter todas as concessões do lado do governo, mas mantendo-se
armada, para continuar a fazer outras exigências políticas.
Falando nas comemorações dos 43 anos da independência, o Presidente
Nyusi disse quer todos os entendimentos sobre questões militares estavam
reduzidos a escrito, e que eram do conhecimento de oficiais quer
do governo quer da Renamo, e ainda dos representantes do Grupo de
Contacto.
“Com o líder da Renamo (Afonso Dhlakama) já tinham sido identificadas
as linhas de acção, a calendarização do cronograma de implementação
e o preenchimento conveniente da orgânica resultante deste
consenso”, disse Nyusi.
Terá, por isso, causado alguma surpresa que havendo tais entendimentos,
a bancada da Frelimo, partido do qual Nyusi é Presidente, se apropriasse
do processo para fazer as suas exigências à Renamo.
É facto inquestionável que em processos democráticos não deve haver
partidos políticos com armas em punho. E nesse sentido, a Renamo deve
aceitar a inevitabilidade de ter de se desmilitarizar quanto cedo possível,
se quiser manter a sua credibilidade como força indutora da democracia.
Não pode ao mesmo tempo ser uma força democrática e militar.
Contudo, deve ser verdade também que, no caso em apreço, questões
de procedimento são cruciais para evitar qualquer tipo de ruído, ou até
mesmo confusão. Muitos cozinheiros estragam a sopa.
De qualquer modo, deve ter sido esta a razão que levou o Presidente
Nyusi a optar por este modelo de negociação directa com a liderança
da Renamo, um modelo que pode ter as suas insuficiências, mas que até
aqui parece ter sido capaz de produzir resultados.
Chegados a este ponto, é preciso que se diga, sem rodeios, que a actual
situação não favorece nem à Frelimo nem à Renamo. Está claro que
com apenas 103 dias antes das eleições autárquicas de 10 de Outubro, o
tempo para a realização de um processo credível começa a ser mais que
escasso.
Não será possível realizar as eleições sem a aprovação da legislação agora
pendente na Assembleia da República. Arrastar o processo por mais
tempo só resultará em mais um processo imperfeito, a receita perfeita
para mais conflito e instabilidade.
Há que colocar os interesses partidários, o espírito de tudo ou nada,
abaixo do mais supremo interesse nacional, que é o da paz, estabilidade e
progresso económico e social de todos os moçambicanos. Como diz um
provérbio popular, quem tudo quer, tudo perde.
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