Tuesday, July 31, 2018

QUEM TUDO QUER, TUDO PERDE: A POLÍTICA EXTERNA DE JOÃO LOURENÇO



No final de Julho de 2018, o presidente da República João Lourenço participou numa reunião dos BRICS (conjunto de países com economias emergentes composto por Brasil, Rússia, Índia, China e, mais recentemente, África do Sul), onde expressou o desejo de que Angola integrasse esse grupo de países.
Num périplo pela Europa, em Junho deste ano, afirmou que desejava que Angola fizesse parte da Commonwealth (organização intergovernamental dos países que anteriormente formavam o Império Britânico).
Também na Europa, desta vez em França, Lourenço manifestou interesse em aderir à Organização Internacional da Francofonia (organização internacional que congrega países de língua oficial francesa; na prática, é a reunião do antigo Império Francês).
Como se sabe, Angola faz parte da CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), onde ocupa uma posição dominante.
No que toca à política externa, portanto, João Lourenço parece estar numa banca de fardos, no Mercado do São Paulo, querendo levar tudo, mas acabando por se ir embora sem nada.
Há alguma racionalidade na nova postura externa de João Lourenço. Durante muitos anos, José Eduardo dos Santos foi-se isolando e estabelecendo relações apenas com quem não lhe fazia exigências. Assim, as relações com os Estados Unidos, a Europa Ocidental e as organizações financeiras globais nunca assumiram prioridade, ou foram definhando, como no caso da França após o Angolagate. Isto fez com que os principais interlocutores fossem a China – que financiava, e financia, Angola –, Portugal – que em geral tem uma posição subserviente para com Angola —, bem como alguns países da região onde Angola flectia os seus músculos, como o Congo. E pouco mais. Houve alguns casos estranhos de bom relacionamento, como com Israel, mas que nos últimos anos acabaram por se deteriorar também. Com o Brasil, o entendimento não foi mais do que o da criação de uma rede global de corrupção.
O certo é que Angola terminou mal-afamada no final do mandato de José Eduardo dos Santos. Ficou sem projecção externa – e este é o principal ponto –, sem acesso aos mercados financeiros. Angola não tinha (e não tem) forma de obter divisas nos mercados bancários internacionais.
Este é o principal problema internacional de Angola. A sua falta de credibilidade levou ao corte no acesso a moeda estrangeira. E é por isso que uma das primeiras tarefas de João Lourenço tem sido fazer discursos por esse mundo apregoando que está a combater a corrupção e que quer ser amigo de todos: dos franceses, dos ingleses, dos russos, dos chineses, dos indianos, dos brasileiros. Houvesse uma organização dos povos de Marte, também João Lourenço pediria adesão.
Lourenço precisa desesperadamente de ter acesso a fundos internacionais, obter moeda estrangeira e integrar Angola nos circuitos financeiros mundiais, pois sabe que, se isso não acontecer, os seus discursos não o salvarão de uma população em fúria, cada vez mais pobre.
À parte as relações de Angola com Portugal e a CPLP, que se mantêm – com Angola a querer subjugar politicamente Portugal, e Portugal a querer fazer negócios enriquecer as suas elites desgastadas por via de esquemas corruptos –, os restantes movimentos diplomáticos de João Lourenço merecem discussão. Qual a razão para aderir à Commonwealth? Esta começou por ser uma forma neocolonial de prolongar o Império Britânico. Hoje, atravessa um momento pós-colonial, enfatizando a solidariedade e os valores comuns entre os vários povos que antes estavam sob a coroa britânica. Os membros da Commonwealth não são considerados “estrangeiros” entre si, pelo que as respectivas missões diplomáticas se designam “Altas Comissões”, e não embaixadas. É difícil perceber o que pode Angola fazer por entre os restos do antigo império. É verdade que já lá estão outros que também não pertenceram ao Império Britânico (Moçambique, Ruanda e Namíbia). Convinha perguntar-lhes como se têm sentido e/ou o que têm ganho na Commonwealth.
A Organização Internacional da Francofonia é menos subtil que a Commonwealth, declarando como missão principal “promover a língua francesa”. Também é verdade que São Tomé e Príncipe, cuja língua oficial é o português, faz parte desta organização.
Sejamos claros. Quer a Commonwealth, quer a Organização Internacional da Francofonia são instrumentos da política externa da Grã-Bretanha e da França que terão sempre como pano de fundo os interesses destes dois países. Não vem mal ao mundo Angola participar nestas agremiações, mas torna-se ridículo querer estar em todo o lado.
Por razões também coloniais, Angola é parte da CPLP e tem o português como sua língua oficial. É fundamental que, antes de mais, haja uma política de Estado bem clara e ética sobre a relação de Angola com Portugal, que resulte de um processo inteligente de auscultação pública e de reforma profunda e efectiva do sistema de educação.
Angola também é membro da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (organização regional habitualmente designada com a sigla inglesa SADC), que durante anos foi sequestrada por regimes ditatoriais e corruptos (Mugabe, José Eduardo dos Santos, Zuma), mas que agora pode servir para um maior intercâmbio comercial entre as economias da África Austral.
Que rumo deve João Lourenço seguir? Julgamos que, primeiro, ele terá de exorcizar os fantasmas do colonialismo português, assim como as sombras do aprendizado russo-cubano e do desvario da acumulação primitiva de capital, na mentalidade da classe dirigente. Só assim o país se abrirá ao mundo, de forma soberana e para o bem de todos os angolanos. Isso, sim, dará mais força ao presidente. O que este não pode – ou não deve – fazer é aparecer em tudo quanto é sítio dizendo que também quer entrar, sob pena de se tornar alvo de chacota.
Se quer entrar numa nova era, Angola tem de reflectir antes de avançar. Quais são os seus aliados preferenciais? Qual a sua estratégia internacional predominante? Quais os valores que vai defender?
Depois de definir um rumo e um compasso, o país reconquistará credibilidade e poderá tornar-se um modelo a seguir em África.

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