09.10.2017 às 13h47
Uma modelo sueca aparece com as pernas por depilar numa campanha provocadora de uma marca de ténis. Na sequência dessas imagens, a modelo – conhecida pelas ações feministas constantes partilhadas na sua página de Instagram – recebe os mais diversos insultos e ameaças, incluindo a de abuso sexual. Sim, ameaças de abuso sexual por ter aparecido com pelos nas pernas. Tudo isto é perturbador, mas quando vemos as reações a essas ameaças, há um comentário que se vai repetindo e que – se tal é possível - me parece ainda mais chocante: “Mas quem é que que queria violar uma coisa destas?”.
Bom, escusado será dizer que é simplesmente inaceitável que uma pessoa receba insultos e ameaças por não se depilar. Algo que, já agora, não passa simplesmente de uma opção individual, independentemente do género com que nasceu. Mas adjetivos como “nojenta”, “horrorosa” e “porca” fazem parte do rol de agressões verbais deixadas publicamente em resposta às imagens partilhadas tanto pela marca, como pela modelo. Tudo isto é mais comum do que gostamos de acreditar, aliás, é um espelho claro de uma série de comportamentos e ideias que são perpetuadas há décadas em relação do corpo da mulher e, mais especificamente, ao tema da depilação: entre tantas outras coisas, a beleza e sensualidade feminina também depende da quantidade de pelos que deixa crescer ou não no seu corpo; ter pelos grandes, por mais que seja algo biologicamente inerente tanto a homens como mulheres, no caso delas é sinal de desleixo, pouca higiene e, diriam alguns neste comentários, perturbações graves; mulher que se preze tem a obrigação de fazer depilação, ponto final. A expectativa é esta e a mulher deve segui-la tal qual carneirinha, sem a poder questionar. Não é livre de autodeterminação no que toca à imagem do seu próprio corpo, portanto.
Depois há a parte da assunção do direito ao insulto gratuito como forma de repressão a uma escolha individual que foge à norma, ao socialmente esperado de determinado género. Agressões essas consideradas impunes por quem as faz, como se simplesmente tivesse liberdade para o fazer porque o universo online assim o permite, sem consequências. Como sempre, o recurso à agressão verbal, à ameaça velada e ao vexame em praça pública – porque é assim que se continua a intimidar e demonstrar superioridade no que toca às mulheres. Infelizmente, ainda é assim que muita gente pensa no dito primeiro mundo.
Tudo isto é grave, demasiado grave, para que não mereça alguma reflexão. Mas quando chegamos ao tal comentário em resposta à revelação das ameaças recebidas, percebemos quão mais longe tudo isto pode chegar. Dizer algo como “mas quem é que que queria violar uma coisa destas?” é simplesmente doentio. Até enquanto alvo de ameaça de um ato criminoso, a pressão sobre a expectativa que recai sobre o aspeto do corpo feminino está presente (embora não seja isso que a realidade depois nos revela nos casos de violação, mas isso é tema para outro dia). Pelos vistos, uma mulher tem de “merecer” ser visualmente digna da compulsão de um abusador sexual. Uma mulher não, porque quando tem pelos nas pernas passa a ser uma “coisa”. É a desumanização levada ao extremo, num comentário escrito publicamente, com uma leveza digna de uma “olá, tudo bem” dito ao colega do lado. Quão perverso é este pensamento? E quão sintomático é do preconceito e da intimidação constante de que as mulheres são alvo nos tempos de hoje?
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