sexta-feira, 6 de julho de 2018

Para a Frelimo, boicote legislativo pode ser um tiro a sair pela culatra

EDITORIAL
Contados a partir desta sexta-feira, quando este jornal sair à rua, faltam rigorosamente noventa e seis dias até 10 de Outubro, a data oficialmente proclamada para a realização das quintas eleições autárquicas em Moçambique.
Em circunstâncias normais, onde se deve incluir o período de submissão e validação das candidaturas, depois de suprimidos todos os potenciais vícios, e ainda a campanha eleitoral, este espaço de tempo já de si é bastante limitado.
Esta limitação de tempo será agora ainda mais agravada devido ao impasse que se instalou na Assembleia da República, onde os instrumentos legais que devem operacionalizar o processo eleitoral se encontram encalhados.
E pelas exigências que são feitas pela bancada da Frelimo como condição para a aprovação do pacote legislativo eleitoral, há razões para acreditar que ou as eleições terão de ser adiadas, ou um acordo interino terá de ser feito para permitir a sua realização na data inicialmente prevista.
Depois da chefe da sua bancada, Ivone Soares, ter reagido imediatamente ao posicionamento da Frelimo com acusações de chantagem, o Secretário Geral da Renamo, Manuel Bissopo, já veio esta semana a público assegurar que a desmobilização dos seus guerrilheiros pode ser concluída dentro dos próximos três meses.
Depois daquelas declarações, Bissopo deslocou-se à Gorongosa, onde a maioria dos guerrilheiros se encontram posicionados. Num momento como este, é difícil não acreditar que os dois factos estejam relacionados.
Se as palavras de Bissopo não são uma tentativa de distração, este é um sinal positivo, e mostra o interesse e a determinação da Renamo em não ser o agente responsável pelo descarrilar do processo de paz.
Mais importante, ainda, mostra uma organização com um nível de maturidade que até muito recentemente poucos talvez seriam capazes de reconhecer. A Renamo sabe que tem responsabilidades no sucesso deste processo, e que o seu papel não se deve resumir apenas a exigências infindáveis à outra parte, e que o melhoramento da sua imagem pública oferece-lhe oportunidades de um bom desempenho eleitoral.
Mas se a Frelimo tiver de persistir na sua posição de que todos os passos seguintes dependem única e exclusivamente deste processo de desmobilização e desmilitarização da Renamo, então deve ficar claro que as eleições já não poderão ser a 10 de Outubro, dado que sendo realizadas dentro do actual quadro legal, elas correm o risco de estarem em inconformidade com as novas disposições constitucionais.
Os órgãos de administração eleitoral, que há muito têm sido alvo de críticas severas devido ao laxismo que têm evidenciado durante as eleições, e particularmente a sua tendência de servilismo ao partido Frelimo e ao aparelho securitário do Estado, podem fazer tudo que lhes compete fazer, mas estarão limitados pelo tempo que lhes é imposto pelos legisladores.
Se os legisladores lhes oferecerem prazos apertados há um risco maior de uma eleição mais imperfeita do que aquilo a que já nos habituamos, e isso será apenas deitar mais lenha à fogueira. O actual conflito decorre, em parte, precisamente de eleições que pelo menos para uma das partes, não foram suficientemente credíveis.
A não realização das eleições prejudica a Renamo porque priva os seus membros de ocuparem lugares nas estruturas das diversas autarquias que seriam seguramente ganhas por ela em vários pontos do país, mas acima de tudo penaliza o governo pela imagem de instabilidade política no país que tal facto projecta para o resto do mundo, e da sua perceptível incapacidade de gestão do conflito que o opõe à Renamo.
Nesta última perspectiva, o expediente político da bancada da Frelimo pode vir provar ser um tiro a sair pela culatra.
SAVANA – 06.07.2018

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