Ao Sr. Malcolm Smart
Amnistia Internacional
Soutthampton Street, 19
Nairob, Quénia – 3 de Abril de 1978
Amnistia Internacional
Soutthampton Street, 19
Nairob, Quénia – 3 de Abril de 1978
Caro Sr. Smart
Obrigado pela sua carta datada de 22 de Março de 1978. Também lhe endereço os meus sinceros agradecimentos pelo seu interesse pelo estado dos meus colegas que continuam presos em Moçambique.
Além do documento que preparei para um jornalista a quem pedi que o publicasse, envio-lhe dados sobre a situação nas cadeias e “campos de concentração” que vivi durante a minha detenção em Moçambique.
Em Junho de 1974, as autoridades zambianas sob pressão da Frelimo e do governo da Tanzania invadiram as instalações dos escritórios do «Coremo» e prenderam todos os seus líderes e membros proeminentes. Mais tarde foram todos entregues à Frelimo que deveria formar o governo de transição em Moçambique como medida para destruir qualquer tipo de oposição dentro do país. Poucos dias depois da nossa detenção, graças a Deus, fui agraciado por uma pequena sorte. Com sucesso consegui escapar do campo onde estávamos detidos na Zâmbia e passei a viver escondido em Lusaka sob protecção do embaixador zairense na Tanzania.
Como ele não me pudesse garantir uma prolongada protecção juntamente com a minha família, passados poucos dias mais tarde após ter enviado minha família para Moçambique fui de novo detido quando me preparava para abandonar a Zâmbia. Fiquei preso numa cadeia de máxima segurança até 03 de Outubro de 1975, dia em que as autoridades zambianas, via aérea, me embarcaram de regresso a Moçambique. Chegado ao Aeroporto de Maputo estava o Comandante Provincial da Polícia, Sr. Manuel Verniz que me conduziu para o Comando Geral da Polícia onde fui objecto de prolongados interrogatórios durante 08 meses. Aqui encontro o Dr. António Chade, secretário administrativo do «Coremo» o qual, passados alguns dias, foi enviado para província de Cabo-Delgado. Após isso fui conduzido à Cadeia Civil de Maputo onde permaneci outros 10 meses. Aqui encontrei vários ex-estudantes moçambicanos os quais, após o seu regresso do estrangeiro, foram levados presos directamente do aeroporto para a cadeia. Entre vários ainda conservo alguns nomes que consegui fixar de memória:
- Prof. Manuel S. Prova, vindo da Serra Leoa.
- Prof. José Brito Simango vindo dos Estados Unidos da América.
- Domingos Aníbal, vindo do Quénia.
Obrigado pela sua carta datada de 22 de Março de 1978. Também lhe endereço os meus sinceros agradecimentos pelo seu interesse pelo estado dos meus colegas que continuam presos em Moçambique.
Além do documento que preparei para um jornalista a quem pedi que o publicasse, envio-lhe dados sobre a situação nas cadeias e “campos de concentração” que vivi durante a minha detenção em Moçambique.
Em Junho de 1974, as autoridades zambianas sob pressão da Frelimo e do governo da Tanzania invadiram as instalações dos escritórios do «Coremo» e prenderam todos os seus líderes e membros proeminentes. Mais tarde foram todos entregues à Frelimo que deveria formar o governo de transição em Moçambique como medida para destruir qualquer tipo de oposição dentro do país. Poucos dias depois da nossa detenção, graças a Deus, fui agraciado por uma pequena sorte. Com sucesso consegui escapar do campo onde estávamos detidos na Zâmbia e passei a viver escondido em Lusaka sob protecção do embaixador zairense na Tanzania.
Como ele não me pudesse garantir uma prolongada protecção juntamente com a minha família, passados poucos dias mais tarde após ter enviado minha família para Moçambique fui de novo detido quando me preparava para abandonar a Zâmbia. Fiquei preso numa cadeia de máxima segurança até 03 de Outubro de 1975, dia em que as autoridades zambianas, via aérea, me embarcaram de regresso a Moçambique. Chegado ao Aeroporto de Maputo estava o Comandante Provincial da Polícia, Sr. Manuel Verniz que me conduziu para o Comando Geral da Polícia onde fui objecto de prolongados interrogatórios durante 08 meses. Aqui encontro o Dr. António Chade, secretário administrativo do «Coremo» o qual, passados alguns dias, foi enviado para província de Cabo-Delgado. Após isso fui conduzido à Cadeia Civil de Maputo onde permaneci outros 10 meses. Aqui encontrei vários ex-estudantes moçambicanos os quais, após o seu regresso do estrangeiro, foram levados presos directamente do aeroporto para a cadeia. Entre vários ainda conservo alguns nomes que consegui fixar de memória:
- Prof. Manuel S. Prova, vindo da Serra Leoa.
- Prof. José Brito Simango vindo dos Estados Unidos da América.
- Domingos Aníbal, vindo do Quénia.
- Teodoro Mpunga, vindo do Quénia.
- Feliciano Dimbejo, vindo do Quénia.
- Artur J. da Fonseca vindo da RDA (República Democrática da Alemanha), e mais Atanásio Muhate e Raimundo Lumbela que desertaram da Frelimo durante a luta armada. Daqui, fui transferido para Cadeia da Machava, ainda em Maputo. Machava era a antiga cadeia da PIDE (Polícia Internacional de Defesa do Estado) agora usada pela Frelimo para encarcerar presos políticos e os chamados sabotadores económicos. Aqui fui mantido durante um mês. Aqui encontrei outros prisioneiros:
- Absalom Bahule, secretário geral do «Coremo».
- Kampira Momboya, influente membro do «Coremo».
- Matias Mbowa, ex-comissário político da Frelimo.
- Dr. António ex-estudante da Frelimo.
- Irene Buque, antiga esposa de Machel.
- Dr. Mapilale, ex-estudante da Frelimo que foi mandado estudar para o exterior pela própria Frelimo, e todos aqueles que participaram no motim de 17 de Dezembro de 1975.
Da Machava com outros 23 presos fomos mandados de avião para Pemba, (ex.Porto Amélia), capital da província de Cabo-Delgado. Aqui fomos mantidos em celas subterrâneas durante 70 dias. Finalmente fomos enviados para o «campo de concentração de RUARUA». Oficialmente estes campos são chamados de «Campos de Re-Educação». Aqui fiquei até 27 de Agosto de 1977, dia em que consegui escapar com mais três companheiros, Dr. Artur J. da Fonseca, Atanásio Muhate e Raimundo Lumbela. Muhate e Lumbela foram descobertos pelas autoridades tanzanianas como fugitivos e foram detidos e recambiados para Moçambique.
Enquanto estive no campo de concentração de RUARUA encontrei vários outros presos membros de outras organizações políticas que também haviam sido transferidos de outras cadeias e «campos de concentração»:
- Matsinhe, membro do «Gumo» (Grupos Unidos de Moçambique).
- Dr. Waya, ex-estudantes nos Estados Unidos da América.
- José Vilankulos, vindo do Quénia.
Existem ao todo 14 campos de concentração em Moçambique. Três na província do Niassa; 03 em Cabo-Delgado: «RUARUA», «Bilibiza» e «Chaimite». Três na província da Zambézia. Dois em Sofala: «Gorongosa» e «Inyangawi» (Inhangau). Dois em Inhambane (Inyambane): «Inhassune» (Inyassune) e «Inhassoro» (Inyassoro). Um (1) em Maputo, na ilha de Xefina.
Todos os 11 mil testemunhas de jeová estão detidos na província da Zambézia.
Minha
experiência nas prisões e campos de concentração
No «Comando da Polícia» as celas estavam superlotadas. Uma cela com capacidade para 70 detidos, continha cerca de 280 presos. Uma refeição por dia. Durante as investigações os oficiais usam violência brutal. Eles colocam uma colher entre os dedos e pressionam-na, enroscado-a entre os dedos até partir os dedos. Também amarravam e penduravam o preso ao tecto pelos pés com a cabeça virada para baixo por um longo período. Alguns presos que não aguentavam esta tortura eram desamarrados inconscientes.
Na «Cadeia Civil» para além dos dois métodos que mencionei, eles queimavam o corpo do preso durante várias horas desde os membros inferiores até ao pescoço. Também podiam obrigar o preso a ficar ajoelhado durante várias horas. Aqui éramos cerca de 2 mil presos. As celas estavam abarrotadas que os oficiais tinham que recorrer à capela existente para enclausurar os presos a mais. Na «Cadeia da Machava» eles usavam todos os métodos sofisticados de tortura.
Machava é a sede da cadeia do «Snasp» (Serviço Nacional de Segurança Popular). Eram também usados choques eléctricos, na tortura.
Em Pemba, na cadeia subterrânea as condições são humilhantes, degradantes e quebram física e moralmente os presos. Éramos mantidos em celas subterrâneas completamente nus, no chão, sem luz dia e noite e fisicamente violentados diariamente. Podiam bater-nos as chambocadas até ficarmos inconscientes. Aqui encontrámos 10 rodesianos, nove homens e uma mulher que eram opositores de Mugabe e da «Frente Patriótica» apoiada pelo governo de Samora Machel. Era-nos dado a cada um meia refeição por dia.
Em RUARUA havia 900 presos. A vida é dura e penosa.
Éramos obrigados a cultivar durante a noite, carregar comida para o abastecimento dos campos em distância de 60 Km com uma carga de uns 30 Kg. Não se importavam como o preso podia estar fraco ou doente. Não havia assistência médica.
Há uma cela subterrânea alcunhada de «Universidade de Lekeni». Era destinada aos presos suspeitos de tentativas de fuga ou quando quebravam as normas da reclusão. Uma vez o preso levado para lá as chances de voltar vivo eram escassas. Este é um método usado para amedrontar outros presos e evitar tentativas de fugas. Uma refeição pobre é servida uma vez por dia, após longas horas, longas horas de sede e de duro trabalho.
Ainda há muitos prisioneiros, que tal como eu, eles têm tentado escapar. Aquele que for apanhado após escapar pelas autoridades ou populações que vivem à volta, são devolvidos e sumariamente executados. Durante as fugas, alguns são devorados por animais selvagens, outros morrem de fome nos respectivos esconderijos. No campo não há nenhuma assistência médica. Presos doentes acabam por morrer sem nenhum socorro. Em toda minha experiência não vi ninguém ser julgado ou acusado num julgamento conforme mandam as regras.
Em Moçambique não existe sistema judicial. Todos os presos são sumariamente detidos e mantidos indefinidamente por longo tempo. Alguns foram detidos no longínquo ano de 1972 durante a luta armada e ainda não foram acusados nem julgados. Muitos nem sabem sequer porquê estão presos:
Chaimite
Líderes e membros do «Coremo»
- Paulo José Gumane, presidente.
- Arcanjo Kambeu, secretário para Informação.
- Uria Simango, secretário para Relações Exteriores.
- Joaquim Nawawa, secretário para Segurança.
- Valentino Sithole, secretário para as Finanças.
- Sebastião Sigauke, secretário para Organização.
- José Maria, secretário para Assuntos Sociais.
Membros
do «Gumo»
- Dra. Joana Simeão.
- Dr. Unyayi
- Dr. Razão
Outros
- Pedro Mapangelane
- Lázaro Kavandame
- Adelino Gwambe
- Basílio Banda
- Narciso Mbule.
Todos estão detidos no «Campo de Chaimite» a mais de 100 Km de Pemba e situa-se entre Pemba e Macomia. A informação referente a «Chaimite» me foi facultada no «Campo de RUARUA» por outros presos vindos transferidos de lá. Todos estavam ou ainda estão vivos. O Dr. Absalão Bahule, secretário geral do «Coremo», está preso na Cadeia da Machava. O Dr. António Chade, secretário para Administração do «Coremo» está no campo de RUARUA.
Meus
planos futuros
Sobre o meu futuro, desejo, somente, apanhar um local onde possa viver sem temer pela minha vida. Também espero uma eventual reunificação com a minha família de 5 elementos que os deixei à sua sorte em Moçambique. Gostaria de ter uma formação que me permitisse garantir uma vida decente à minha família. Em relação ao país, estou pronto para seguir para qualquer lugar onde a minha segurança e da minha família estejam garantidas.
Atenciosamente,
Fanuel Guidione Malhuza
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