O destino do dinheiro
Dos US$ 5 biliões mantidos na Northern Trust Company para gestão de Jean-Claude, US$ 3 biliões foram transferidos para contas da mesma instituição, mas em nome das Sociedades Limitadas antes referidas. No entanto, só uma pequena parte desse dinheiro foi investida em projectos. Pelo menos US$ 2,2 biliões permaneceram em depósitos à ordem em dinheiro, não gerando nada além de honorários e taxas muito elevadas, para exclusivo benefício de Jean-Claude.
Além disso, do pequeno número de investimentos que as Sociedades Limitadas fizeram, a maioria foi em projectos controlados por Jean-Claude. Por exemplo, em hotelaria foram investidos US$ 157 milhões, num projecto hoteleiro em Angola no qual Jean-Claude tinha interesse; em infra-estruturas foram investidos US$ 180 milhões, no Porto do Caio, onde Jean-Claude tinha uma concessão para desenvolver. Surpreendentemente, US$ 60 milhões dos fundos fornecidos pela parceria de infra-estruturas não foram investidos no desenvolvimento do porto, mas sim pagos a Jean-Claude para adquirir apenas uma participação de 8,4% no projecto. Este é um exemplo gritante dos conflitos inerentes à nomeação da Quantum Global como gestora do Fundo Soberano, dizem os seus representantes.
Portanto, dos US$ 3 biliões de dólares, cerca de US$ 2,27 biliões foram aplicados em nome das Sociedade Limitadas, US$ 298 milhões foram pagos em honorários às empresas de Jean-Claude e o restante foi investido em projectos (principalmente propriedade de Jean-Claude), cujo valor é incerto. Os US$ 282 milhões restantes também foram entregues às empresas Quantum e Quantunzinho, ou a outras entidades controladas por Jean-Claude, a título de honorários, taxas e comissões.
O mecanismo em síntese
O ponto essencial de toda esta história é que através de mecanismos jurídicos, contratos e sociedades limitadas, Zenú e Jean-Claude são acusados de terem criado uma fachada legal para desviarem e se apoderarem dos cinco biliões do Fundo Soberano.
O mecanismo acaba por ser simples. Zenú controla o Fundo e faz um acordo global de investimento com Jean-Claude, por meio do qual este vai gerir o dinheiro. Transfere-lhe o dinheiro. Fica concluída a primeira fase.
Numa segunda fase, parte do dinheiro é novamente transferida para várias sociedades de responsabilidade limitada controladas pelos dois, que “investem” os fundos em projectos de ambos. Note-se que estas sociedades funcionam como obstáculo se o Fundo quiser recuperar o dinheiro, pois têm personalidade jurídica diferenciada, num sistema montado em cascata. Pelo meio, para cada uma destas montagens jurídicas são cobrados avultados honorários e comissões. Uma outra parte do dinheiro fica estacionada em depósitos bancários sem rentabilidade significativa, e por ele são cobradas mais taxas e comissões.
Conclusões jurídicas e problema político
Tentámos fazer aqui a síntese possível da posição avançada por João Lourenço no Tribunal de Londres. Referimo-nos a João Lourenço e não ao Fundo Soberano, porque, no esquema imperial da presidência da República contido na Constituição angolana, uma decisão deste calibre, envolvendo as personalidades que envolve e os argumentos que são adiantados, responsabiliza antes de todos o presidente da República João Lourenço.
No momento em que escrevemos, não se conhece o resultado do julgamento. Mas, como operários do Direito há mais de 30 anos, deixamos aqui duas reflexões.
Face aos elementos já apresentados no processo londrino, e como forma de conferir força aos argumentos do Governo/Fundo Soberano no mesmo, é estranho que a Procuradoria-Geral da República de Angola não tenha avançado com uma acusação criminal contra Zenú e Jean-Claude Bastos de Morais. Isto era o que faria sentido.
O Direito é um instrumento de resolução de problemas de uma sociedade, mas não é a solução para tudo. O Direito pode contribuir para uma solução, mas, na maior parte das vezes, não resolve sozinho os problemas. Esta consideração surge a propósito da “luta contra a corrupção e impunidade” encetada por João Lourenço. Todos sabemos que a corrupção não era um fenómeno que envolvia uma ou duas pessoas em Angola, mas sim uma característica generalizada da política de Estado de José Eduardo dos Santos: para manter o poder e criar uma oligarquia fiel, permitiu o saque do Tesouro angolano. Ora, João Lourenço, mais dia menos dia, perceberá que tem de pensar politicamente, e se quer realmente combater a corrupção, além dos instrumentos jurídicos, tem de encetar uma verdadeira transição política e encontrar forma de confrontar o passado. Porque, sejamos claros, tanto os desmandos de Isabel dos Santos no Porto do Dande como os de Zenú no Fundo Soberano tiveram um denominador comum: o presidente José Eduardo dos Santos, que tudo autorizou.
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