quarta-feira, 25 de julho de 2018

A SEITA DO ÓDIO AO RACIOCÍNIO

EDITORIAL
Quando Donatien Alphonse François de Sade, o Marques de Sade, escreveu “Franceses, mais um esforço, se quiserdes ser verdadeiramente republicanos", chamava a atenção para um comportamento descrito por ele como sendo estranho, dos franceses., de quererem ser livres, mas, ao mesmo tempo, não empreenderem qualquer tipo de esforço intelectual ou físico para merecerem a 'Liberdade, Igualdade, Frater­nidade", que é, na actualidade, o lema da nação gaulesa.
Hoje, estas palavras assentam como uma luva aos acontecimentos a que fomos expostos, todos eles tendo como protagonistas os dois partidos da oposi­ção parlamentar, nomeadamente, a Renamo a o Movimento Democrático de Moçambique. Se domesticássemos a frase de Donatien Alphonse François de Sade, diríamos: "Oposição, bastava um esforço psicológico de nível mínimo para entender que podiam ser o poder”.
Criadas todas as condições materiais sustentadas pelo nível de saturação que há com o regime, a oposição tem uma oportunidade soberba de unir sinergias para ser uma força mobilizadora de salvação nacional. Mas, em vez de um discurso e de urna acção organizadora, o que estamos a ver é um exercício anacrónico de fragrnentação, sectarismo, extremismo e toda a acção de valor equiparado.
A oposição decidiu aprofundar a sua incapacidade de ter uma agenda comum concreta e séria. É uma verdadeira seita de ódio e combate serrado à capacidade de raciocinar. Uma oposição fragmentada e desavinda é meio caminho andado para a desmotivação dos cidadãos perante um partido Frelimo que, na tora da verdade, sabe conciliar as suas diferenças e concentrar-se na agenda da manu­tenção do poder. É isso que falta à nossa oposição: agenda. Não existe nenhuma agenda concreta que se possa apreciar.
Por exemplo, foi aprovada uma Lei Eleitoral confusa e estranha Em vez de a oposição ter unido forças para exigir uma Lei Eleitoral séria, insusceptível de ser armadilha contra a própria oposição, a Renamo, que se acha a madrinha de certos assuntos, concentrou-se em isolar ainda mais o MDM de tais assuntos e, ao fim, aprovou uma lei que prejudica toda a oposição. O importante foi ostracizar o MDM na matéria. Temos sérias duvidas de que algum membro da Renamo tenha lido a lei que eles próprios aprovaram.
As palavras do secretário-geral da Renamo. Manual Bissopo, durante a apre­sentação de Venâncio Mondlane como novo membro da Renamo, são, em si, um indicador dessa orfandade de agenda. Bissopo convidava outros membros do MDM a aderirem à Renamo, porque tem espaço para todos. Não é difícil perceber, desse discurso, que a vitória que, neste momento, a Renamo pretende é afogar o MDM, numa mania de grandeza que começa e termina na oposição, e que, depois de afogar o MDM, a Renamo fica completamente sem agenda.
E isso á sintomático, de ano em ano, quando a Renamo faz de tudo para ser o maior partido da oposição e não mais do que isso. Foi visível a ginástica que se teve de fazer, em Nampula, quando a vitoria de Paulo Vahanle se transformou num acidente para a agenda secular da própria Renamo.
Num momento como este, quando a agenda principal da Renamo consiste em debilitar o MDM, então não resta qualquer dúvida de que a sua agenda não é o poder, mas, sim, cimentar a sua posição de maior partido da oposição e ficar a vigiar, para esfolar quem ameaçar essa posição.
Dissemos aqui, bastas vezes, que uma Renamo com a insígnia de Dhlakama, ainda com sangue quente, e um MDM com estratégia comprovada de fiscaliza­ção eleitoral, apoiando os mesmos candidatos em autarquias estratégicas seria um "cocktail" perfeito para ruralizar o partido Frelimo e, com os frutos dessa simbiose, pensar numa estratégia macro e única para enfrentar as eleições gerais. Mas isto ê como diz Donatien Alphonse François de Sade, requer "um pouco de esforço intelectual” para perceber a agenda grande. E, como fica provado nestas picardias todas, exercício intelectual é o que a oposição maia odeia. Vai dai que vão-nos servindo doses cavalares de extremismo e sectarismo, suficientes para não galvanizar a ninguém.
E esta espiral de autovulgarização tem a sua parte incoerente, que sucumbe a qualquer teste de seriedade. Por exemplo, Venâncio Mondlane, Manuel Araújo e Ricardo Tomas saíram do Movimento Democrático de Moçambique alegando inexistência de democracia. Nada mais justo, numa sociedade avançada, que advoga a liberdade dos homens com base nas suas convicções ideológicas.
Mas acontece que, tendo estes três quadros saído do Movimento Democrático de Moçambique por alegada falta de democracia interna, no dia seguinte ao que anunciaram a sua saída do MDM foram anunciados como cabeças-de-lista da Renamo. Há várias questões que se podem apresentar sobre os conceitos de democracia que esses três quadros têm, mas há as principais. Se estes cavalheiros
são, de facto, arautos da democracia, como é que explicam que tenham sido transformados em cabeças-de-lista sem terem dado aos outros a oportunidade de concorrer contra eles num processo transparente?
O que dizer dos membros da Renamo que desenvolveram a sua militância em condições extremas, que conhecemos, e que sonhavam com esses postos ou com a possibilidade de concorrer a esses postos, acreditando estarem em partidos democráticos e que hoje não conseguiram, porque, do nada, apareceram dois “democratas" que nunca foram eleitos e foram impostos como cabeças -de-lista?
Se estes três quadros fossem, de facto democratas como fingem ser, a primeira coisa que deviam fazer era informar, na Renamo, que abandonaram o MDM porque lá não se pratica democracia e, como bons democratas, exigiam eleições internas para escolha de cabeças-de-lista num processo em que os outros deviam também concorrer em igualdade de circunstancias, como mandam as regras da democracia que dizem seguir. Mas o que se nota aqui é que eles fugiram de um lugar onde a falta de democracia os prejudicava e foram para um outro lugar onde a falta de democracia os beneficia, ou seja, o que eles perseguem não é democracia. Eles não são democratas. Eles procuram organizações para encaixar as suas pretensões, que nada têm a ver com democracia. Por várias vezes aqui, neste mesmo espaço, defendemos Manuel de Araújo e Venâncio Mondlane, mas fizemo-lo quando estiveram do lado da razão e da racionalidade. Temos o mesmo dever de os reprovar, aqui mesmo, como um mau exemplo para os jovens que aspiram a fazer política. A politica é uma dialéctica de ideologias opções em pensamento. Qual é a ideologia de quem sai de uma Organização por protestar contra uma situação que ele próprio vai implementar para outro lugar Isto nem às hienas lembra. A ideologia do "eu, mais eu e depois eu” é reprovável a todos os níveis.
Mas, infelizmente, ê disto que é feita a nossa oposição: de uma tremenda falta de agenda. O MDM foi criado por desertores da Renamo, e nunca houve um trabalho ideológico. E, por falta desse trabalho, nunca se desenvolveu uma base de convicção politico-ideológica sobre um projecto nacional que ultrapasse simples sair da Renamo. Durante muito tempo, o MDM fortaleceu-se pela ausência da Renamo, ou seja, filiaram-se no MDM os que já não tinham a Renamo para amar. Do mesmo sindrome padece a Renamo: até hoje, a agenda ê não gostar da Frelimo, e ê com esse panfleto que a Organização vai sobrevivendo. Ma isso só não basta. É preciso haver uma agenda nacional que vá para além de não gostar da Frelimo. Se bem que esse desgosto, às vezes, confunde-se com amor e, em muitos assuntos, até andam acasalados, questionando-se até que ponto como é que a Renamo exerce a tal oposição. O problema é a falta de uma agenda concreta por parte da oposição.
CANAL DE MOÇAMBIQUE – 25.07.2018

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