quarta-feira, 18 de julho de 2018

Os Maias deixam de ser de leitura obrigatória no secundário


Nas aprendizagens essenciais para Português do ensino secundário, que irão substituir as metas curriculares, refere-se apenas que os alunos devem ler um romance de Eça de Queirós, à escolha do professor. Também na disciplina de História há conteúdos que vão desaparecer das aulas.
Aprendizagens essenciais entram em vigor no próximo ano lectivo nos anos iniciais de cada ciclo
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Aprendizagens essenciais entram em vigor no próximo ano lectivo nos anos iniciais de cada ciclo RUI GAUDÊNCIO
As obras de Eça de Queirós Os Maias e A Ilustre Casa de Ramires vão deixar de ser de leitura obrigatória no ensino secundário. É esta a proposta contida nas chamadas aprendizagens essenciais para a disciplina de Português do 10.º, 11.º e 12.º ano.
Estes documentos estão em consulta pública até 27 de Junho na página da Direcção-Geral da Educação. A partir do próximo ano lectivo, as aprendizagens essenciais vão substituir as metas curriculares aprovadas por Nuno Crato. A sua aplicação, que já foi estreada nas 230 escolas integradas no projecto-piloto da flexibilidade curricular, começará pelos anos iniciais de ciclo (1.º, 5.º, 7.º e 10.º).
Segundo o ministério, as aprendizagens essenciais, que foram elaboradas pelas associações de professores, visam colmatar as dificuldades colocadas pela “extensão” dos programas curriculares em vigor e como esse objectivo “procurou-se identificar, disciplina a disciplina e ano a ano, o conjunto essencial de conteúdos, capacidades e atitudes” que os alunos devem dominar.Apesar de insistir que os programas das disciplinas continuam em vigor, o Ministério da Educação indicou ao PÚBLICO que os exames vão passar a avaliar “o que está disposto nas aprendizagens essenciais”. O que acontecerá já em 2019/2020 para os alunos do 11.º ano.
“Há uma diminuição das obras propostas para leitura, que coexiste com o alargamento das opções que podem ser tomadas pelos professores”, confirma a presidente da Associação de Professores de Português (APP), Filomena Viegas. No caso do 11.º ano, por exemplo, em vez de se referir, como até agora, que a obra de Eça de Queirós deve ser escolhida entre Os Maias ou A Ilustre Casa de Ramires aponta-se apenas que os alunos têm de ler uma obra deste autor.
O mesmo se passa, no que toca a obras narrativas, com Almeida Garrett, Alexandre Herculano ou Camilo Castelo Branco. E na poesia com Antero de Quental ou Cesário Verde. Em todos casos deixam de ser mencionadas obras específicas para se ficar apenas com a referência “escolher um romance” ou “escolher três poemas”.
“O que interessa é conhecer a obra do autor, pois qualquer leitura feita deve permitir fazer outras”, justifica a presidente da APP, adiantando que também nos exames nacionais “cada vez mais se está a deixar de privilegiar uma obra específica de um autor”. Também o ministério sustenta que “a avaliação da educação literária terá em conta o conhecimento da cultura literária e o conhecimento dos autores e movimentos literários, o que pode ser aferido com base em leituras diferenciadas”.  
Dos géneros literários abordados no secundário desaparecem ainda os contos.

O "puzzle" de História A

Esta redução de conteúdos, também verificada nas aprendizagens essenciais proposta para o ensino básico do qual, por exemplo, desapareceu a herança muçulmana na Península Ibérica, volta a ser patente na disciplina de História A do secundário. O programa desta disciplina data de 2001 e não chegaram a ser elaboradas metas curriculares.
Por exemplo, refere, no 10.º ano desaparece o conceito de direitos humanos, que era até aqui abordado no módulo da “abertura europeia ao mundo” nos séculos XV e XVI onde se propunha, entre outros temas o do encontro de culturas e as dificuldades de aceitação da unidade do género humano”. Também no 10.º ano, no que respeita ao período da Idade Média, “eliminou-se toda a dimensão cultural (arte gótica, religiosidade, ordens mendicantes e confrarias, escolas, universidades…)”, apesar de posteriormente se propor aos alunos que problematizem a produção artística em Portugal, partindo do gótico-manuelino, aponta Elisabete Jesus.
“A imagem que me ocorre das aprendizagens essenciais é a de um friso cronológico em forma de puzzle. Um puzzle com algumas peças encaixadas à força, sem sentido, e um puzzle inacabado. Faltam-lhe peças”, conclui esta professora.

Um mal menor ou um recuo?

E quanto à Matemática? “Como acontece com todos os documentos que têm saído deste ministério, também as aprendizagens essenciais são extremamente pobres e vagas quanto aos conteúdos matemáticos”, comenta o presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática, Jorge Buescu.
Este responsável aponta ainda para o facto de as referências programáticas existentes apontarem para o antigo programa da disciplina, aprovado em 2002, quando aquele que se encontra em vigor, e que foi sempre contestado pela Associação de Professores de Matemática, data de 2015. “Esta situação é de duvidosa legalidade e o Ministério da Educação terá de esclarecer qual o enquadramento legal destas referências”, aponta.
Em suma, conclui Jorge Buescu, as aprendizagens essenciais para Matemática A representam “um grande recuo".
“Entendemos que, dadas as dificuldades que o actual programa de Matemática A está a trazer a alunos, professores e escolas, estas aprendizagens essenciais, estando longe do que consideramos uma proposta global coerente e articulada, é o menor mal que neste momento é possível termos”, afirma, por seu lado, a presidente da Associação de Professores de Matemática, Lurdes Figueiral, frisando que é “urgente avaliar as dificuldades e os problemas existentes e preparar as alterações necessárias e inadiáveis”. O Ministério da Educação já constituiu um grupo de trabalho para analisar o programa em vigor e propor um novo.
  1. José Rodrigues
      Viana do Castelo 
    "Os Maias" já não era um livro de leitura obrigatória, como aliás a própria jornalista o indica lá para o meio. Não percebo este título. A única diferença, que falta saber se vai ter efeitos práticos ou se toda a gente vai continuar com "Os Maias", é que há mais obras de Eça a escolher. Apenas isso.
  2. luis azevedo
      lisboa 
    "Os Maias" é um livro. E como tal a noticia esta mal escrita. "Os Maias" deixa de ser de leitura obrigatória.
  3.   OldVic recomenda a música do dia: "Inní Mér Syngur Vitleysingur" (Sigur Rós) 
    É pena que “Os Maias” deixem de ser indicados, porque o livro é um retrato devastador de certa oligarquia que orbita à volta da “corte” lisboeta, e se esquecermos a época em que foi escrito, continua a aplicar-se a 100% a essa tribo nos dias de hoje. Não é de excluir que esse facto desagrade à oligarquia que nos (des)governa.
    1. José Carioca
        Cruz Quebrada 
      Ótimo comentário que subscrevo inteiramente.
    2. Sandra
        Lisboa 
      Sigur Rós?! Conheci há dias sugestionado pelo Tripeiro. Fiquei fã. Vou já ouvir. Quanto aos "Maias" deixarem de ser de leitura obrigatória discordo. Os programas vão continuar a ser cortados quer a português quer a história matemática. Estes facilitismos vão acabar por prejudicar os alunos que entram nas universidades com bases paupérrimas. O que o professor Nuno Crato construiu este ministro destrói. Para mim o professor Nuno Crato foi quem mais fez pelos alunos nos últimos anos. Rigor, método, disciplina, exigência, enfim, tudo factores que preparavam os miúdos para o futuro. Pena não se reconhecer aquilo que é bem feito independente das ideologias políticas.
    3. Eu bem digo que a Sandra não foi talhada para comunista, é demasiado racional para isso. Mas, Sandra, as leituras obrigatórias não terminam, os alunos serão sempre obrigados a ler uma obra escolhida pelo professor.
    4. Sandra
        Lisboa 
      Pois. Mas ao alargar o leque de leituras sugestiona das pelo professor aumenta também o leque de hipóteses a saír em exame. Não me parece que viesse mal ao mundo por os miúdos lerem "Os Maias". Liam aos poucos, com a família, com amigos. Há livros de resumos de testes. Há até uma síntese televisiva do Ricardo Araújo Pereira. Há um monte de maneiras de " aliciar" o pessoal a ler. "Os Maias" continuam a ser um livro muito adequado por razões históricas e linguísticas. Não acho nada estranho ver mérito onde o há. Estranho era o contrário.
    5. Oh Sandra!!! Então num comentário fala em rigor e noutro fala em resumos?! Ai, ai! Mas tem razão, não me tinha lembrado dos exames, de facto não é muito prático fazer um exame à escala nacional que abranja uma diversidade de obras. "Não acho nada estranho ver mérito onde o há. Estranho era o contrário." Alguma vez viu o PCP ver mérito nas ideias/trabalho dos outros? Eu nunca vi!

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