O MATIAS E A ESTRANHA AUSÊNCIA QUE NINGUÉM ESTRANHOU
Entro atarantado na redacção de um jornal para dar a boa nova.
- Ilustre, o julgamento de Matias Guente é amanhã. – atiro.
O jornalista a quem informo não reage à informação com a mesma emoção.
Sinto-me como um hipopótamo numa loja de porcelanas, que entra a partir tudo por falta de jeito. Devo não ter me dirigido ao jornalista com o devido cuidado, então sou obrigado a rever a minha abordagem.
- Ilustre, vais fazer a cobertura do julgamento de Matias Guente amanhã?
- Não. – responde ele. – Não é minha área.
- E qual é a tua área? – pergunto.
- Desporto.
- E o colega ali?
- Eu! Também não posso cobrir julgamentos.
- Porquê?
- Não é minha área.
- E qual é a tua área?
- Sociedade.
- Talvez aquele outro colega pode.
- Eu não posso, infelizmente. – responde o outro.
- Porquê?
- Sou da área cultural.
- E aquele ali?
- Não pode também. Ele é da área política.
Uma redacção inteira me responde que não vai destacar nenhum repórter para fazer a cobertura do julgamento do meu pobre amigo Matias Guente, pelo que me retirei daquele jornal a matutar com os meus botões se eu estaria bem de cabeça para achar que alguém havia de se preocupar com o assunto para lhe dedicar atenção. O julgamento é amanhã.
Saio de casa logo cedo a caminho do tribunal ciente de que o meu amigo precisa de mim, porque não há-de ser fácil para ele enfrentar aquele julgamento sozinho no banco dos réus por causa da caricatura da administradora e do governador do Banco de Moçambique em grande farra na piscina.
Para além de mim, que não estou propriamente no activo, está um fotógrafo jornalista, a quem lhe foi tirado o direito de acesso à informação pelo oficial de justiça que está de serviço.
- Não é para tirar fotos! – diz o oficial.
- Porquê? – interpelo-o.
- São as regras do tribunal.
Não compreendo muito bem o sentido das regras do tribunal que impedem os jornalistas de fotografar o julgamento.
- Mas este julgamento é público. – argumento.
- Não podem tirar fotos. E ponto final!
- E tomar notas?
- Também não. – responde, com ares de ser um mafioso.
Logo percebo que esta coisa de ser jornalista não é respeitada nada mesmo. Um colega nosso a responder pelo crime de ser jornalista e nós sem podermos fotografar nem tomar notas do julgamento é mesmo reflexo de uma ditadura bufa que se quer impor subtilmente neste país.
Não estranho muito a ausência de muitos colegas de profissão. E porque razão haveriam de ali estar? Não é área deles. É o que dizem os da área política, social, desportiva, económica e cultural.
- É que você Nenane gosta muito dessa coisa de leis e tribunais. – disse uma colega ontem.
- Ele é do jornalismo judiciário. – atirou outra, em jeito de gozo.
- Jornalismo o quê?
- Judiciário!
- Em que páginas fica essa área?
- Nas páginas da cabeça dele.
- Até tem uma associação de jornalistas da área da cabeça dele.
- Só pode ser uma associação de malucos. – sentencia o chefe da redacção. – Vamos trabalhar, colegas. Deixem esse jornalista das leis que gosta de tribunais ir sozinho lá mesmo.
Foi por isso que ontem não precisei de argumentar mais nada para convencer aqueles meus colegas a virem ao julgamento. Podia ter lhes dito que não era para virem fazer cobertura, uma vez que não é área deles, sendo eles da política, da sociedade, do desporto, da economia e da cultura, como dizem, mas sim como colegas de profissão, a fim de prestarem solidariedade a um outro colega que também é da política a ser julgado pelo crime de ser jornalista. Foi por isso que não lhes disse mais nada. Fiquei na minha, com medo de ser enxovalhado naquela redacção a ponto de hoje não poder estar neste tribunal.
Para além de mim e do fotógrafo jornalista, que aqui estamos, ainda que impedidos de fotografar o julgamento assim como de tirar notas, chegam mais dois jornalistas. Jeremias Langa e Fernando Lima. Foram arrolados pelo advogado de defesa João Carlos Trindade como testemunhas. Portanto, não estão aqui para fazer a cobertura do evento, mas sim para testemunhar. Mais tarde, chegariam mais dois jornalistas: José Machicane da Agência Lusa e Erick Charas do jornal @verdade.
É nisso que dá ser maluco. Enquanto todos se esforçam em ser sujeitos normais e que fazem tudo igual, eu do meu lado vou aperfeiçoando cada vez mais e mais a minha maluquez. Os malucos terminam assim mesmo. Sozinhos. Abandonados. Ao Deus dará. Entregues à sua própria sorte, senão mesmo à bicharada. Onde estão os colegas de profissão? Zero. Estão em algum lugar, mas não neste tribunal, onde jamais serão vistos nem achados. Os do jornal Notícias (Júlio Manjate), Domingo (Jorge Rungo), Rádio Moçambique (Antonio Jorge Massuque), Televisão de Moçambique (Cremildo Lipangue), Agência de Informação de Moçambique (Paul Fauvet) onde estão? Zero. Nem um sequer. Os do Savana (Francisco Carmona), do Mediafax (Fernando Mbanze), Zambeze (Egídio Plácido), do Público (Rui de Carvalho), do Magazine Independente (Nelo Cossa), do Dossier & Factos (Serôdio Towo) onde estão afinal? Zero. Os da STV (Olivia Massango), do Pais (Emidio Beula), da TV Sucesso (Felicidade Linda), da Eco TV (Leonardo Costa), da TIM (Alfredo Júnior Lituri Didi), onde estão? Zero. Os correspondentes da Voz da América (Ramos Miguel), da RFI, da DW, da RTP África (Ângela Chin), onde estão afinal? Zero. Borla. Ausência total. Testemunho hoje a história de uma estranha ausência que ninguém estranhou. E não será estranho que ninguém tenha estranhado a estranha ausência que ninguém estranhou?
Podia até se dar o caso de não virem para cobrir o julgamento no caso do mesmo não ser do interesse editorial dos seus órgãos de informação, mas no mínimo podiam ter se lembrado que se trata de um colega que está a ser vítima de uma perseguição judicial terrorista. Eis o estado da classe jornalística.
Por causa de estar a ficar cada vez mais maluco dia após dia, não creio que vá ter hoje um intervalo de lucidez para descansar desta minha loucura de me sentir como se tivesse sido abandonado por todo o mundo justamente no dia em que mais preciso dos meus amigos para ajudarmos o meu amigo Matias Guente a carregar a cruz pesada que lhe foi colocada nas costas pelo sistema opressor. Não se trata de uma cruz para ser carregada por um homem só, ainda mais franzino, como se não bastasse.
De nada adiantam as minhas súplicas. A estranha ausência dos homens da pena é total e o julgamento já decorre. A par da ausência dos colegas da classe jornalística, noto também a estranha ausência das organizações da classe, a começar pelo Sindicato Nacional de Jornalistas (Eduardo Constantino) uma estranha ausência que ninguém estranhou. Notei a ausência do MISA Moçambique ( Lazaro Mabunda), da Associação da Mulher na Comunicação Social, da Rede de Comunicadores Amigos da Criança (Célia Claudina), do Fórum de Rádios Comunitárias de Moçambique (Naldo Dos Santos Chivite), da Rede de Jornalistas Parlamentares de Moçambique (Aurélio Muianga), do Centro de Jornalismo Investigativo (Luís Luis Nhachote), da IREX (Arsenio Manhice) e de todos, uma estranha ausência que ninguém estranhou.
Não vejo ninguém em representação do Conselho Superior da Comunicação Social, uma entidade cujo papel já não sei qual deverá ser, porque chego a entender que será nenhum, tratando-se de uma instituição moribunda que há muito deveria ter sido extinta do que continuar com toda aquela gente improdutiva e sem nada para fazer para além de improvisar relatórios para mandar para o Presidente da República a falar mal da imprensa privada. A estranha ausência que ninguém estranhou estende-se às organizações da sociedade civil no seu todo, da JOINT (Simao Tila) e companhia limitada. Sem excepção.
É vergonhoso quando abandonamos um colega no banco dos réus para responder sozinho por um crime que não cometeu em momento algum. Não estou no tribunal por ser jornalista que gosta de leis, até porque não estou propriamente no activo. Estou aqui porque preciso de confortar o meu amigo Matias Guente face à violência estrutural que lhe está a ser infringida pelo sistema opressor. Logo logo o feitiço irá virar-se contra o feiticeiro, porque não é Guente que está a ser julgado, ainda que esteja ele sentado no banco dos réus. É o sistema opressor que está a ser julgado, por isso há orientações vindas do além para que os jornalistas não registem o momento, assim como não tirem fotos e nem sequer tomem notas. Todo o governo com tendência para a ditadura, a primeira coisa que faz para limitar os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, é limitar o acesso à informação, o que equivale, em linha directa, a cortar o acesso ao conhecimento. Querem que o Guente se cale, por isso lhe assustam com intimações e acções judiciais, a fim de que uma vez calado possam eles continuar a fingir que estão a governar quando na verdade estão a comer o dinheiro do povo de fato de banho nas grandes farras das piscinas.
Não obstante o facto de ter sido abandonado por todos, sozinho no banquinho de um cadafalso a responder pelo crime de ter publicado uma caricatura de uma administradora e um governador do Banco de Moçambique numa grande farra numa piscina qualquer e com bebidas alcoólicas à mistura, Guente responde em sua própria defesa para salvar a própria pele com uma eloquência de alguém que acabará por nos defender a todos nós, a fim de que não possamos ser cadastrados de ânimo leve na criminalística como perigosos criminosos, por sermos cidadãos livres e conscientes da nossa condição de pessoas que nasceram livres e iguais em dignidade e em direitos.
Matias Guente defende toda a classe jornalística, apesar desta classe não merecer a defesa dele pela forma como a mesma o abandonou no momento em que mais precisava dela. Guente defende a liberdade de imprensa e de expressão, a liberdade de pensamento, a liberdade artística e de criação, o direito à informação e, em linha directa, a Constituição da República e o Estado de Direito e Democrático. Qualquer tribunal que se dê ao trabalho de querer condenar um jornalista por isso, nada mais estará a fazer senão confirmar que vivemos efectivamente numa ditadura fascista camuflada em Estado de Direito e Democrático. Abandonado pela classe jornalística, alguns com o argumento de que não são da área dos julgamentos mas sim da política, economia, sociedade, desporto e cultura – o que por si só denota uma falta de cultura generalizada no seio dos nossos jornalistas –, sou mesmo levado a questionar: por algum acaso existe uma classe jornalística neste país? Muitos elogiam-me pelo facto de estar a relatar o que aconteceu naquele tribunal, ao que muito agradeço pelo reconhecimento do meu papel. Mas sinceramente, meus senhores. Eu nem sequer estou no activo. Apenas fui lá por uma questão de solidariedade, enquanto os que estão no activo e com o poder do papel e da caneta nas mãos, pura e simplesmente abstiveram-se de se fazer ao tribunal, como se estivessem a mandar uma mensagem inequívoca segundo a qual agora o gajo que se lixe porque aquele puto é um rebelde do raio. Se de facto essa tal classe jornalística existisse, nunca teria nos abandonado como nos abandonou na passada sexta-feira, deixando-nos sozinhos no tribunal. Uma verdadeira falta de comparência. Esta é sim a triste história de uma estranha ausência que ninguém estranhou. E a Luta Continua!
- Ilustre, o julgamento de Matias Guente é amanhã. – atiro.
O jornalista a quem informo não reage à informação com a mesma emoção.
Sinto-me como um hipopótamo numa loja de porcelanas, que entra a partir tudo por falta de jeito. Devo não ter me dirigido ao jornalista com o devido cuidado, então sou obrigado a rever a minha abordagem.
- Ilustre, vais fazer a cobertura do julgamento de Matias Guente amanhã?
- Não. – responde ele. – Não é minha área.
- E qual é a tua área? – pergunto.
- Desporto.
- E o colega ali?
- Eu! Também não posso cobrir julgamentos.
- Porquê?
- Não é minha área.
- E qual é a tua área?
- Sociedade.
- Talvez aquele outro colega pode.
- Eu não posso, infelizmente. – responde o outro.
- Porquê?
- Sou da área cultural.
- E aquele ali?
- Não pode também. Ele é da área política.
Uma redacção inteira me responde que não vai destacar nenhum repórter para fazer a cobertura do julgamento do meu pobre amigo Matias Guente, pelo que me retirei daquele jornal a matutar com os meus botões se eu estaria bem de cabeça para achar que alguém havia de se preocupar com o assunto para lhe dedicar atenção. O julgamento é amanhã.
Saio de casa logo cedo a caminho do tribunal ciente de que o meu amigo precisa de mim, porque não há-de ser fácil para ele enfrentar aquele julgamento sozinho no banco dos réus por causa da caricatura da administradora e do governador do Banco de Moçambique em grande farra na piscina.
Para além de mim, que não estou propriamente no activo, está um fotógrafo jornalista, a quem lhe foi tirado o direito de acesso à informação pelo oficial de justiça que está de serviço.
- Não é para tirar fotos! – diz o oficial.
- Porquê? – interpelo-o.
- São as regras do tribunal.
Não compreendo muito bem o sentido das regras do tribunal que impedem os jornalistas de fotografar o julgamento.
- Mas este julgamento é público. – argumento.
- Não podem tirar fotos. E ponto final!
- E tomar notas?
- Também não. – responde, com ares de ser um mafioso.
Logo percebo que esta coisa de ser jornalista não é respeitada nada mesmo. Um colega nosso a responder pelo crime de ser jornalista e nós sem podermos fotografar nem tomar notas do julgamento é mesmo reflexo de uma ditadura bufa que se quer impor subtilmente neste país.
Não estranho muito a ausência de muitos colegas de profissão. E porque razão haveriam de ali estar? Não é área deles. É o que dizem os da área política, social, desportiva, económica e cultural.
- É que você Nenane gosta muito dessa coisa de leis e tribunais. – disse uma colega ontem.
- Ele é do jornalismo judiciário. – atirou outra, em jeito de gozo.
- Jornalismo o quê?
- Judiciário!
- Em que páginas fica essa área?
- Nas páginas da cabeça dele.
- Até tem uma associação de jornalistas da área da cabeça dele.
- Só pode ser uma associação de malucos. – sentencia o chefe da redacção. – Vamos trabalhar, colegas. Deixem esse jornalista das leis que gosta de tribunais ir sozinho lá mesmo.
Foi por isso que ontem não precisei de argumentar mais nada para convencer aqueles meus colegas a virem ao julgamento. Podia ter lhes dito que não era para virem fazer cobertura, uma vez que não é área deles, sendo eles da política, da sociedade, do desporto, da economia e da cultura, como dizem, mas sim como colegas de profissão, a fim de prestarem solidariedade a um outro colega que também é da política a ser julgado pelo crime de ser jornalista. Foi por isso que não lhes disse mais nada. Fiquei na minha, com medo de ser enxovalhado naquela redacção a ponto de hoje não poder estar neste tribunal.
Para além de mim e do fotógrafo jornalista, que aqui estamos, ainda que impedidos de fotografar o julgamento assim como de tirar notas, chegam mais dois jornalistas. Jeremias Langa e Fernando Lima. Foram arrolados pelo advogado de defesa João Carlos Trindade como testemunhas. Portanto, não estão aqui para fazer a cobertura do evento, mas sim para testemunhar. Mais tarde, chegariam mais dois jornalistas: José Machicane da Agência Lusa e Erick Charas do jornal @verdade.
É nisso que dá ser maluco. Enquanto todos se esforçam em ser sujeitos normais e que fazem tudo igual, eu do meu lado vou aperfeiçoando cada vez mais e mais a minha maluquez. Os malucos terminam assim mesmo. Sozinhos. Abandonados. Ao Deus dará. Entregues à sua própria sorte, senão mesmo à bicharada. Onde estão os colegas de profissão? Zero. Estão em algum lugar, mas não neste tribunal, onde jamais serão vistos nem achados. Os do jornal Notícias (Júlio Manjate), Domingo (Jorge Rungo), Rádio Moçambique (Antonio Jorge Massuque), Televisão de Moçambique (Cremildo Lipangue), Agência de Informação de Moçambique (Paul Fauvet) onde estão? Zero. Nem um sequer. Os do Savana (Francisco Carmona), do Mediafax (Fernando Mbanze), Zambeze (Egídio Plácido), do Público (Rui de Carvalho), do Magazine Independente (Nelo Cossa), do Dossier & Factos (Serôdio Towo) onde estão afinal? Zero. Os da STV (Olivia Massango), do Pais (Emidio Beula), da TV Sucesso (Felicidade Linda), da Eco TV (Leonardo Costa), da TIM (Alfredo Júnior Lituri Didi), onde estão? Zero. Os correspondentes da Voz da América (Ramos Miguel), da RFI, da DW, da RTP África (Ângela Chin), onde estão afinal? Zero. Borla. Ausência total. Testemunho hoje a história de uma estranha ausência que ninguém estranhou. E não será estranho que ninguém tenha estranhado a estranha ausência que ninguém estranhou?
Podia até se dar o caso de não virem para cobrir o julgamento no caso do mesmo não ser do interesse editorial dos seus órgãos de informação, mas no mínimo podiam ter se lembrado que se trata de um colega que está a ser vítima de uma perseguição judicial terrorista. Eis o estado da classe jornalística.
Por causa de estar a ficar cada vez mais maluco dia após dia, não creio que vá ter hoje um intervalo de lucidez para descansar desta minha loucura de me sentir como se tivesse sido abandonado por todo o mundo justamente no dia em que mais preciso dos meus amigos para ajudarmos o meu amigo Matias Guente a carregar a cruz pesada que lhe foi colocada nas costas pelo sistema opressor. Não se trata de uma cruz para ser carregada por um homem só, ainda mais franzino, como se não bastasse.
De nada adiantam as minhas súplicas. A estranha ausência dos homens da pena é total e o julgamento já decorre. A par da ausência dos colegas da classe jornalística, noto também a estranha ausência das organizações da classe, a começar pelo Sindicato Nacional de Jornalistas (Eduardo Constantino) uma estranha ausência que ninguém estranhou. Notei a ausência do MISA Moçambique ( Lazaro Mabunda), da Associação da Mulher na Comunicação Social, da Rede de Comunicadores Amigos da Criança (Célia Claudina), do Fórum de Rádios Comunitárias de Moçambique (Naldo Dos Santos Chivite), da Rede de Jornalistas Parlamentares de Moçambique (Aurélio Muianga), do Centro de Jornalismo Investigativo (Luís Luis Nhachote), da IREX (Arsenio Manhice) e de todos, uma estranha ausência que ninguém estranhou.
Não vejo ninguém em representação do Conselho Superior da Comunicação Social, uma entidade cujo papel já não sei qual deverá ser, porque chego a entender que será nenhum, tratando-se de uma instituição moribunda que há muito deveria ter sido extinta do que continuar com toda aquela gente improdutiva e sem nada para fazer para além de improvisar relatórios para mandar para o Presidente da República a falar mal da imprensa privada. A estranha ausência que ninguém estranhou estende-se às organizações da sociedade civil no seu todo, da JOINT (Simao Tila) e companhia limitada. Sem excepção.
É vergonhoso quando abandonamos um colega no banco dos réus para responder sozinho por um crime que não cometeu em momento algum. Não estou no tribunal por ser jornalista que gosta de leis, até porque não estou propriamente no activo. Estou aqui porque preciso de confortar o meu amigo Matias Guente face à violência estrutural que lhe está a ser infringida pelo sistema opressor. Logo logo o feitiço irá virar-se contra o feiticeiro, porque não é Guente que está a ser julgado, ainda que esteja ele sentado no banco dos réus. É o sistema opressor que está a ser julgado, por isso há orientações vindas do além para que os jornalistas não registem o momento, assim como não tirem fotos e nem sequer tomem notas. Todo o governo com tendência para a ditadura, a primeira coisa que faz para limitar os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, é limitar o acesso à informação, o que equivale, em linha directa, a cortar o acesso ao conhecimento. Querem que o Guente se cale, por isso lhe assustam com intimações e acções judiciais, a fim de que uma vez calado possam eles continuar a fingir que estão a governar quando na verdade estão a comer o dinheiro do povo de fato de banho nas grandes farras das piscinas.
Não obstante o facto de ter sido abandonado por todos, sozinho no banquinho de um cadafalso a responder pelo crime de ter publicado uma caricatura de uma administradora e um governador do Banco de Moçambique numa grande farra numa piscina qualquer e com bebidas alcoólicas à mistura, Guente responde em sua própria defesa para salvar a própria pele com uma eloquência de alguém que acabará por nos defender a todos nós, a fim de que não possamos ser cadastrados de ânimo leve na criminalística como perigosos criminosos, por sermos cidadãos livres e conscientes da nossa condição de pessoas que nasceram livres e iguais em dignidade e em direitos.
Matias Guente defende toda a classe jornalística, apesar desta classe não merecer a defesa dele pela forma como a mesma o abandonou no momento em que mais precisava dela. Guente defende a liberdade de imprensa e de expressão, a liberdade de pensamento, a liberdade artística e de criação, o direito à informação e, em linha directa, a Constituição da República e o Estado de Direito e Democrático. Qualquer tribunal que se dê ao trabalho de querer condenar um jornalista por isso, nada mais estará a fazer senão confirmar que vivemos efectivamente numa ditadura fascista camuflada em Estado de Direito e Democrático. Abandonado pela classe jornalística, alguns com o argumento de que não são da área dos julgamentos mas sim da política, economia, sociedade, desporto e cultura – o que por si só denota uma falta de cultura generalizada no seio dos nossos jornalistas –, sou mesmo levado a questionar: por algum acaso existe uma classe jornalística neste país? Muitos elogiam-me pelo facto de estar a relatar o que aconteceu naquele tribunal, ao que muito agradeço pelo reconhecimento do meu papel. Mas sinceramente, meus senhores. Eu nem sequer estou no activo. Apenas fui lá por uma questão de solidariedade, enquanto os que estão no activo e com o poder do papel e da caneta nas mãos, pura e simplesmente abstiveram-se de se fazer ao tribunal, como se estivessem a mandar uma mensagem inequívoca segundo a qual agora o gajo que se lixe porque aquele puto é um rebelde do raio. Se de facto essa tal classe jornalística existisse, nunca teria nos abandonado como nos abandonou na passada sexta-feira, deixando-nos sozinhos no tribunal. Uma verdadeira falta de comparência. Esta é sim a triste história de uma estranha ausência que ninguém estranhou. E a Luta Continua!
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