segunda-feira, 23 de julho de 2018

BREVE COMENTÁRIO AO ACÓRDÃO QUE ABSOLVEU RAFAEL MARQUES E MARIANO BRÁS



A 6 de Julho de 2018, no âmbito do processo n.º 592/17-B, a juíza Josina Falcão, da 6.ª secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, assinou o acórdão que absolveu Rafael Marques e Mariano Brás dos crimes de que vinham acusados. Esta decisão já não é novidade, nem notícia actual, no momento em que escrevemos.
O que é interessante é analisar o seu conteúdo e retirar as devidas ilações jurídicas. Do ponto de vista legal, a peça está sustentada de modo cabal e cria uma jurisprudência densa acerca das questões tradicionais que envolvem (e envolverão) as relações entre o poder político e a imprensa. Não é uma peça política ou opinativa. É um trabalho jurídico elaborado e cuidado. A juíza estabelece uma série de critérios legais que poderão constituir patamares para a resolução de casos futuros.

O direito reforçado de crítica às autoridades públicas
O primeiro princípio que estabelecido no acórdão remete para o presidente norte-americano Harry Truman, citado no acórdão, a quem se atribui a metáfora “quem não suporta o calor, não deve trabalhar na cozinha” (cf. p. 30 do acórdão). Isto quer dizer que o exercício de funções públicas coloca o agente público debaixo de um escrutínio mais apurado e incisivo por parte da opinião pública e a tal tem de se habituar.
Como bem anota a juíza Josina Falcão, “o controlo público das public figures é o fundamento irrenunciável da vida política em liberdade” (p. 28). Portanto, jurisprudencialmente, fica assente que a crítica e a livre de expressão de opiniões face a figuras públicas faz parte da vida democrática. Isto não quer dizer que valha e seja permitido qualquer insulto, designadamente, a nível da honra privada (p. 27). Por exemplo, se Rafael Marques tivesse chamado o ex-PGR de “filho da p***” já dificilmente mereceria qualquer protecção dos comandos constitucionais acerca da liberdade de expressão e informação.
Então, fica cristalinamente definido que existe um direito de crítica ao exercício de funções públicas.
A existência desse direito de crítica tem consequências para a actuação dos políticos e figuras públicas, que aliás vêm espelhadas no acórdão (pp. 39 e ss). Uma das consequências é que os agentes públicos não podem responder com silêncio às queixas, denúncias e questionamentos da população. O silêncio é entendido como cumplicidade e motivador de crítica. Daqui resulta existir um dever fundamental de acção dos agentes públicos face a denúncias de comportamentos inadequados.
A outra face deste dever é que os denunciadores, sobretudo os jornalistas, têm o dever de actuar segundo processos adequados para investigarem e fazerem as suas denúncias. Esses processos assentam no imperativo da procura da verdade, do contraditório e da objectividade.

Rafael Marques e Mariano Brás durante o julgamento
O dever de objectividade dos jornalistas
O acórdão define com bastante precisão os limites para o exercício do direito de crítica por parte dos jornalistas. Não existe um “vale tudo”. É reconhecido que existe sempre uma tensão constitucional entre direitos fundamentais, a qual tem que ser resolvida segundo padrões de equilíbrio. Essa tensão verifica-se entre o direito à honra e à privacidade, por um lado, e a liberdade de expressão, por outro. Para que a liberdade de expressão prevaleça quando confrontada com a honra da figura pública, o jornalista tem de assentar as suas publicações sobre o critério da procura da verdade. Isto quer dizer que, se procurar a verdade com objectividade, as actuações do jornalista serão penalmente justificadas. Procurar com objectividade a verdade traduz-se em reunir documentos, ouvir testemunhas, tentar ouvir a versão da outra parte e tratar toda a informação que recebe de forma metódica. Assim fazendo, e convencendo-se, depois deste procedimento, de que existe matéria passível de denúncia, o jornalista está protegido pela Constituição para fazer a sua publicação denunciante.
Há que sublinhar um aspecto trivial, mas de manifesta importância para quem acompanha a jurisprudência de raiz lusófona. Este acórdão procede a uma aplicação directa e efectiva das regras constitucionais de direitos fundamentais. Isso é muito importante, porque habitualmente os tribunais ordinários têm receio de tal frontalidade. Preferem refugiar-se em leis mais ou menos obscuras, esquecendo-se das normas de aplicação directa existentes na Constituição. Aqui não houve esse temor, o que é de louvar.

O comportamento censurável do ex-PGR
Além dos aspectos jurídicos que sustentam a decisão, temos os factos. O facto principal é o comportamento altamente censurável que o ex-PGR teve na história que foi denunciada por Rafael Marques. Tal comportamento é descrito e qualificado no acórdão (p. 37 e ss.).
Resultou do julgamento que a aquisição do terreno em Porto Aboim por João Maria de Sousa esteve eivada de ilegalidades. Escreve a juíza: “tal aquisição não foi feliz por parte do Ofendido [João Maria de Sousa], pois a tramitação que seguiu (…) estava ferida de ilegalidades, que no senso comum levariam à nulidade de todo o processado”. E a juíza fustiga o ex-PGR por, na qualidade de PGR, fiscalizador da legalidade, não se ter preocupado em controlar a aquisição do bem que solicitou. Sendo certo que, se tivesse cumprido os deveres mínimos de diligência legal nessa operação, teria evitado as críticas de que foi alvo (pp. 37 e 38).
A este comportamento especialmente criticável do ex-PGR junta-se outro, que é também esclarecido no acórdão. O ex-PGR estava impedido pela Constituição, enquanto no exercício das suas funções, de exercer qualquer actividade comercial, estendendo-se essa proibição à propriedade de quotas em sociedades comerciais (pp. 21 e 22). E apesar de, desde 2012, existir uma lei que permite a detenção de quotas, que a juíza tem como inconstitucional, o certo é que a lei que vigorou durante boa parte do tempo em que João Maria de Sousa foi magistrado do Ministério Público proibia, tal como a Constituição, a posse de quotas ou participações em sociedades comerciais. Isto quer dizer que João Maria de Sousa praticou uma ilegalidade permanente enquanto foi PGR, pelo menos até 2012.
Obviamente, de tais achados, vertidos num documento oficial como é uma sentença judicial, deveria ser extraída certidão para investigar o comportamento de João Maria de Sousa. É uma obrigação legal do MP face ao que se comprova nas páginas 21 e 22 do acórdão.

Conclusão
Temos neste acórdão uma peça jurídica exaustiva que estabelece um patamar na definição dos limites constitucionais da relação entre a liberdade de expressão e os direitos de personalidade individuais, e reforça o direito de crítica às autoridades públicas, legalmente protegido. Também se estabelece o processo adequado para os jornalistas fazerem as suas investigações, no cumprimento da Constituição.
Finalmente, o acórdão levanta dúvidas e objecções ao comportamento do ex-PGR que tornam imperativa uma investigação judicial.

A 6 de Julho de 2018, no âmbito do processo n.º 592/17-B, a juíza Josina Falcão, da 6.ª secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, fez-se historia. Assim, podemos compreender melhor como uma corja, governou e “governa” Angola. Incentivamos Sua Excelência Presidente de Angola a continuar a lutar contra o Crime de Colarinho Branco. Portanto, isso reforça a minha convicção, não me dar ao trabalho de recordar esses iluminados de um partido como patriota.
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Ana Cotrim
Estão todos de Parabéns, a Meretíssima juíza Josina Falcão que produziu um documento histórico, os arguidos e a República de Angola. Viva a Liberdade. Obrigada Maka Angola.
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Pedro Henrique
Não se deixe condenar pela opinião alheia, a justiça de Deus tarda mas nunca falha. “Que haja sempre coragem e determinação para decidir qualquer problema ”
Moises Raimundo
Eu realmente gostaria perceber o porquê certos analistas acham que ex-PGR teve razão. Podia acreditar no monopartidarismo e não na atual governação.
Felisberto Correia
Muitos dariam os parabéns a justiça por estar a fazer um óptimo trabalho, levantando assim esperança de uma Angola mais justa para todos.
Eduane Carina Francisco
A juíza Josina Falcão, da 6.ª secção da Sala dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, está de parábens pois elaborou um trabalho jurídico auspicioso e cuidadoso. Por outro lado fica a lição de que os conflitos devem ser resolvidos em tribunal.

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