O final do mês de Agosto foi pródigo em decisões do Tribunal Constitucional (TC) e da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) sobre questões fulcrais da vida angolana, como as falcatruas eleitorais ou a nomeação de Isabel dos Santos para a Sonangol.
Todas as decisões do TC foram contrárias aos desejos dos autores dos processos judiciais e favoráveis ao regime do MPLA. Todas. Não houve sequer uma excepção para disfarçar, porque em coisas sérias o regime não brinca: no mesmo dia em que saíram essas decisões, o governo colocou o exército armado nas ruas, em pequenos grupos com cães, para que ninguém se atrevesse ao mais pequeno ruído de contestação.
A mensagem está dada… O MPLA vai ganhar as eleições, com a percentagem que quer, independentemente dos verdadeiros resultados.
Aqueles que beatificamente “aconselham” a UNITA ou a CASA-CE a recorrerem aos meios legais para resolver as dúvidas que têm sobre a contagem eleitoral são hipócritas, pois sabem que os meios legais são do MPLA e só dão razão ao MPLA.
Vamos, a título de exemplo, analisar a decisão do Tribunal Constitucional sobre o recurso da CASA-CE acerca da divulgação provisória dos resultados pela CNE, que deu origem ao acórdão n.º 589-A/2017.
O essencial da argumentação do Tribunal estriba-se no artigo 135.º, n.º 1 da Lei Orgânica das Eleições Gerais (LOEG). Simplesmente o TC faz desse artigo uma interpretação contra legem (contra a lei) que nem um cão vestido de beca faria.
Começa o TC por declarar que uma das expressões do artigo 135.º é imprópria: a expressão “resultados gerais provisórios”. Esquecem-se os conselheiros do TC da regra base da interpretação jurídica contida no artigo 9.º,n.º 3 do Código Civil: “Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.” Ora, dizer sem mais que uma expressão da lei é imprópria e afastá-la liminarmente é uma “calinada” jurídica inaceitável.
Na realidade, ao utilizar a expressão “resultados gerais provisórios”, o que a lei pretende é permitir que a CNE divulgue resultados gerais antes da sua publicação oficial em Diário do Governo ou da República, como acontece em vários países. A lei não pretende que se façam previsões, extrapolações, ou contagens paralelas — daí a expressão “resultados gerais provisórios”, que serão apresentados depois da contagem e apuramento em cada círculo eleitoral realizado de acordo com a lei e não por qualquer meio alternativo. Não há dois tipos de contagens, apenas uma cronologia formal.
Disparate, também é decidir que as Comissões Provinciais Eleitorais (CPE) não têm que proceder ao apuramento dos votos antes do envio à CNE. Diz o mesmo artigo 135.º, n.º 1: “À medida que for recebendo os dados fornecidos pelas Comissões Provinciais Eleitorais, nos termos do artigo 123.º…” Portanto, basta ler a lei para perceber que os dados têm de ser fornecidos pelas CPE, nos termos do artigo 123.º da LOEG.
O que diz o artigo 123.º da LOEG? Estabelece o procedimento de transmissão dos resultados das assembleias de voto às CPE. Nada mais. A lei até é clara. As assembleias de voto enviam os resultados às CPE, e estas à CNE. Não há circuitos paralelos ou dois tipos de resultados. A distinção entre provisórios e definitivos apenas existe a posteriori, para efeitos de publicação nos termos dos números 2 e 3 do artigo 135.º. Não há resultados provisórios que não sejam apurados na chegada às CPE provenientes das assembleias de voto.
O que se estranha é que os conselheiros não percebam isto. Na realidade, eles percebem-nos muito bem, pois não são cães vestidos de beca. Na realidade, eles apenas quiseram fazer a vontade ao MPLA e para isso criaram mais uma “atipicidade angolana”: a existência de dois circuitos de contagem de votos. Seria para rir, se não fosse para chorar.
Por Paulo Zua
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