JUNHO 2017 | ANO I • N. 1 | 2 METICAIS
Editorial
Amigo, amiga, tens nas tuas
mãos uma vida. Porque um
jornal é como uma crian-
ça: é uma vida. Uma criança tem
vários nascimentos. Nasce uma
primeira vez a partir duma relação
de amor entre um homem e uma
mulher. Nasce uma segunda vez
quando sai do ventre da mãe. Nasce
uma terceira vez quando recebe
o nome e é apresentada à comunidade,
no rito do “chissasa”.
Da mesma forma, este jornal –
esta criança, esta vida – já nasceu
uma primeira vez nas mentes das
pessoas que o conceberam. Nasceu
uma segunda vez quando as
ideias receberam a forma das palavras
e viram a primeira luz nas
folhas dum caderno. Agora, aí nas
tuas mãos, está a viver o seu terceiro
nascimento. Este é o “chissasa”
de “Pa kwecha”.
Pa kwecha: quem é?
Pa kwecha é muitas pessoas. Nasce
da creatividade dum grupo de
rapazes e raparigas do Internato
“Santa Teresinha do Menino Jesus”
PA KWECHA | junho 2017 | 1
de Chemba. O menor de nós tem
treze anos e frequenta a 8ª classe,
enquanto o maior tem dezanove
anos e frequenta a 11ª classe. “Nzeru
mbawiri”, afirma a sabedoria
do povo. De facto, no Pa kwecha,
cada um faz a sua pequena parte,
mas sempre junto com os outros:
juntos pensamos este jornal, juntos
debatemos, juntos partilhamos
as ideias, juntos escrevemos.
Acreditamos que é através do diá-
logo e do debate sincero, honesto
e transparente das nossas opiniões
que podemos crescer como
pessoas livres e como cidadãos
dotados de espírito crítico.
Pa kwecha: porquê?
Pa kwecha: abertamente, à luz
do sol. Pa kwecha é o contrário
de chibiso-biso, às escondidas.
Chibiso-biso é a regra com a qual,
em muitos cantos do mundo, o
poder – junto com o medo, seu
fiel aliado – aprisionam as mentes
e obstaculam a livre expressão
das ideias. Pa kwecha é o mesmo
ideal que encontramos no artigo
48 da Constituição do nosso País
que garante a “todos os os cidadãos
o direito à liberdade de expressão,
à liberdade de imprensa,
bem como o direito à informa-
ção”. Pa kwecha quer dizer abertamente
e sem medo aquilo que,
muitas vezes, só se fala em baixa
voz.
Pa kwecha: o que faz?
A escola - geralmente e infelizmente
– ensina-nos a repetir, a
decorar e a meter X numa folha
no dia da prova. Nós, ao contrá-
rio, acreditamos que é mais importante
que a escola nos forne-
ça as capacidades para analisar
e compreender a realidade de
modo a elaborar uma visão e um
pensamento pessoal.
A sociedade, a política e o
poder nos ensinam a obedecer e
cumprir: «o bom jovem é aquele
que respeita as regras e faz tudo o
que lhe é mandado sem discutir».
Sem perguntar se as regras são
boas ou não, se são para o bem
de todos ou para o interesse de
poucos. Nós, ao contrário, acreditamos
que é mais importante
formar jovens que saibam pensar
com a sua cabeça, criticar e propor
uma visão diferente da realidade.
São estas as premissas para
construir uma sociedade melhor:
uma sociedade justa e democrá-
tica, onde todos – independentemente
da cor, raça, sexo, posição
social ou opção política – tenham
as mesmas oportunidades.
Pa kwecha quer fazer a sua pequena
parte: informar, actualizar
e fazer circular ideias. Um espa-
ço de debate das opiniões, uma
janela que abre uma perspectiva
inteligente e crítica sobre a realidade.
Pa kwecha quer fazer tudo
isso junto contigo, caro amigo leitor
e cara amiga leitora.
Se a escola fosse um carro...
Queremos falar de escola
e – para ajudar a nossa
reflexão – vamos comparar
a escola e o sistema de
aprendizagem moçambicano
com um carro. Este nosso carro,
como todos os carros, tem
quatro rodas. Primeira roda: os
professores. Secunda roda: os
alunos. Terceira roda: os encarregados
da educação. Quarta
roda: as autoridades administrativas
(Ministério da Educação e
Desenvolvimento Humano – MINEDH,
Direcções Provinciais e
Distritais da Educação).
Este nosso carro parece andar
muito mal. Aliás, algumas
rodas, as vezes, ficam tão esvaziadas
que o carro nem consegue
arrancar. Damo-nos conta
que o nosso carro tem problemas,
quando depararmos com
alunos que estudam sentados
no chão, com alunos que entram
no Ensino Secundário com
grandes dificuldades de leitura e
escrita, com casos de corrupção
que envolvem muitas escolas,
com a fraca qualificação e o fraco
empenho de alguns professores.
Como bons mecânicos, vamos
tentar de abordar o problema.
Para o carro correr bem,
é preciso que as quatro rodas
estejam num bom estado, isto é,
que cada um dos quatro sujeitos
acima citado levem a sério
as suas tarefas. Talvez, a bomba
para encher bem os quatro
pnéus chama-se mesmo “seriedade”.
Por exemplo, nunca vimos as
aulas arrancar no primeiro dia
do trimestre, facto que produz o
atraso no cumprimento do programa
curricular. Isso demostra
a falta de seriedade dos professores
– que sendo adultos deveriam
ser de exemplo, dos alunos
– que manifestam não acreditar
no estudo como meio de desen-
2 | PA KWECHA | junho 2017
volvimento da sua personalidade,
dos encarregados – que não
se interessam da educação dos
educandos.
Se é verdade que as aulas
começam no primeiro dia e
terminam no último dia, é também
verdade que começam no
primeiro tempo e terminam no
último tempo. Para dar aulas, o
professor tem que estar presente
na sala de aula do primeiro
até o último tempo. Talvez seja
esta a primeira e mais simples
revolução na escola da nossa
pátria amada.
Vamos fazer um outro exemplo
de roda vazia. Como é possível
que um aluno que sai da 10ª
classe, se pode tornar professor
do Ensino Primário, depois de ter
feito um só ano de formação?
Talvez o MINEDH confia demasiadamente
na inteligências dos
formadores! Ou, mais provavelmente,
a fraca formação dos
professores é uma das principais
causas do fracasso do Ensino
Primário em Moçambique.
Mas, talvez, a grande falha
do sistema de ensino no nosso
País é aquela de formar alunos
que só sabem repetir. Desde o
primeiro dia de aulas, aprendemos
a copiar: copiar do quadro,
copiar livros, copiar apontamentos,
copiar brochuras,
copiar da internet. Raríssimas
vezes, alguém ensinou-nos a
elaborar um pensamento nosso
ou pediu-nos de expressar livremente
as nossas ideias. Neste
caso o que está vazia é a roda
do MINEDH.
Ainda ninguém viu um carro
andar com duas ou três rodas.
É preciso que todas as quatro
rodas juntas estejam presentes
e em boas condições. Só assim
o carro da escola do nosso
Moçambique pode correr
bem do Rovuma à Maputo e do
Zumbo ao Índico.
PA KWECHA | junho 2017 | 3
Onde é que vamos com o nosso País?
No dia 4 de Outubro de 1992 em Roma, o Governo
Moçambicano e o maior partido de oposição,
a Renamo, assinaram o Acordo Geral de Paz, depois
de 16 anos de guerra que deixou destruição, morte e
pobreza.
Em 2012 recomeçou o conflito armado entre Governo
e Renamo. Mas a situação piorou depois das
eleições gerais de 2014, nas quais a Renamo dizia não
aceitar os resultados por causa de fraudes evidentes.
Além disso, a Renamo exigia a governação das seis
Provincias onde reivindicava ter ganho. A Frelimo
rejeitou a proposta da Renamo e o conflito agravou-se
ainda mais. Foi o retorno da violência armada no País,
que ficou igualmente marcada por raptos e assassinatos
de membros da oposição por parte de esquadrões
da morte ligados ao partido no poder. Houve ataques
aos autocarros e à comboios de mercadorias por parte
de homens armados da Renamo, vitimando pessoas
civís, afundando a economia do País, já fortemente
afectada pelo escândalo das dividas escondidas contraidas
ilegalmente pelo Governo. Muitos nossos irmãos
tiveram que fugir das zonas de guerra, provocando
uma crise de refugiados.
Depois de ter falhado as negociações conduzidas
por mediadores internacionais, a partir do final de
Dezembro de 2016, foi anunciada a primeira trégua
que surgiu depois de um contacto directo entre Nyusi
e Dhlakama por via telefone. No dia 4 de Maio de
2017, foi anunciada a trégua por tempo indeterminado.
Contudo, afirmou o lider da Renamo “este acordo
não significa o fim da guerra, mas significa o início
do fim da guerra”, esclarecendo que o acordo politico
para a paz definitiva não deverá acontecer antes de
Dezembro próximo. Apesar disso, os militares estão a
sair das matas, não há desparos, os carros recomeçaram
a circular, os alunos estudam nas escolas e a economia
lentamente se levanta.
A guerra levou os nossos pais e irmãos para irem
lutar e não voltar mais. Se queremos um Moçambique
melhor, isso nunca poderá acontecer novamente:
ninguém pode tirar a vida dos outros, só porque têm
uma opinião diferente. As crianças não nascem hoje,
para morrer nas matas amanhã. Nascem para estudar,
para crescer como pessoas honestas e ser bons
cidadãos.
Mas o caminho pela frente ainda é longo. Porque
paz não é só ausência de guerra e silêncio das armas.
A paz é consequência de muitos factores. Pode haver
paz onde há corrupção, abusos de poder, falta de respeito
das opiniões diferentes, desigualdade e injustiça
na distribuição das riquezas, arrogância das elites
no poder? Com certeza, não! A paz está no nosso
trabalho para construir um Moçambique melhor. Um
Moçambique mais justo, com iguais oportunidades
para todos. A paz está nas nossas mãos.
Quem é Nelson Mandela? Nelson
Mandela foi o Pai da África do
Sul e, ao mesmo tempo, é reconhecido
em todo o mundo como um dos
maiores líderes morais e políticos de
todos os tempos.
Mandela nasceu a 18 de Julho de
1918 em Mvezo, uma pequena aldeia
da África do Sul, duma família de
nobreza tribal. O seu destino teria sido de ocupar o
cargo de chefia. Mas o jovem Mandela estava mais
preocupado com o sofrimento da sua nação. De facto,
naquela altura, na África do Sul imperava o regime
repressivo do apartheid, palavra que significa
“separação”. O sistema racista do apartheid visava
separar as raças através da separação das pessoas em
espaços para cada raça. Aos negros eram fornecidos
serviços inferiores aos dos brancos, em termo de
educação, saúde e transporte. O apartheid era um
regime desumano e cruel que privava os negros dos
elementares direitos humanos.
NELSON MANDELA
A EDUCAÇÃO COMO ARMA PARA TRANSFORMAR O MUNDO
Diante deste sistema injusto,
Mandela acreditava na luta não violenta
e afirmava que “a educação é a
arma mais poderosa para mudar o
mundo”. Por isso, aos 23 anos, transferiu-se
para a capital Joanesburgo,
onde começou a estudar na Faculdade
de Direito até tornar-se advogado
com o objectivo de defender os
direitos dos oprimidos. Aí começou a sua actuação
política, tornando-se o líder do African National
Congress, o partido que tinha como objectivo livrar
o país do apartheid.
Por ser coerente às suas ideias, Mandela passou
27 anos na prisão. Depois de uma grande baltalha
pacífica, Mandela venceu o apartheid e tomou posse
em 10 de Maio de 1994 como primeiro Presidente
negro da África do Sul. O que Mandela nos ensina
com a sua luta? Que vale a pena acreditar e lutar
pelas nossas ideias quando estas têm o objectivo de
mudar a realidade e construir um mundo melhor.
A “operação tronco” e a protecção das nossas florestas
No dia 1 de Março deste
ano o Governo lançou a
“operação tronco”, a primeira
campanha de fiscalização
florestal em Moçambique que
visa travar o corte ilegal de madeira.
Foi o mesmo ministro da
Terra e Desenvolvimento Rural
que afirmou que a “operação
tronco” está a mostrar “um
cenário desolador e inaceitável
de devastação dos nossos recursos
florestais”. Falando da corrupção
no sector madereiro, o
ministro acrescentou que “houve
comportamentos desviantes
dos órgãos dos Estado, daí que
serão suspensos alguns chefes
de serviços fiscais”.
Com esta operação foi descoberto
que mais de 75%
dos operadores maderereiros
oficialmente registados
em Moçambique operam no
meio de muitas ilegalidades. O
grosso das irregularidades foi
revelado em estaleiros cujos
proprietários são cidadãos chineses.
De facto uma investigação
realizada alguns anos
atrás pela EIA (Environmental
Investigation Agency) aponta
que 90% da madeira exportada
de Moçambique vai para a China
e que o 48% de toda a madeira
que vai para a China é ilegal.
Por causa do corte ilegal de
madeira, além do facto que não
entra dinheiro nos cofres do
Estado que poderia ser utilizado
para o bem do povo, as que
ficam mais afectadas são as comunidades
locais. Por exemplo,
no nosso Distrito de Chemba,
como em muitos outros lugares
de Moçambique, nos últimos
anos, estamos a sofrer com o
problema da seca. E todo nós
sabemos que o corte de árvores
reduz a precipitação chuvosa.
Todos nós estudámos no
Ensino Primário sentados no
chão. Aquilo que nos deixava
mais tristes e também um pouco
zangados, era ver, todos os
dias, a sair camiões cheios de
madeira cortada nas nossas floREDACÇÃO
Pa kwecha é:
Abel, Angelo, António, Armando,
Chanjenza, Conde, Fidel, Isaquel, João, Manuel,
Marcos, Rosália, Teresa, Windo, Pe. André.
Pa kwecha
Internato “Santa Teresinha do Menino Jesus” –
Paróquia de Chemba – 4° bairro – Chemba
restas para encher os bolsos de
poucos e nós continuando estudando
sentados no chão.
Apesar de o Governo ter
atrasado pelo menos 10 anos,
nós estamos felizes com esta
operação. Estamos também felizes
com a decisão do Governo
de supender o corte de madeira
até o dia 30 de Junho. De facto,
depois de muitos anos, pela primeira
vez, não estamos a ver camiões
cheios de toros da nossa
madeira passar nas nossa estradas.
A nossa esperança é que esta
medida continue e que seja uma
oportunidade para acabar de vez
com o corte ilegal de madeira e
para defender as nossas florestas
e os direitos das comunidades.
Distrito
de Chemba
Corte ilegal
de madeira
4 | PA KWECHA | junho 2017
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