1 João Mosca e Yara Pedro Nova2
1. INTRODUÇÃO O desenvolvimento também dever ser analisado na sua componente
espacial, isto é, como os territórios se desenvolvem, as relações entre si (na
pobreza e nas desigualdades, no bem-estar, nas relações económicas e
comerciais, na prestação de serviços aos cidadãos e às empresas,
infraestruturas, cultura, educação e saúde, no ambiente e na sustentabilidade
ecológica, em resumo, em todas as dimensões do conceito de desenvolvimento).
Quais são os factores determinantes do desenvolvimento, as variáveis de
atracção de população e de actividades económicas e sociais, os elementos
específicos de competitividade económica, as especificidades socioculturais de
longa duração que influenciam as actuais dinâmicas de acumulação, os factores
políticos e religiosos, entre outras? Por que razão algumas nações e
territórios mais avançados, em um determinado momento, ficam ultrapassados ao
longo do tempo? Estas são matérias abordadas de forma especializada pela
geografia económica. Em Moçambique, existe o caso paradigmático da província da
Zambézia. A primeira zona que foi objecto da implantação efectiva da
colonização, com grande potencial produtivo na agricultura, pescas e minas,
onde a agricultura se encontrava mais desenvolvida que na maioria das zonas do
país, com uma intelectualidade com tradições, sobretudo devido à concentração
de missões da igreja católica ao longo do vale do Zambeze, povos com história
de grande resistência à colonização e de lutas interétnicas. Terra com uma
importante mestiçagem resultante de cruzamentos e contactos culturais de vários
séculos. Uma zona de grandes diferenças étnicas, bem hierarquizadas, sintetizadas
na cidade de Quelimane. O quelimanense (machuabo), popularmente conhecido como
o cancala bruto, tem, sem dúvida, características culturais e morfológicas que
requerem estudos para a melhor compreensão da nossa história. Zambézia era uma
das províncias mais desenvolvidas na fase final do período colonial. Hoje é a
província com maior índice de pobreza e de um conjunto de indicadores que
revelam claramente o atraso da província em relação ao resto do país. Esta é a
questão que se pretende analisar neste texto. Por que a Zambézia se atrasou no
desenvolvimento e se empobreceu? Estudos de desenvolvimento comparativos dos
territórios são de grande importância para o desenvolvimento equilibrado e tão
equitativo quanto possível, para a definição de políticas públicas e para a
coesão dos territórios e por razões de natureza política e social. Se assim é,
outros estudos similares abrangendo outros territórios e a outros níveis (por
exemplo intraprovinciais) são de grande importância. Este texto, além da introdução,
tem mais seis secções. Na segunda secção, apresenta-se a metodologia. Na
terceira secção, faz-se um rápido contexto histórico da província. Na secção
quatro, é realizado um breve enquadramento teórico sobre o desenvolvimento
regional/territorial ajustado ao caso de estudo. Na quinta secção,
apresentam-se informações estatísticas que revelam a situação actual da
Zambézia, comparando com as médias nacionais e da cidade de Maputo para cada
variável considerada. Seguidamente, na secção seis, faz-se uma análise dos
resultados e apresentam-se algumas sugestões. Finalmente, apresentam-se algumas
conclusões. 1 O presente Observador Rural não obedece a todas as normas de um
trabalho académico. Pretende-se com ele uma maior facilidade de leitura. Caso
este texto venha a ser publicado, será adaptado às regras para o efeito. 2 João
Mosca, Doutor em Economia Agrária e Sociologia Rural. Director e Investigador
do OMR. Professor Catedrático. Docente na Universidade Politécnica em tempo
integral e na Universidade Eduardo Mondlane em tempo parcial. Yara Pedro Nova,
finalista da licenciatura em Economia na Universidade Politécnica. Monitora de
Investigação no OMR. 2 O presente trabalho resulta, e é, um aprofundamento da
apresentação de uma comunicação proferida pelo autor na cidade de Quelimane, em
Outubro de 2015, a convite do senhor edil do Município. 2. METODOLOGIA O
interesse pela análise da evolução e da situação económica e social da Zambézia
surge por quatro razões. A primeira razão é porque existem estudos que avaliam
a evolução e as disparidades socioeconómicas inter-provinciais nos últimos
anos, Ali (2009) e Dadá (2014). Nestes estudos é evidente o facto desta
província possuir os piores indicadores em quase todas as variáveis utilizadas.
A segunda, porque o autor foi convidado a apresentar uma comunicação na cidade
de Quelimane o que coincidiu com o interesse na especialidade do
desenvolvimento regional. A terceira razão, é que a província é muito rica em
recursos e passou de uma das mais desenvolvidas para se tornar numa das mais
pobres. Justificada a razão do estudo incidir sobre a Zambézia, e não sobre
outra província, importa apresentar as variáveis consideradas na análise. Foram
analisadas variáveis geralmente utilizadas para se compreender o estado de
desenvolvimento de uma economia, como o PIB por habitante, o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), a pobreza e o estado nutricional da população, a
educação (medida através da percentagem da população matriculada no ensino
primário) e a saúde (avaliada pela relação entre população e número de centros
de saúde e camas hospitalares e tempo para percorrer a distância entre a
residência e o centro de saúde mais próximo). Como indicadores económicos que
influenciam o desenvolvimento, comparou-se o investimento, o orçamento do
Estado e os volumes da cooperação. Foi ainda considerado o número de agências
bancárias e a cobertura (por habitante e por km2 ) porque podem ser indicadores
importantes, se forem aceites os seguintes pressupostos: (1) as agências
bancárias localizam-se onde existe poupança e investimento, portanto, fluxos de
capital; (2) os investimentos e os fluxos de capital existem onde há actividade
económica; e, (3) a quantidade de agências está influenciada pelo volume de
recursos, diversidade dos fluxos e dimensão do território e população. As
análises dos indicadores foram realizadas comparativamente com a média nacional
e a cidade de Maputo. A comparação com a média nacional é uma prática comum nos
estudos comparativos entre regiões/territórios. A escolha da cidade de Maputo
(e não uma outra província de características similares à Zambézia) pode ser
questionada pelas seguintes razões: ser a capital do país, onde, naturalmente,
existe uma grande concentração da administração pública, grande densidade populacional,
de infra-estruturas e de serviços, ser um território cujos limites coincidem
com um meio urbano e, por isso, com características socioeconómicas
específicas. Em defesa da escolha pode argumentar-se: primeiro, também é uma
prática comum em estudos regionais fazerem-se comparações entre os meios
urbanos e rurais; e, segundo, a motivação da comunicação em Quelimane e do
estudo é o de realçar as diferenças de desenvolvimento espacial em Moçambique.
Para o efeito, consideraram-se casos extremos: as zonas mais e menos
desenvolvidas. O presente estudo possui como limitações as seguintes: (1) o
período de comparação é historicamente limitado, principalmente devido à
indisponibilidade de séries temporais das variáveis consideradas; (2) outras
variáveis importantes deveriam ser consideradas, como por exemplo, as relações
económicas interprovinciais, as produtividades do trabalho, a densidade de
infra-estruturas, o desenvolvimento institucional, entre outras. Porém,
considera-se que as variáveis utilizadas e os períodos considerados, juntamente
com alguma análise qualitativa e o conhecimento das realidades, são suficientes
para emprestar consistência aos resultados, assim como para credibilizar o
estudo e este poder ser uma base de reflexão, não somente em relação à
província da Zambézia, como igualmente ao conjunto das províncias e do país. 3
Os estudos comparativos com enfoque na geográfica económica são importantes.
Não menos importantes, são os estudos entre zonas dentro de uma província, ou
entre espaços supra provinciais (por exemplo, vales e planaltos, zonas rurais
com as urbanas, zonas interiores com as costeiras, entre outras delimitações de
territórios com graus de homogeneidade diferenciados para permitir estudos
comparativos). A grande limitante, para além da inexistência de equipas de
pesquisa, é a falta de fontes secundárias, principalmente as estatísticas. A
pesquisa procura ter uma abordagem histórica e interdisciplinar, na tentativa
de compreender as particularidades zambezianas, algumas das quais podem
fundamentar o recente percurso histórico da província. Por essa razão, são
apresentadas referências que podem, aparentemente, não possuir coerência neste
texto. Os autores procuram sugerir ou incentivar a reflexão para as possíveis
relações entre a actual situação política, social e económica com o passado
histórico, dando assim substância ao enfoque da dependência da trajectória
(path dependence). 3. CONTEXTO HISTÓRICO A colonização O delta do Zambeze é uma
zona visitada há séculos por navegadores de diversas origens. A presença
portuguesa dista desde princípios do século XV atraída pelo negócio do ouro do
reino de Monomotapa, razão pela qual a rota até ao Zumbo foi das primeiras
penetrações para o interior do território, através da navegação do rio. Quelimane,
Sena, Tete e Zumbo eram importantes pontos desta comercialização e os primeiros
locais da implantação portuguesa na região. O ouro era comercializado e
exportado através de Quelimane e Angoche. O marfim superou a importância do
ouro e, posteriormente, sem que estas mercadorias perdessem importância, surgiu
o comércio de escravos, sobretudo para as ilhas francesas do Índico (Reunião e
Maurícias). Surgiu, posteriormente, a exploração mineira de prata da zona de
Chicova3 . A partir do século XVII existe uma imigração de colonos,
provenientes das colónias portuguesas da Índia e de Portugal que se casavam com
as filhas dos chefes locais e, muitas delas, foram designadas por “donas da
Zambézia4 ” considerando o estatuto e poder que adquiriam pelas relações com os
colonos. As terras ocupadas pela Coroa (as terras da Coroa) podiam ser
arrendadas sob o estatuto de prazos, cuja transmissibilidade por herança era
até à terceira geração, por via feminina (com preferência para as mulheres de
raça branca) com o objectivo de assegurar a colonização e a soberania
portuguesa5 . Porém, os prazeiros e as donas da Zambézia possuíam já poder e
exércitos próprios – os “chicundas” ou achicundas6 (regra geral comandados por
indianos vindos das colónias portuguesas da Índia. principalmente de Goa). 3
Para um estudo detalhado sobre o período entre os séculos XV e XVII veja, por
exemplo, Eugénia Rodrigues, em
http://www.fcsh.unl.pt/cham/eve/content.php?printconceito=930. Tese de
doutoramento em História, Universidade Nova de Lisboa. 4 Veja os estudos de
Eugénia Rodrigues (s/data) e de José Capela. 5 Segundo Eugénia Rodrigues
(s/data), esta forma de transmissão do direito de posse da terra foi
introduzida pela administração de Goa e, posteriormente, pela de Moçambique.
Recorde-se que Moçambique esteve, até 1752, sob administração directa da
colónia portuguesa de Goa e não de Lisboa. 6 Os achicundas eram escravos
guerreiros a mando de senhores prazeiros e da administração colonial que
protegiam os prazos. Eram utilizados para a caça a escravos para o tráfego e
para o trabalho nas plantações. Sobre este assunto veja, por exemplo, Serra
(1980 e 1986). Segundo Capela (2000), os achicundas possuíam, por sua vez,
escravos que utilizavam para o exercício e reprodução dos seus poderes nos prazos
e junto dos senhores prazeiros. O fenómeno da escravatura local é reconhecido.
Os achicundas e os escravos destes e dos prazeiros eram diferentes daqueles
“caçados” pelos achicundas para serem vendidos e exportados, Capela (2000).
Havia hierarquias entre os escravos, segundo a forma de se tornarem e escravos
conforme a divisão do trabalho. 4 Os prazos da Coroa possuíam licenças de
exploração e administração do território com funções de Estado (exploração
mineira e agrícola, cobrança de impostos e organização de defesa do território
por meio dos achicundas). Os prazos foram extintos pela segunda vez em 1854
(tendo sido a primeira tentativa em 1832). O Estado colonial estrutura-se na
Zambézia principalmente depois de meados do século XIX. A ocupação efectiva do
território limitou-se, inicialmente, à zona de Quelimane e alguns pontos ao
longo do vale do Zambeze (Chinde e Sena, e, na província de Tete, a actual
cidade de Tete e Zumbo). Os portugueses encontraram, sobretudo no Sul da
Zambézia e na margem direita do rio Zambeze, grande resistência do karangas,
oriundos das terras de Marave (norte da actual província de Tete) e dos
maganjas, como, anteriormente, dos invasores do Sul. Igualmente, os prazeiros
resistiam às imposições e leis coloniais, revoltando-se muitas vezes com os
seus exércitos de achicundas ou não cumprindo as ordens da Coroa, como, por
exemplo, o pagamento de uma parte dos impostos cobrados nos respectivos prazos
e sobre a repressão dos achicundas. As revoltas de escravos ou a luta destes pelos
seus territórios ou mesmo conquistas territoriais eram frequentes. Cita-se
Capela (s/data: 75 e 76): “Uma outra aglomeração de escravos organizados
havia-se concretizado no que ficou conhecido para os colonizadores portugueses
como a República Militar da Maganja da Costa, assunto a que dediquei alguma
investigação. Neste caso, não se tratava de escravos fugitivos. Pelo contrário,
eram escravos que, sob o comando do senhor respectivo, João Bonifácio Alves da
Silva, haviam conquistado Angoche para o domínio português. Morto em combate o
senhor e chefe, regressaram todos à base de onde tinham partido, na Maganja da
Costa, onde se reinstalaram e onde se mantiveram durante décadas, organizados
em república (República da Maganja da Costa (1862-1898), Capela (1988),
conforme vários oficiais portugueses, nomeadamente João de Azevedo Coutinho,
classificaram o sistema político interno por eles (os achicunda de Bonifácio)
adoptado” 7 . Nesta zona, existiu também a “tradicional” rivalidade entre as
potências coloniais (neste caso, entre Portugal e a Inglaterra)8 onde as
missões de Livingstone atingiram Quelimane (vindo ao longo do rio Zambeze) e
por missionários ingleses e boers9 , desde o século XVII, e por jesuítas vindos
de Portugal. Sobretudo ao longo do vale do rio Zambeze, surgiam algumas missões
religiosas. Em 1880 já existiam 50 jesuítas trabalhando (“evangelizando”) no
vale do Zambeze10 . Os zambezianos, de uma forma geral, são considerados como
povos nómadas, Negrão (2004), não só pelos movimentos migratórios de ocupações
e resistências, como ainda pela tradição dos prazos da Coroa e, posteriormente,
pelas migrações temporárias seja de e para o Malawi, como para as grandes
plantações a partir, principalmente, de finais do século XIX. Hoje, é
perceptível que os zambezianos são, regra geral, e erradamente, considerados
como machuabos11. São conhecidos como os cancala bruto pelas suas qualidades (e
“defeitos”) de serem pessoas desenrascadas (em diferentes sentidos12). Possuem
características específicas: por exemplo, a apreciada gastronomia, o carnaval
de Quelimane e o modo e estilo de vida. A partir de finais do mesmo século,
formam-se as grandes companhias, algumas das quais com origem nos prazos. As
grandes companhias dedicavam-se, sobretudo, às culturas do coqueiro, 7 Para um
estudo aprofundado deste assunto, veja, por exemplo, Capela (1988). 8 “…foi na
senda dessa imposição que a Grã-Bretanha foi granjeada com uma concessão de 100
anos, uma porção de terra no baixo Zambeze que outrora ficou conhecida como Enclave
ou Concessão do Chinde. A partir de 1892, a Grã-Bretanha e Portugal manteriam
posições de forças estacionadas com esquadrões navais compostos por pequenas
embarcações que poderiam navegar do Chinde até a montante dos rios Zambeze e
Chire (Winslett, 2008)”, 9As missões nas pegadas de Livingstone,
http://kantdevoronha.blogspot.pt/2012/09/as-missoes-naspegadas-de-livingstone.html,
acedido a 5 de Janeiro 2016. 10 Para um estudo sobre a presença dos jesuítas no
vale do Zambeze, veja Eusébio (2013). 11 Natural da zona de Quelimane. 12
Quando se pergunta a um chuabo sobre o significado de cancala bruto, a
resposta, geralmente, é a seguinte: “faz qualquer coisa, qualquer trabalho
presta”. 5 sisal, cana-de-açúcar ao longo da costa, do chá (sobretudo nas zonas
de Milange e Gurué junto à fronteira com o Malawi) e uma crescente rede
comercial rural (as chamadas “cantinas”, sendo o cantineiro, o proprietário
colono dessas lojas) que incentivava e comercializava oleaginosas. A Zambézia
foi um dos territórios (juntamente com Nampula e Cabo Delgado) onde mais se
introduziu o algodão como cultura obrigatória. Posteriormente, a província
tornou-se num grande produtor de milho proveniente da agricultura familiar e
comercializado pela rede comercial, sobretudo na Alta Zambézia. Ao longo do
século XX, a província desenvolveu-se com base na agricultura e pesca, e nos
serviços portuários e emergiu, a partir de meados do século XX, uma
agro-indústria principalmente associada ao chá, copra/pecuária, caju, açúcar,
madeira, fábricas de óleos, indústria metalomecânica. Configura-se assim a
economia de plantações que introduz características específicas à colonização e
à estrutura económica e social da Zambézia13. Destacam-se os seguintes
elementos: (1) uma sociedade bastante estratificada socialmente e com múltiplas
influências raciais e culturais de longa duração, etnicamente diversa, o que
tem hoje reflexos na sociedade zambeziana, com particular intensidade na cidade
de Quelimane; (2) emergência de um semiproletariado agrário e industrial em
condições de migração sazonal para as plantações e uma agricultura familiar
bastante estratificada com o crescimento de uma pequena burguesia rural (hoje
designados de agricultores comerciais ou emergentes); (3) a existência de uma
pequena burguesia com gerações de urbanidade e mestiçagem diversa e uma
intelectualidade bastante numerosa e que, em parte, é crítica ou opõe-se ao
partido no poder; (4) uma economia assente no sector primário, onde a
agricultura familiar e as grandes plantações encontraram funcionalidades e
convivências de ganhos mútuos, mesmo que assente em salários baixos, más
condições de trabalho e acumulação concentrada nas fases das cadeias de valor
dominadas pelas grandes empresas/plantações; e, (5) a Zambézia foi uma zona de
forte resistência à penetração colonial ou de outros povos africanos o que não
reflectia somente um conflito entre locais e “do exterior”, mas com fortes e
múltiplas alianças com os “do exterior”, sendo os achicundas um exemplo
paradigmático. Em resumo, na Zambézia configurou-se uma sociedade complexa
derivada das múltiplas formas de penetração da colonização, por conflitos
internos e de um capitalismo agrário intensivo em trabalho que provocou
importantes mudanças nos sistemas de produção locais e processos de resistência
e de integração. Os cruzamentos destas realidades configuram hoje a
complexidade da realidade política e social que não pode ser ignorada ou
simplificada em alusão a slogans que nada reflectem a história dos povos
viventes em Moçambique e, neste caso, na Zambézia. A independência e a
actualidade Com a independência e a intervenção do Estado na economia, no
âmbito das opções de desenvolvimento assente numa economia de planificação
central, a maioria das grandes plantações transformou-se em empresas estatais.
As zonas de maior desenvolvimento empresarial agrícola na Alta Zambézia foram
igualmente intervencionadas e constituídas grandes empresas, como, por exemplo,
a EMOCHÁ (Empresa Moçambicana de Chá), o Complexo Agro-Industrial de Lioma. Um
conjunto de factores, entre os quais a adaptação do modelo de desenvolvimento
às realidades locais, o conflito armado, contextos internacionais desfavoráveis
(colapso do socialismo na Europa, adversidade da maioria dos países ocidentais,
mercados internacionais, etc.), erros de governação, debilidades institucionais
e pouca articulação das empresas estatais com os camponeses e populações
vizinhas, fizeram colapsar aquela que seria uma alternativa de desenvolvimento
socialista. Seguiu-se, a partir de 1997, a privatização caótica e apressada e
sem estratégias alternativas no contexto do programa de reabilitação
económica14 . 13 Sobre a caracterização da economia moçambicana por zonas, veja
Wuyts (1978). 14 Sobre o processo da privatização veja, por exemplo Cramier,
(2001) e Mosca (2005). 6 As empresas estatais tiveram dificuldades
organizativas, ineficiências e baixa produtividade, mas tiveram o mérito de,
antes da crise, agudizadas pela guerra, e apesar dos défices financeiros,
recuperar ou manter, em muitos sectores, os níveis de produção e de exportação
do sector privado intervencionado, como foram os casos, na província da
Zambézia, do chá, copra e do algodão (mais tardiamente), bem como o volume de
trabalho assalariado. Com as privatizações, o colapso produtivo e de emprego
foi muito grande. A produção de chá e de copra passaram para níveis inferiores
a 10% dos alcançados na fase final da colonização e durante os primeiros anos
da década de 80. As plantações e a indústria açucareira foram destruídas pela
guerra. A indústria de caju e outras acima referidas fecharam. O assalariamento
teve uma evolução negativa semelhante. Em resumo, após a independência, e
praticamente até finais do século XX, a base da economia zambeziana esteve em
crise profunda. Não era somente uma crise produtiva e de emprego. A crise
rompeu com alguns dos mecanismos fundamentais das economias das famílias, onde
o assalariamento, mesmo que sazonal considerando os ciclos da produção
agrícola, contribuía significativamente para os rendimentos das famílias, para
os sistemas de produção, a divisão social do trabalho e de rendimentos, e para
os modos de vida da maioria da população. Após o Acordo Geral de Paz e o
reinício do crescimento económico de Moçambique, a Zambézia manteve-se, em
grande medida, afastada dos investimentos privados, da priorização na alocação
de recursos pelo Estado e pela cooperação internacional (veja secção 5).
Surgiram no delta do rio Zambeze, do lado de Sofala, investimentos,
nomeadamente de mauricianos nas plantações de cana-de-açúcar (para onde os
escravos moçambicanos eram traficados para as plantações daquela ilha); houve,
e há, uma recuperação da produção, ultrapassando os volumes históricos, Mosca
(2005). A empresa estatal EMOCHÁ, que geria todas as plantações foi privatizada
para vários investidores, alguns dos quais indianos, e por moçambicanos, dos
quais quase nenhum investimento realizou, produzindo-se, hoje, não mais de 5%
do alcançado nos primeiros anos da década de 80, Mosca (2010). A doença do
amarelecimento letal do coqueiro mantém-se sem solução definitiva após décadas
de investigação, introdução de novas variedades, milhões de dólares investidos,
etc., reduzindo o que fora o maior palmar do mundo numa vasta área de troncos
sem copa e absolutamente improdutivos (estima-se que mais de 40% do palmar está
nestas condições)15. O sisal está abandonado e a produção é, actualmente, zero
toneladas. Os maiores investimentos, além das infra-estruturas (sobretudo em
estradas), são os das areias pesadas de Moma em crise produtiva e
conflitualidades do trabalho permanente, provocadas por várias razões:
reassentamentos mal efectuados, queda dos preços internacionais, dificuldades
de escoamento devido às condições das infra-estruturas, relações pouco
transparentes com os trabalhadores, entre outras, Selemane (2010). Uma vasta
extracção predadora e criminosa da floresta e de pedras preciosas graça impune
e, porventura, protegida16 . As zonas de produção 15 Observa-se que são os
palmares das empresas os que, em forma de monocultura, menos resistem a esta
doença. Os coqueiros do sector familiar, integrados em sistemas produtivos
integrados (por exemplo, com várias variedades de árvores) são resistentes ao
amarelecimento do coqueiro. A nossa Reportagem apurou igualmente que a nível nacional
o país registou uma redução de cerca de 41,2 milhões de dólares, em 1999, para
8,8 milhões de meticais, em 2012, em termos de receitas. No período em
referência a produção de copra baixou de 16 mil toneladas para quase três mil”,
em Notícias online, 2 de Janeiro de 2016. Na fase final do período colonial
chegou-se a produzir mais de 40 mil toneladas de copra (Mosca 2005). Segundo o
jornal Domingo online de 2 de Janeiro de 2016, com base em dados da Direcção
Provincial de Agricultura, existiam, há 10 anos, cerca de 15 mil palmeiras
enquanto, actualmente, apenas há cerca de 7 mil. A doença dizima o palmar há
mais de 30 anos. 16 Existem inúmeros estudos exploração madeireira e
reportagens sobre multas/apreensões de madeira na província, assim como em todo
o país. As exportações ilegais atingem valores elevados como é demonstrado por
Canbyet al. (2008), onde se apresentam os diferenciais entre os valores
estatísticos de exportação de madeira de Moçambique para a China e os valores
de madeira importada pela China de Moçambique. Por outro lado, a Portucel
Moçambique recebeu do Conselho de Ministros um DUAT (Direito do Uso e
Utilização da Terra) de superfície de 173 mil hectares nesta província, por 50
anos, renováveis. A mesma empresa recebeu outro DUAT de 183 mil hectares na
província de Manica. O IFC, 7 empresarial de grãos (Alta Zambézia) estão hoje
mergulhadas em investimentos privados centrados na produção de soja. Recentes
investimentos, em médias e grandes empresas agrícolas, introduzem elevados
níveis de conflitualidade de ocupação da terra; por outro lado, renascem os
agricultores comerciais que produzem soja (vendida para o fabrico de rações,
principalmente em Nampula e Manica), gergelim e feijão boer, ambos para
exportação, comercializados por empresas e pela rede comercial rural (agora,
não por portugueses, mas por moçambicanos e indianos e paquistaneses). Hoje,
uma importante parte do abastecimento de vegetais e frutas à cidade de
Quelimane provém de Tete (sobretudo do distrito da Angónia) e do Malawi. O
grande projecto da linha férrea e do porto de Macuse constitui ainda uma
incógnita, existindo alguns conflitos de interesses com a linha de Sena
(Moatize-Beira) e o porto da Beira, capital de Sofala. Pode-se afirmar que a
recuperação económica que se anuncia no país não teve início na maioria do
território da Zambézia; ao contrário do que se verifica em algumas zonas do
país, como, por exemplo, na maioria das cidades, em Moatize e Angónia, Nacala e
no respectivo corredor, grande parte do corredor da Beira, entre outras. A
pergunta que se pode colocar é porquê? Várias podem ser as razões. Primeiro, na
Zambézia não foram “descobertos” ou conhecidos importantes e avolumados
recursos naturais estratégicos e, por isso, os investimentos têm sido muito
baixos. Segundo, sendo a Zambézia uma província essencialmente agrícola, que
foi um sector sistematicamente secundarizado pelas políticas públicas,
sobretudo em relação ao sector familiar. Consequentemente, a maioria da
população e da economia foram afectados negativamente, por “despriorização”.
Por último, a história oficial reza que o primeiro tiro na luta de libertação
nacional foi dado em Chai, província de Cabo Delgado. Muitas dúvidas persistem
sobre este facto. Outras versões não oficiais, mas proferidas por protagonistas
da luta de libertação nacional, afirmam ter sido, provavelmente, na Zambézia17.
O certo é que a FRELIMO recuou na guerra na Zambézia, regressando somente no
fim da luta de libertação nacional. Durante a guerra, e em dissidência com a
FRELIMO, surgiram, temporariamente, o COREMO (Comité Revolucionário de
Moçambique), sediado, inicialmente, em Lusaca, que actuava (embora com pouca
presença militar) sobretudo na Zambézia18. Surgiu também a UNAR (União Nacional
Africana da Rumbézia) que procurava uma independência desde a Zambézia até ao
Rovuma19. Aquando da guerra civil, a RENAMO entrou facilmente na província. Uma
parte da elite da oposição era proveniente da Zambézia e do sul do Zambeze,
sobretudo das províncias vizinhas de Sofala e Manica. Foi na Zambézia onde
surgiu o fenómeno dos naparamas20 . instituição financeira ligada ao Banco
Mundial, participa com 20% do projecto do grupo Portucel Soporcel de capital
português. 17Segundo o Diário da Zambézia de 8 de Setembro de 2010, Bonifácio
Gruveta sugeriu que não foi Alberto Chipande quem deu o primeiro tiro da luta
de libertação nacional, em 25 de Setembros de 1964. 18 O COREMO atravessou
grandes conflitos internos, tendo-se extinto em princípios da década de
setenta. Em 1972 o COREMO desapareceu da cena militar e política dos movimentos
contra o exército colonial. A UNAR foi uma das formações formadas após este
processo. 19 Transcreve-se parte do discurso de Mateus Katupha na Assembleia da
República em 17 de Novembro de 2015: “o que levaria aos criadores da RENAMO a
urdir uma estratégia de insuflar o descontentamento no seio de alguns círculos
de moçambicanos, de entre eles os desertores da FRELIMO durante a luta armada,
os desorientados com a queda do colonialismo português que, em Moçambique, seria
ironicamente marcada pelos Acordos de e ainda aqueles que nutriam os
sentimentos residuais da COREMO com o seu projecto de uma Rumbézia como Estado
separado de Moçambique”. 20Grupo(s) de guerreiros que surgiu na Zambézia,
durante a guerra civil (1986-1992). Lutavam contra a RENAMO por causas próprias
e locais. Em Moçambique fala-se de uma pessoa de nome Manuel António Naparama,
natural de Nampula (diz-se de Namapa, daí a designação de Naparamas para o
grupo de guerreiros) e que lutou na Zambézia. Existiam vários mitos sobre esta
personagem como, por exemplo, que era anti-bala (blindado) e que era impossível
fotografar alguma pessoa, não porque a máquina não 8 Depois da independência
aboliu-se o Gabinete do Plano de Zambeze (GPZ), criado pelo DecretoLei nº 69/70
de 27 de Fevereiro de 1970 com “o objectivo específico de superintender a
execução deste empreendimento e elaborar e realizar um plano de desenvolvimento
integral da região (aproveitamento dos recursos naturais, progresso social e
económico das populações e povoamento)21 . Este organismo foi recriado sob a
designação de Gabinete do Plano de Desenvolvimento da Região do Zambeze em
1995, pelo Decreto 20/95, com funções similares às do GPZ, tendo sido
transformado em Agência de Desenvolvimento do Vale do Zambeze, pelo Decreto n.º
23/2010. De uma forma geral, todos estes organismos tinham as mesmas funções,
tendo-se acrescido à Agência a função de promoção do investimento e de
negócios. A introdução deste parágrafo tem como objectivo referir que a instabilidade
das instituições a nível nacional atingiu igualmente a província da Zambézia,
tendo como exemplo o GPZ. Especulações intelectuais realçam que a criação do
GPZ em 2010 e a nomeação de um ex-Ministro da Segurança para a sua sede na
cidade de Tete e de generais para sub-regiões do Vale, não tinha como principal
objectivo o planeamento e a promoção do desenvolvimento, mas o controlo
político e a segurança da região. Na Zambézia, principalmente na fronteira com
o Malawi, vivem muitos cidadãos que praticam a religião testemunhas de Jeová
que foram perseguidos e enviados para os campos de reeducação (recusavam entoar
o Hino Nacional, recrutamento para o exército e levantar a mão nos comícios em
resposta aos vivas!). Pergunta: estes dados não estão associados, ou não
possuem raízes de natureza antropológica, com as resistências a formas
“exteriores” à Zambézia (incluindo, portanto, povos de outras zonas do país) e
às lutas internas e veiculadas através dos achicundas antes da independência?
Quais as razões do termo cancala bruto e a tradição migratória e de
multi-actividade? Estes factos não terão algo a ver com a tendência de voto na
Zambézia (voto maioritariamente na RENAMO)? Reduzir e/ou simplificar e
ideologizar sectariamente os discursos, como base para a acção politica, não
ajuda à solução dos problemas actuais da sociedade moçambicana, que são graves.
4. BREVE ENQUADRAMENTO TEÓRICO Crescimento e desenvolvimento O crescimento
económico depende de vários factores. Neste breve enquadramento, ressaltam-se os
mais importantes, considerando o contexto zambeziano. Por exemplo: (1) da
existência de poupanças e de investimentos (internos e/ou externos) depende de
uma classe empresarial com iniciativa, que assuma riscos e goste de operar em
mercados concorrenciais; (2) de recursos naturais, sobretudo terra, água,
minas, florestas, pescas, além dos financeiros já referidos; (3) de meios
físicos favoráveis a actividades económicas, como a qualidade dos solos e
clima; (4) uma população qualificada e informada, profissional, espírito
empreendedor e com experiência e especializada em actividades; (5) serviços
eficientes às empresas, com baixos custos de transacção e serviços universais e
de acesso fácil de educação e saúde para os cidadãos; (6) instituições
eficientes e eficazes que promovam um ambiente de negócios favorável, com
aparelhos administrativos céleres e que estejam junto dos empresários e dos
cidadãos, o que implica descentralização administrativa do Estado e
organizações profissionais e da sociedade civil que desempenhem funções
representativas e reivindicativas, de natureza económica e sindical,
funcionasse, mas porque a imagem não era captável. Faleceu na batalha de Macuse
em 1991, texto postado por Damásio Chipande, em http://macua.blogs.com. Acedido
a 13/01/2016. 21 “A barragem era vista pela guerrilha da FRELIMO como um
instrumento e símbolo de opressão colonial. Nas Nações Unidas o representante
da Frelimo chegou a declarar que “Cahora Bassa era um crime. Era um crime não
apenas contra o povo moçambicano, mas também contra todo o povo da região da
África Austral e da África como um todo””, Mungói (2013:10). 9 independentes do
sistema político. Muito importante, políticas económicas estáveis, que
assegurem a estabilidade económica e financeira da economia, das empresas e das
famílias, nomeadamente, um défice e dívida pública e externa baixos, inflação
controlada e baixa, taxas de juro e de câmbio e políticas fiscais que
incentivem o investimento. Um ambiente económico, político e social que dê
confiança aos empresários, consumidores e às famílias. Um sistema político
democrático, de direitos e liberdades, e de participação da sociedade para que
o desenvolvimento seja inclusivo. Finalmente, estabilidade política e social.
No caso da Zambézia, seria interessante ver como se verificam estes factores de
crescimento e desenvolvimento. Tudo indica que a Zambézia tem tido um
crescimento divergente em relação ao conjunto do país e da maioria das outras
províncias22. Isso significa que os factores de crescimento são menos
eficientes e/ou eficazes e/ou inferiores nesta província, seja por via da
alocação dos recursos através dos mercados, ou pela capacidade ou orientação
política/ideológica do Estado no exercício das suas funções, designadamente a
função de planear para o mercado, regular, fiscalizar, cumprir e fazer cumprir
a lei, criar um bom ambiente de negócios, estabelecer e implementar políticas
económicas e públicas incentivadoras da actividades produtiva e de um estado de
bem-estar. Os factores de competitividade variam ao longo do tempo. Para cada
território é necessário conhecer quais os elementos que podem ser potenciados
para atrair ou localizar e outros recursos, especialmente o factor trabalho. Os
factores que actualmente parecem atrair investimentos são, essencialmente, a
existência de recursos naturais, terra e bom clima, infra-estruturas, quadro
técnicos e trabalhadores com experiência, custo de vida baixo, mercados
próximos, eficiência e transparência das instituições, estabilidade política e
social, entre outros. No caso da Zambézia, seria interessante estudar quais as
migrações de empresários, técnicos e pessoas para dentro e para fora da
província. Igualmente quais são os fluxos de capital e em que volumes, de forma
a conhecer a localização da acumulação (onde e por quem é realizada, onde e
quem beneficia (ou utiliza) e quais os canais desses fluxos. Este conhecimento
tem importância para se compreender a fixação e atracção do capital e de outros
recursos, como, por exemplo, os recursos humanos, qualificados e não
qualificados. Por outro lado, na Zambézia é possível delimitar várias regiões
com determinados graus de homogeneidade assente em variáveis que facilitam o
crescimento económico e considerando as realidades complexas de longa duração.
Varáveis como terra, clima, população, infra-estruturas, tradição e experiência
produtiva, entre outros factores que atribuem vantagens para a localização do
investimento, comparativamente com outras províncias e com o Malawi. Grosso
modo, podese referir como grandes zonas de possíveis especializações, com base
nas estruturas produtivas históricas, o vale do Zambeze, o Delta, a zona da
Costa, sobretudo entre Quelimane e Angoche, a Alta Zambézia, que incluía
fronteira com o Malawi e a zonas de produção de grãos. Além de aptidões
produtivas diferenciadas, possuem especificidades históricas e culturais que
podem ter grande influência no crescimento e desenvolvimento. O conhecimento
destas realidades permite políticas públicas e intervenções específicas. Para
além do crescimento, é importante que este seja acompanhado por menores
desigualdades sociais e territoriais. Relacionando com a história, as
diferenças identitárias de várias naturezas que simultaneamente se cruzam e
misturam mantendo e reforçando as especificidades antropológicas. Um
crescimento com aprofundamento das desigualdades pode aumentar o risco de
conflitualidades diversas. As desigualdades sociais e territoriais podem ser
ainda, e sem ser menos importante, um factor de menor crescimento, contrariando
a teoria do U invertido de Kuznets e depois continuada pelos economistas
neoclássicos e conservadores que defendem que, nas primeiras fases do
crescimento, há uma maior concentração da riqueza e, portanto, agravamento das
desigualdades, e que, apenas nas fases posteriores, o crescimento abrangerá um
22 Isto é, mesmo que o PIB zambeziano cresça, os ritmos são inferiores aos
verificados para a média nacional e para a maioria das restantes províncias. 10
maior número de pessoas (crescimento com redução das desigualdades)23.
Contrariamente, Keynes, os estruturalistas e os seus continuadores, com maiores
ou menores matizações (neokeynesianos), alegam que uma distribuição mais
equitativa do rendimento gera uma maior e mais diversificada procura, tendo
como resposta a oferta e a configuração de um tecido económico para o mercado
interno e que responda às necessidade e melhoria de vida da maioria da
população. As duas opções podem significar, ao longo do tempo, diferentes
ritmos de crescimento. Pode-se alegar que o investimento intensivo em capital,
com padrão de acumulação concentrado e em sectores exportadores poderá produzir
crescimento mais rápido a curto e médio prazo. No entanto, certamente que não
será tão sustentável e estável, mais criador de emprego, equitativo social e
espacialmente, menos vulnerável aos choques externos e mais inclusivo. Estas
possibilidades/observações e debate teórico podem justificar o compromisso de
aceitar ritmos de crescimento mais brandos assegurando, com maior
probabilidade, a verificação dos elementos de desenvolvimento referidos. Esta
questão teórica levanta a seguinte pergunta: quais as regiões da Zambézia, que
especialização produtiva (sectores prioritários de crescimento) e que políticas
mais ajustadas para cada território? Outro elemento que importa reflectir é o
da poupança. A poupança é o ponto de partida para o investimento. Seria bom que
o investimento criasse emprego e fosse um elemento chave para a melhoria das
condições de vida da população. A Zambézia possui tradição de produção de bens
(grão, pesca, têxteis, agro-indústria) e de serviços (turismo e gastronomia)
para o mercado interno. Sendo a Zambézia a província com um PIB por habitante
mais baixo e em evolução de crescimento divergente e empobrecedor, seria
necessário saber o que fazer para criar rendimento, estimular a poupança,
atrair investimento privado e reivindicar o aumento do investimento público e
do orçamento provincial. Voltando a Kuznets, tudo indica que a Zambézia é um
caso em que o crescimento deve ter em consideração o mercado interno, a criação
de emprego e, portanto, um crescimento com redução das desigualdades, mesmo na
fase de “re-arranque” da economia da província. Esta opção permite um
desenvolvimento “a partir e para dentro24”. As questões decorrentes destes aspectos
são: como incentivar o rendimento e a poupança, considerando as especializações
internas da Zambézia como promover o investimento, reter e atrair empresários e
técnicos, e quais os sectores prioritários que permitem um desenvolvimento mais
equilibrado, duradouro, com menores riscos de instabilidade e que corresponda à
procura interna. Naturalmente que a priorização do mercado interno não implica
a rejeição dos sectores zambezianos que contribuem para as exportações, como
seja o caju, açúcar, madeiras, pesca, grãos (feijão bóer e gergelim), entre
outras. Vários modelos de implementação de projectos/programas (em resumo,
investimentos) são praticados na Zambézia, assim como em outras províncias. Por
exemplo, a extracção de areias pesadas em Moma realiza-se em espaços muito
delimitados, podendo configurar-se no que se designa como a estratégias de
pólos de desenvolvimento. A subcontratação de produtores agrícolas integrados
em cadeias de valor é outra forma de penetração do capital na agricultura, como
acontece, em fase inicial, na Portucel Moçambique (neste caso nas florestas com
repercussões sobre os sistemas de produção agrícolas). Existem ainda
projectos/programas de 23 Basicamente, este pressuposto, elevado a teoria,
fundamenta-se no princípio que os grupos sociais pobres gastam mais em consumo
(Lei de Engel) e, portanto, poupam menos e não possuem tradição empreendedora,
reflectindo-se em menor investimento e, consequentemente, menor crescimento. A
lei de Engel refere que quanto menor for o rendimento de uma família, maior é a
proporção desse rendimento que é destinada a gastos em bens e serviços de
primeira necessidade. 24 A expressão “a partir de dentro”, que o autor
acrescentou “para dentro”, significa que o crescimento deve possuir como
principais factores os internos, considerar a história da configuração da
estrutura económica e social, as instituições e as relações de poder nas
sociedades (sem secundarizar a história – conflitos internos e colonização). O
destino da produção seria, sobretudo, para a melhoria das condições de vida da
população. 11 apoio à emergência de agricultores de média dimensão como é o
caso da soja. É cada vez mais intensa a integração da produção familiar no
mercado através de vários mecanismos, sobretudo de empresas comercializadoras
(traders) que incentivam a produção de excedentes, sobretudo de commodities.
Muitos casos deste tipo são conhecidos em outros locais, em Moçambique e no
estrangeiro. As virtudes/vantagens e riscos estão estudados, o que pode
facilitar a implementação com boas práticas, socialmente justas, ambientalmente
sustentáveis e que asseguram a viabilidade dos investimentos. As questões
centrais que se devem/podem analisar a nível local em relação à implantação de
investimentos são as seguintes25: (1) ligações industriais, efeitos
multiplicadores e sectores dinamizados da economia; (2) criação de emprego; (3)
inflação autárquica; (4) ocupação da terra e conflitos; (5) reassentamentos;
(6) evolução da pobreza e das desigualdades sociais; (7) mudanças nos sistemas
de produção e segurança alimentar26; (8) acesso aos serviços, aos mercados e
qualidade de vida; (9) fenómenos migratórios e consequências nas zonas de
origem e de destino; (10) sustentabilidade na exploração de recursos e efeitos
ambientais; inclusão social nos projectos, não somente económica, mas também
democrática (auscultação, debates e monitorização). Conforme se pode constatar
ao longo do presente texto, todos estes fenómenos estão acontecendo, sem que
exista, efectivamente, a regulação e fiscalização dos efeitos negativos,
Finalmente, e considerando as limitações de espaço e os objectivos do texto, a
educação e o conhecimento são, sem dúvida, um factor básico do desenvolvimento.
Em Moçambique existem estudos que comprovam esse postulado, como por exemplo o
de Bruna (2015). A tradição zambeziana de escolarização com base nas missões
religiosas, depois com a assimilação de moçambicanos, mais antiga que noutras
partes do país, as grandes plantações e depois da independência (veja os
gráficos referentes a este assunto na quinta secção). Porém, para que os
investimentos na educação tenham influência na produtividade, competitividade,
na mobilidade social e no rendimento e bem-estar dos cidadãos, é importante
elevar a qualidade do ensino aos diferentes níveis. Incentivar que as
organizações religiosas, como no passado, assumam um papel importante nesta
área social. Que exista formação profissional no trabalho, com cursos
profissionais nas especialidades mais procuradas pelo mercado. Que o ensino
superior seja selectivo (podendo haver a crítica sobre esta opção como de
elitista). A formação pós-graduada seja rigorosa e que, sempre que possível,
existam bolsas para estudos no exterior de mestrado e doutoramento em
universidades de excelência. Que os sectores empregadores ofereçam condições e
incentivos de captação desses técnicos e da força de trabalho especializada.
Nada impede que os governos locais possuam iniciativas de obtenção de bolsas
junto da comunidade internacional e de universidades e centros de investigação
no estrangeiro. A produção de conhecimento local é igualmente importante para o
crescimento económico. A dimensão da província e a heterogeneidade das suas
realidades físicas, demográficas e de aptidões e tradição produtiva justificam
que existam centros de estudos ao nível da província, seja de institutos de
investigação públicos como da sociedade civil. Os técnicos pós-graduados podem
encontrar nesta actividade um campo de aprofundamento do conhecimento, de
promoção nas carreiras profissionais e de prestígio, elemento fundamental para
a academia e a investigação. Não se deve secundarizar as áreas das ciências
sociais, sobretudo a economia, a história e antropologia, seja em projectos
especializados por áreas de conhecimento, seja em abordagens
interdisciplinares. O reforço do orçamento provincial poderia priorizar esta
área. As áreas da agricultura e da economia rural, das pescas e da mineração
parecem ser cruciais e coerentes com a estrutura produtiva e os investimentos
em curso na província. 25 O OMR está a elaborar um texto sobre as metodologias
de análise de grandes projectos de investimento. 26 Inflação autárquica é
aquela que acontece numa zona determinada e é provocada por factores que se
verificam nesse ou com maior incidência nesse território. 12 Está igualmente
demonstrada a relação positiva entre o volume e a eficiência do trabalho com a
saúde da população. A assiduidade e os tempos de trabalho, os ritmos de
produção, estão influenciados pelo estado da saúde dos trabalhadores, Artur e
Jorge (2015). Não restam dúvidas sobre a importância da melhoria da qualidade
dos serviços, da logística em medicamentos, do aumento das valências, de mais
técnicos de saúde, de uma cobertura de unidades sanitárias para um acesso mais
equitativo considerando o território a população e o rendimento das famílias.
Também nesta área, como na educação, é necessário aumentar a dotação orçamental
e, sobretudo, melhorar a organização interna e a humanização dos serviços.
Crescimento com sustentabilidade O crescimento com sustentabilidade significa
que os recursos naturais renováveis devem ser explorados de forma a poderem ser
reproduzidos na quantidade e qualidade actual. Isto é, a utilização/extracção
não pode superar a quantidade que a natureza regenera, mais o que se acrescenta
por acção do homem. Sendo assim, as florestas, os solos e a água não podem ser
utilizados reduzindo os respectivos stocks. No caso da Zambézia, este princípio
não tem sido respeitado nas madeiras e na qualidade dos solos. Presume-se que na
pesca também não. O garimpo de pedras preciosas e outros minerais é considerado
um recurso não renovável. Nesse caso, a exploração deve ser, no mínimo, de
forma a beneficiar também as comunidades, o desenvolvimento local e ser
explorado em períodos alargados, mantendo os solos e a paisagem (por exemplo,
com tratamento da terra e com reposição da flora e da fauna preexistentes). O
contrário do que se designa por exploração predadora. Nas zonas de maior
densidade populacional (cidades e vilas ao longo de estradas, da fronteira e de
zonas densamente povoadas) existe a necessidade de cuidados na utilização de
recursos naturais, como, por exemplo, no corte da floresta para produção de
lenha, carvão, estacas, etc. Por exemplo, é necessário encontrar alternativas energéticas
ou possuir programas de reflorestação e conservação dos solos. Os danos
ambientais podem ser minimizados com boas práticas, tanto das empresas como das
populações. As migrações forçadas da população (conflito e reassentamentos) em
grande volume e realizadas em períodos de tempo curto provocam rupturas nos
modos de vida e nos sistemas de produção, muitas vezes não transferidos para as
zonas de destino. Os camponeses, desligados das suas origens, em contexto em
que não têm relações históricas e antropológicas com o espaço e perante a
necessidade de sobrevivência, podem deixar de ser o que se considera como os
guardiões da natureza, para serem os agressores ou mesmo predadores da
natureza. As empresas apenas têm vantagem em adoptar boas práticas, excepto se
actuam temporariamente e através de subcontratação, desresponsabilizando-se
pelos actos praticados por outros agentes económico da cadeia produtiva. É o
que acontece, por exemplo, nas florestas e no garimpo. O cortador da floresta
(ou o garimpeiro) relaciona-se com o primeiro comerciante ou transportador, e
este com um eventual segundo comerciante, depois com o que armazena a madeira
no porto de embarque (ou o comerciante “grossista” de pedras) que pode, ou não,
ser o exportador, legal ou não, por vias normais ou não. Entre eles, apenas se
conhecem os que possuem relações directas. Outros aspectos ambientais e não de
menor importância não são aqui abordados, como, por exemplo, a erosão nas zonas
costeiras e planálticas, a biodiversidade de alguns espaços como no delta do
Zambeze, entre outros. No caso da Zambézia, parece evidente que a perda de
qualidade dos solos (parcialmente monitorada), a desflorestação, a ocupação e
conflitos de terra, os reassentamentos, a actividade 13 do garimpo, a erosão da
costa e dos planaltos mais densamente povoados e os volumes de pesca, são
alguns dos elementos essenciais da sustentabilidade do crescimento zambeziano.
Estado e democracia É vasto e secular o debate e as teorias acerca das funções
do Estado na economia e na sociedade. Contextos diferentes, épocas históricas e
níveis de desenvolvimento, ideologias e outros elementos, influenciam este
sempre actual e inconclusivo debate. O importante neste trabalho é considerar
um Estado que tenha capacidade de planear para o mercado, contribuir para um
bom ambiente de negócios, possuir políticas que favoreçam o investimento e o
emprego, a actividade económica com crescentes níveis de equidade, que seja um
regulador, fiscalizador, eficaz e eficiente, esteja junto dos cidadãos, que
desenvolva actividades de prestador de serviços universais (principalmente
educação e saúde) e que desempenhe funções económicas que, por algum motivo,
não sejam desenvolvidas pela actividade privada. Que assegure um
desenvolvimento sustentável social e territorialmente crescentemente equitativo
e seja o garante da democracia e dos direitos e regalias dos cidadãos. Assim
sendo, coloca-se a questão da importância de modernizar o Estado, qualificá-lo
e reestruturá-lo. Modernizar com novas tecnologias de informação para
funcionamento em rede e com celeridade, incorporar técnicos de elevada
qualificação para a gestão da coisa pública. Estar junto dos cidadãos implica,
necessariamente, a reestruturação do Estado com descentralização. Um aparelho
administrativo que não esteja partidarizado, que sirva os cidadãos e não seja
servido pelos políticos e burocratas para a obtenção de renda, mordomias e
privilégios. Um Estado austero, transparente e que dedique o principal do
orçamento para as funções com efeitos directos positivos sobre a economia e a
vida dos cidadãos. A democraticidade do funcionamento das instituições é
importante para a libertação das iniciativas e maior eficiência das
burocracias. Democracia interna e nas relações com o sector privado e a sociedade
civil seja através da institucionalização de plataformas de participação, seja
debate da governação. O Estado é o primeiro a quem interessa a existência de
organizações representativas dos empresários e de diferentes grupos/colectivos
da sociedade e das comunidades para que, a cada nível, existam processos de
consulta e discussão dos problemas e das estratégias e medidas a assumir pelas
partes interessadas. Para a Zambézia, e restantes províncias, as questões
centrais do Estado são: como torná-lo mais eficiente, descentralizado e
democrático, onde os cidadãos depositem confiança e sejam tratados de igual
forma e onde os funcionários sejam servidores públicos. Seria interessante que
na Zambézia e nos seus municípios houvesse planos estratégicos realistas,
articulados com as políticas nacionais e com as estratégias sectoriais a nível
central e que houvesse comprometimentos da governação central para a
implementação desses planos. Que esses planos fossem elaborados com uma
participação alargada dos principais actores económicos e sociais em cada nível
e que fossem igualmente monitorados com controlo democrático. Que os órgãos do
poder, as organizações empresariais e sociais e a sociedade civil tivessem
capacidade reivindicativa em Maputo e na província. Por exemplo, que os
deputados, independentemente dos partidos votassem sempre conforme os
interesses da província e não do partido, quando estes sejam contrários aos
interesses da Zambézia. Estes são alguns dos aspectos que poderiam elevar a
qualidade e efectividade da democracia e a província ser um exemplo. 14 5.
APRESENTAÇÃO DE RESULTADOS Gráfico 1. Evolução do PIB per capita. Fonte: INE.
Observando o gráfico acima, pode-se notar que a província da Zambézia teve uma
evolução positiva do rendimento por habitante na série em análise, mas
significativamente mais baixo que a média nacional e a de Maputo cidade, que
apresenta um rendimento maior e acima da média nacional. Gráfico 2. Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) Fonte: INE. Analisando o Gráfico 2, observa-se que
a província da Zambézia, de 2000-2010, apresentou melhoria nesse indicador, mas
abaixo da média nacional e da cidade de Maputo. Constata-se que Maputo cidade
apresenta o melhor IDH e acima do IDH nacional, tendo existido uma melhoria do
Índice a nível nacional, não obstante Moçambique permanecer entre os países com
o IDH mais baixo do mundo. Comparando os gráficos 1 e 2 verifica-se que o IDH
se aproximou da média nacional, tendo o PIB por habitante um comportamento
inverso. Conforme se pode observar mais adiante, esta constatação é derivada da
evolução das outras duas variáveis componentes do cálculo do IDH (educação e
saúde), onde a Zambézia possui indicadores superiores à media nacional. 15
Gráfico 3. Orçamento de Estado per capita Fonte: OGE-INE. No gráfico acima,
observa-se que a província da Zambézia é beneficia menos do orçamento do Estado
em relação a Maputo Cidade, e abaixo da média nacional, apresentando valores
extremamente baixos. Contudo, embora tenha registado valores menores, apresenta
uma tendência crescente. A Zambézia é a província com menor dotação orçamental
do país. Gráfico 4. Percentagem do orçamento do Estado Fonte: OGE. No gráfico
acima nota-se que apenas 9% das despesas totais do Estado são destinadas à
província da Zambézia, e 10 % para Maputo cidade. A população da Zambézia
representa 19% da população nacional enquanto a de Maputo cidade apenas 5%. A
população da Zambézia é cerca de 4 vezes superior à da cidade de Maputo e
recebe sensivelmente o mesmo volume de recursos do Estado. Estes dados apenas
se referem aos recursos dos orçamentos provinciais. Ressalta-se que, do
orçamento total, uma elevada percentagem fica na cidade capital o que agravaria
significativamente as diferenças observadas. 16 Gráfico 5. Investimento Directo
Estrangeiro Fonte: CPI Fazendo a análise do gráfico, nota-se que o Investimento
Directo Estrangeiro realizado na Zambézia é muito inferior da média nacional e
muito abaixo comparativamente ao realizado em Maputo Cidade, onde os níveis de
investimento são elevados e acima da média nacional. Gráfico 6. População por
agência bancária Fonte: INE – BdeM. Pelo gráfico acima, observa-se que a
Zambézia possui maior número da população por cada agência bancária
relativamente a Maputo Cidade. Na cidade capital, em 2013, a relação população/
agência bancária era de apenas 6.368 pessoas, um número inferior ao de 2012.
Este dado é coerente com os restantes indicadores, como, por exemplo, PIB per
capita, pobreza, investimento, orçamento e cooperação, que são os sectores da
economia que possuem e movimentam mais recursos financeiros. Pode observar-se
que a Zambézia tem cerca de 29 vezes mais população por agência bancária. 17
Gráfico 7. Agência bancária por km² Fonte: INE –BdeM Analisando o gráfico
verifica-se que a dispersão de agências bancárias é muito menor na Cidade de
Maputo em relação a Zambézia. A cidade capital possui uma agência por menos de
2 km², enquanto a Zambézia dispõe de uma agência para mais de 4.200 km² .
Gráfico 8. Ensino Primário – graus EP1+EP2 Fonte: INE. Pelo gráfico observa-se
que a Zambézia apresenta uma percentagem de alunos matriculados no primeiro e
segundo graus 27 do ensino primário acima da média nacional. Maputo Cidade
apresenta a menor percentagem e abaixo da média nacional de alunos matriculados
no ensino primário. 27 O primeiro grau vai da 1ª à 5ª classe e o segundo grau é
da 6ª à 7ª classe do ensino primário. 18 Gráfico 9. Unidades Sanitárias Fonte:
INE. Do gráfico acima, constata-se que a Zambézia possui menor população por
cada unidade sanitária em relação a Maputo Cidade. Nota-se ainda que o
indicador unidades sanitárias por km² na província da Zambézia é menor que na
cidade de Maputo onde, em 2014, havia 1 unidade sanitária em cada 8 km². Esta
diferença deve-se ao facto da cidade capital possuir unidades sanitárias de
maior dimensão, com mais valência, para onde acorre a população quando
necessitada de cuidados sanitários, reduzindo assim a necessidade de muitas
pequenas unidades sanitárias. A relação por km2 , tempo de chegada ao hospital
pelas pessoas necessitadas e o número de camas é extremamente favorável na
Maputo Cidade. Gráfico 10. Tempo de chegada à unidade sanitária Fonte: INE-IOF
de 2009 Analisando o gráfico, observa-se que a população da província da
Zambézia necessita de mais tempo para chegar às unidades sanitárias mais
próximas. Cerca de 80% da população assume ter tido problemas quanto à
distância. Em relação a Maputo Cidade aproximadamente 17% da população aponta
ter problemas relacionados com a distância para as unidades sanitárias. 19
Gráfico 11. Número de camas Fonte: INE. Examinando o gráfico, pode-se observar
que a Zambézia apresenta maior número da população por cama hospitalar
comparado com Maputo Cidade e com a média nacional. Observa-se um ligeiro
agravamento deste indicador entre 2012 e 2013 e uma pequena melhoria em 2014.
As diferenças entre a Zambézia e a cidade de Maputo e a média nacional são
muito significativas Gráfico 12. Subnutrição Fonte: INE-IDS de 2011. A partir
do gráfico acima pode-se notar que a província da Zambézia apresenta elevados
níveis de subnutrição crónica28, onde cerca de 45% de crianças com menos de 5
anos de idade apresenta problemas relacionados com o crescimento. Relativamente
a Maputo Cidade, apenas 23,2% de crianças com menos de 5 anos de idade
apresenta os mesmos problemas. A nível nacional, para a subnutrição aguda, o
valor é próximo de 20% e para a subnutrição crónica é de 9%. 28 Subnutrição
crónica é a relação feita entre altura e idade. É definida como baixa estatura
para a idade (crianças baixinhas); A baixa altura para a idade desenvolve-se no
período entre a concepção e os dois anos de idade, e dificilmente é recuperada
depois desse período. 20 Quanto à subnutrição aguda,29na Zambézia, cerca de 9%
de crianças com menos de 5 anos de idade apresenta problemas relacionados com o
peso e altura, e apresenta a mesma percentagem que a média nacional. Maputo
cidade apresenta um indicador bastante mais baixo, de apenas 2% Gráfico 13.
Pobreza - Evolução percentual da população pobre Fonte: IOF respeitantes aos
três períodos O gráfico acima mostra a evolução percentual da população pobre,
em que a província da Zambézia esteve sempre em níveis altos nos anos em
análise. O estudo que se realizou entre 2002 a 2003 registou uma percentagem de
pobres mais baixa, comparativamente à verificada em 1996/1997 e 2008/2009. No
último estudo, a percentagem era muito alta, cerca de 70% da população era
pobre. Maputo Cidade registou percentagens mais baixas em relação à Zambézia e
à média nacional (excepto no segundo período: 2002/2003). Até 2008/2009 a média
percentual da população pobre em Moçambique era de cerca de 55%. Gráfico 14.
Pobreza – Evolução do número de pobres Nota: A escala à direita é representada
pelo número total de pobres (em milhares). Fonte: IOF respeitantes aos três
períodos. 29 Subnutrição aguda é a relação entre peso e altura. É definida como
baixo peso para a altura (criança magra para a altura), que pode aparecer em
qualquer época de vida como resultado duma redução do consumo ou associado a
infecções, e pode ser recuperada. 2.108.648 1.587.726 2.365.623 472.237 144.001
414.601 11.108 10.016 11.926 9.000 9.500 10.000 10.500 11.000 11.500 12.000
12.500 0 500.000 1.000.000 1.500.000 2.000.000 2.500.000 1997 2003 2009
Zambézia Maputo Cidade Número total de pobres 21 Pelo gráfico pode-se observar
que o maior número de população pobre reside na província da Zambézia, com mais
de 2,3 milhões de pessoas pobres em 2008/2009. O número total de pobres em
Moçambique apresenta uma tendência crescente. 6. ANÁLISE Análise de resultados
Os gráficos apresentados revelam, resumidamente, que a Zambézia tem uma posição
desfavorável nos indicadores socioeconómicos quando comparada com as
respectivas médias nacionais e com a cidade de Maputo. Embora não apresentada
no texto, esta constatação é válida para a maioria das variáveis consideradas,
quando se compara com as restantes províncias. Resumidamente: Primeiro, a
evolução ao longo dos períodos analisados revela que, embora possa existir uma
evolução positiva percentual maior na Zambézia em alguns dos indicadores, as
diferenças absolutas aumentam. Isso deve-se basicamente à escala (dimensão) de
partida das variáveis nas três realidades estudadas. Significa que as
desigualdades aumentam. Segundo, enquanto o PIB por habitante da província
possui uma tendência divergente em relação à média nacional e à cidade de
Maputo, o IDH possui uma tendência convergente. Isto deve-se ao comportamento
das três variáveis de cálculo do IDH: PIB por habitante, educação (média de anos
de estudo e anos esperados de escolaridade) e esperança de vida30. A educação e
a saúde, segundo as variáveis consideradas, tiveram evoluções quantitativas
positivas, o que faz atenuar o efeito negativo da evolução divergente do PIB
por habitante. Terceiro, segundo os dados dos três momentos em que se realizou
o Inquérito ao Orçamento das Famílias (IOF), a Zambézia é a província com a
maior percentagem de população pobre e onde a pobreza mais aumentou (em
percentagem de população e em número de pobres). Quarto, as áreas sociais
consideradas (educação e saúde) são as que mais se aproximam às médias
nacionais, o que resulta do crescimento do número de escolas e de unidades
sanitárias (sobretudo de nível básico – postos e centros de saúde). Se os dados
da saúde forem ponderados com as capacidades e valências existentes nessas
unidades sanitárias, pode induzir-se que a convergência na acessibilidade à
saúde é ainda muito grande e maior da que se revela em termos de cobertura das
unidades sanitárias. Quinto, sendo a economia zambeziana essencialmente
agrícola, os níveis de subnutrição crónica e desnutrição aguda são dos mais
elevados no país e muito maiores relativamente à média nacional (para o caso da
subnutrição crónica) e à cidade de Maputo. Isso pode ser justificado pelas
seguintes razões: (1) baixo rendimento monetário da população em todo o país;
(2) a produção familiar agrícola é pouco diversificada e está crescentemente
alterada pela introdução de commodities (o que pode afectar o volume de
produção alimentar31). Sexto, finalmente, e muito importante, a Zambézia tem
sido uma província fortemente secundarizada na alocação de recursos públicos,
do investimento privado e através da cooperação internacional. 30 Considera-se
que a esperança de vida é uma variável sintética (uma ponderação de várias
variáveis): saúde, nutrição, ambiente, educação, entre outras. 31 A introdução
de culturas cujo objectivo do produtor é a obtenção de rendimentos monetários
pode, ou não, ter efeitos de redução da produção alimentar. Porém, estes
postulados não se verificam em muitos casos. 22 Análise A evolução da Zambézia,
como de qualquer realidade, deve ser analisada em períodos de longa duração.
Esta perspectiva revela que a Zambézia possui uma história de resistência e
integração em relação à penetração/mescla com outros povos e culturas. Estas
dinâmicas criaram elementos de identidade que se reforçam e, quanto mais as
políticas públicas secundarizarem a província, maior será a necessidade de
auto-afirmação das suas identidades, como forma de demarcação e resistência.
Esta constatação pode justificar, parcialmente, os processos políticos e
militares da história recente (luta de libertação nacional, guerra civil e
intenções de voto). Análises que procuram etnizar o voto ou os posicionamentos
da população zambeziana face a situações de conflito parecem simplistas, embora
devam ser ponderadas. Possuindo a Zambézia uma base económica fundamentalmente
agrícola e rural e assente na agricultura familiar, características que se
acentuaram durante as últimas três décadas, a província sofreu consequências
pelo facto da política governamental ter secundarizado a agricultura e, em
particular, os pequenos produtores. Acrescenta-se a este importante aspecto, um
outro, não menos importante, que é o da alocação de recursos pelo Estado, cujos
critérios (se existirem) contribuem para o aumento das desigualdades espaciais
e, consequentemente, sociais entre zambezianos e os naturais de outras
províncias. A base agrícola da economia zambeziana, o tecido empresarial débil
e localizado em outras partes do país (sobretudo em Maputo) e no estrangeiro, e
a emigração da população mais qualificada e das elites políticas e económicas
zambezianas, configuram um padrão de acumulação primário e extractivo, centrado
fora da província, o que é agravado pela pobreza e baixa poupança que
dificultam o crescimento económico, a redução da pobreza e das desigualdades, e
favorecem o desenvolvimento divergente da província em relação ao resto do
país. Sugestões A província deve receber mais recursos públicos, sobretudo os
direccionados para as áreas governativas com maior efeito sobre a produção, o
rendimento das famílias e o bem-estar da população. Tendo a Zambézia sofrido
processos de ruptura com crise económica e social, onde alguns dos sectores
fundamentais da economia zambeziana dificilmente terão recuperação a curto e
médio prazos nos actuais contextos económicos nacional e mundial (por exemplo,
a copra, o sisal e o chá), é necessário repensar o desenvolvimento da província,
com novas especializações produtivas, sabendo do grande potencial agrícola,
hídrico, marítimo, agro-industrial, mineiro e nas relações com o Malawi, da
existência de uma elite intelectual considerável e de razoáveis
infra-estruturas. A Zambézia, tal como o país e outras zonas de Moçambique,
necessita ser mais estudada para melhor se compreenderem os fenómenos actuais,
as vias de desenvolvimento mais adequadas e os posicionamentos e estratégias de
políticas. A Zambézia necessita ter um plano de desenvolvimento concebido
global e interdisciplinarmente, tendo como pano de fundo uma estratégia
política e uma filosofia de desenvolvimento. A administração pública da
Zambézia, bem como das restantes províncias, deve reclamar maior
descentralização do Estado, no que respeita aos poderes de decisão e na
alocação e retenção de recursos públicos. A modernização da administração, nos
moldes referidos em termos gerais neste texto, é uma necessidade para que a
administração púbica seja mais qualificada, eficiente e eficaz, esteja mais
próxima dos cidadãos, com condições para reforçar a capacidade de exercer as
funções fundamentais do Estado. 23 O desenvolvimento só o é, com mais
democracia, liberdade e garantias dos cidadãos, com inclusão da sociedade e das
suas organizações representativas nos processos de auscultação, no debate
público e na monitorização das políticas públicas, das práticas empresariais e
na organização das comunidades. Seria interessante que existissem diferentes
plataformas oficialmente constituídas e regulamentadas, que facilitassem o
debate e monitorização, envolvendo de forma especializada e/ou
interdisciplinarmente, colectivos da governação, de empresários, da sociedade
civil, das comunidades e da academia. As elites políticas, económicas e militares
zambezianas podem, e devem, fazer mais pela sua província e terra natal. Por
exemplo, não existem vozes reclamando por mais recursos públicos e investimento
para a província. Não se assiste, como se verifica em algumas províncias, a
formação de grupos económicos de base local/étnica (podendo ser criticável,
segundo determinadas perspectivas). Isto, principalmente, porque a Zambézia não
tem sido um espaço que tenha atraído grandes volumes de capital. Os
parlamentares zambezianos podem defender os interesses dos seus círculos
eleitorais a quem deveriam prestar contas em primeiro lugar, votando contra a
tendência de voto partidário sempre que alguma resolução seja desfavorável à
zona onde foi eleito. O lobby zambeziano pode encontrar sinergias e funcionalidades
com os interesses de grupos económicos à escala nacional, reforçando-se
mutuamente. 7. CONCLUSÕES Os estudos com enfoque territorial, ênfase
interdisciplinar e numa perspectiva de longa duração, constituem uma
metodologia que permite compreender as evoluções das sociedades de forma ampla,
evitando-se análises que podem distorcer a compreensão dos fenómenos ou
entendê-los de modo parcial. O presente texto é um contributo para o estudo da
Zambézia nessa perspectiva. Neste caso, compreendem-se melhor as especificidades
da Zambézia e as razões da evolução política, económica e social desse
território. As realidades intra-sociedades locais, a penetração colonial e do
capital e suas interacções, os processos políticos e militares de resistência e
integração em relação ao “exterior”, são elementos fundamentais para se
entender como a Zambézia se desenvolveu, tendo sido das províncias mais ricas
do país, e como empobreceu ao longo das últimas décadas. É igualmente
importante compreender os elementos identitários heterogéneos da sociedade
Zambeziana, condição necessária para o estabelecimento e implementação de
políticas públicas ajustadas a cada realidade. As próprias políticas públicas
devem ser interpretadas à luz dessas complexidades e das relações de poder e de
interesses económicos. Por exemplo, por que o sector familiar da agricultura é
secundarizado, quais as razões do tipo de privatização verificado com as
reformas políticas e económicas de finais dos anos oitenta do século XX, o que
justifica a baixa alocação de recursos orçamentais para a Zambézia?; quais as
razões dos conflitos militares possuírem particularidades, o que justifica
determinadas características sociológicas do chuabo, entre outros aspectos?
Estes e outros aspectos não encontram respostas neste pequeno texto. Resta
apenas a motivação para que estudos de aprofundamento possam existir, que as
instituições do poder se relacionem com estas iniciativas com contributos para
o estudo de realidades complexas e que estes contribuam para uma melhor governação,
mais democracia e um desenvolvimento menos desigual e inclusivo económica,
social e politicamente
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