Julião João Cumbane com Julião João Cumbane.
Moçambicanas, moçambicanos, compatriotas!
Neste momento em que exaltamos a vida e obra de Samora Machel, o
fundador do Estado moçambicano, é natural que estejamos divididos entre
os que se indignam com esta exaltação, os indiferentes e os que são a
favor de que se exalte Samora.
Particularmente, eu sou um dos
que estão a favor da exaltação da vida e obra de Samora Machel. Eu vejo
motivos bastantes para se exaltar a vida e obra de Samora Machel, não
por acreditar que ele tenha sido um santo. Samora Machel não foi santo
nenhum; cometeu vários erros. Mas ele tinha vergonha na cara; sabia
reconhecer aberta e publicamente os erros do regime político que ele
liderava, buscando incessantemente o seu aprimoramento. Vai daí que
quando Samora Machel encontrou a morte, ele estava encetando uma
iniciativa visando a pacificação efectiva da África Austral. (Lembrar
que, em 1986, Angola e Moçambique estavam a viver em ambiente de guerras
civil e de desestabilização, respectivamente, guerras essas que eram
apoiadas pela África do Sul do apartheid.) Portanto, Samora Machel
cometeu erros a tentar fazer o bem. Isto é motivo bastante para que a
sua vida e obra sejam celebradas. Haveria lugar para indignação com tal
celebração, se tivesse sido assim que Samora Machel apregoava coisas
erradas. Não foi o caso; foi o contrário.
O que deve indignar os
moçambicanos é o facto de o Estado acomodar uma organização criminosa,
nomeadamente a Renamo. Sim, desde que foi criada pelo regime minoritária
racista dirigido por Ian Smith, na Rodésia (hoje Zimbabwe), qual
instrumento de desestabilização do regime liderado por Samora Machel, em
Moçambique, a Renamo só sabe praticar crimes.
Joaquim Chissano
tentou converter a Renamo num partido político, mas cometeu o erro—a meu
ver deliberado—de não terminar a implementação do Acordo Geral de Paz
(AGP), que ele assinou em Roma, Itália, com Afonso Dhlakama, este que é
um bandido fingido de político.
Uma análise cuidado dos eventos
políticos que tiveram lugar em Moçambique, seguintes à assinatura do
AGP, leva-me ao pensamento de que Joaquim Chissano também pretendia usar
a Renamo como instrumento, mas desta vez para ele se manter no poder
pelo tempo que a vida lhe permitisse. Só assim encontro explicação
lógica para ele (Joaquim Chissano) não ter feito o que DEVERIA ter
feito, no âmbito da implementação do AGP, para que a Renamo ficasse
completamente desarmada e se transformasse num partido político genuíno.
Por pensar assim, eu não encontro razão para celebrar Joaquim Chissano
como obreiro da paz. Para mim, se alguma coisa Joaquim Chissano fez, foi
enganar os moçambicanos com o AGP. O que se seguiu à assinatura do AGP
foi que Joaquim Chissano tudo fez para manter em Moçambique uma paz
aparente, que dependia de ele continuar no poder. Caso assim não fosse,
ele (Joaquim Chissano) entregaria um presente envenenado ao seu
sucessor. De facto, foi que se ocorreu: Armando Guebuza recebeu das mãos
de Joaquim Chissano um presente envenenado.
Acto contínuo,
parece que Armando Guebuza também viu uma oportunidade para usar a
Renamo como instrumento, mas desta vez não para se agarrar ao poder—algo
que ele deve ter calculado que a Frelimo não permitiria—mas sim para o
fortalecimento dos seus negócios... Sim, porque o facto de a Renamo
continuar teimosamente armada justificou a contratação de dívidas com
garantias soberanas para rearmar Moçambique e para a criação de empresas
que viabilizarão o nascimento da indústria militar moçambicana... Quem
não sabe que a indústria militar é altamente lucrativa?! Eu até que
quero ver Moçambique com uma indústria que fabrica equipamento militar,
incluindo peças de artilharia, aeronaves e vasos de guerra! Quem não
quer?! Alguém duvida que o surgimento de tal indústria em Moçambique
elevaria a auto-estima dos moçambicanos?
Durante o seu mandato,
Armando Guebuza não teve tempo para «acarinhar» Afonso Dhlakama, porque a
sua agenda era outra… Próximo da porta de saída do poder, ele (Armando
Guebuza) tratou de assinar o acordo de cessação das hostilidades
militares com o Afonso Dhlakama, e deixou o presente envenenado que
recebeu Joaquim Chissano para o seu sucessor, Filipe Nyusi.
Já
começa a ficar claro que a Frelimo, a força política no poder em
Moçambique desde 1975, é que está actualmente a usar a Renamo como
instrumento para se manter poder. De facto, desde 1977 que todos os
erros ou fracassos de governação de Moçambique pela Frelimo são
justificados usando a Renamo. Curiosamente, a Renamo aceita esse papel
de ser «o mau fita»; e Afonso Dhlakama até se gaba de ser líder desta
organização que só viabiliza crimes em Moçambique. É isto que faz com
que a Renamo não seja uma organização credível como alternativa à
Frelimo.
A propósito de alternativa à Frelimo, nem o Movimento
Democrático de Moçambique (MDM) consegue ser, devido ao facto de que
perde muito tempo com o discurso de empolamento dos erros da Frelimo e
da Renamo como recurso, qual estratégia para se afirmar como
alternativa. É importante que fique claro que nenhum partido político
pode governar sem cometer erros. Os erros fazem parte de qualquer
trabalho. Só não comete erros quem não existe, porque já é um erro
existir alguém que não comete erros. Tal como a Renamo, o MDM e os
demais partidos políticos moçambicanos perdem tempo a apontar os erros
da Frelimo, qual se alguma pudessem governar sem cometer erros.
O
eleitorado moçambicano não precisa de partidos políticos para apontar
os erros de quem governa; precisa—isto sim—de partidos políticos que
fiscalizam responsavelmente quem governa, através de uma confrontação
construtiva do programa eleito com os actos de governação, para detectar
desvios e chamar atenção ao eleitorado e a quem governa para esses
desvios. Quem só vive apontando os erros de outrem, pouco faz diferente
quando se lhe é dada uma oportunidade para fazer diferença, pois só sabe
ver erros. Por causa do conhecimento que tenho deste facto de que «quem
só sabe ver erros de outrem não pode fazer diferença», eu postulo que
continuar com a Frelimo no poder é a melhor opção para futuro de
Moçambique a permitir que uma Renamo ou um DMD chegue tão já ao poder.
Os partidos políticos que fazem oposição à Frelimo em Moçambique ainda
são politicamente imaturos.
Filipe Nyusi—actualmente Presidente
da República de Moçambique e da Frelimo, o partido no poder—fez bem ao
eleger a pacificação efectiva de Moçambique como o ponto no topo da
agenda da sua governação. A pergunta que agora se coloca é se ele vai
conseguir este desiderato. A resposta para esta pergunta (implícita)
depende muito dos seus actos governativos. Se ele (Filipe Nyusi) tomar
decisões alinhadas com o seu discurso inaugural—aquele discurso que ele
proferiu a seguir ao acto de assinatura do auto de posse, no dia 15 de
Janeiro de 2015, passam hoje (23 de Outubro de 2016) 647 dias ou 1,77
anos—, Moçambique alcançará a paz efectiva rapidamente. Mas se continuar
a tomar decisões que contrariam aquele seu discurso, qual tem sido
actualmente, a esperança de paz efectiva para Moçambique vai se esfumar;
e a Renamo poderá continuar a ser um instrumento de que ele (Flilipe
Nyusi) também se poderá servir para alcançar objectivos inconfessáveis,
tal qual fizeram os seus antecessores.
Portanto, os moçambicanos
precisam de compreender, finalmente, que devido à sua génese, a Renamo
nunca serviu e jamais servirá interesses da Pátria moçambicana; o DMD,
talvez um dia venha a servir interesses desta Pátria, mas precisa
crescer politicamente. Já a Frelimo, inequivocamente, serve os
interesses da Pátria moçambicana, mas até agora de forma errática ou
arbitrária.
Para acabar com as arbitrariedades na governação de
Moçambique, os moçambicanos precisam de forçar a Frelimo—partido no
poder—a acelerar o processo de revisão da Constituição da República. Em
vez de uma CONSTITUIÇÃO PROGRAMÁTICA, tal qual a actual Constituição da
República de Moçambique, Moçambique precisa de uma CONSTITUIÇÃO
DETALHADA. Entre outras as matérias a serem fixadas até ao detalhe nessa
Constituição, destaco as seguintes:
1. O sistema de Governo da República de Moçambique
(O sistema de governo de eleição é aquele em que o Estado é criado para
servir os cidadãos e não o contrário. Os moçambicanos precisam de ter
um Estado soberano que defenda zelosamente os seus direitos e que os
oriente nas tarefas de edificação e aprimoramento de uma sociedade que
se caracterize por deter o mais alto padrão de princípios e valores de
humanismo. )
2. A estrutura do aparelho do Estado da República de Moçambique
(Já basta a prática de cada um que chega ao poder mexer no aparelho do
Estado de forma a acomodar os seus interesses. O número, as designações,
as funções e a estrutura orgânica dos ministérios, devem ser fixados
pela Constituição da República, e não mais segundo o livre arbítrio de
cada um que chega à Presidência da República.)
3. Composição do Governo
(Também já basta de cada um que chega à Presidência da República usar e
abusar do poder soberano do povo de Moçambique, colocando amigos e
comadres em funções de direcção de instituições que compõem o aparelho
do Estado. A futura Constituição da República de Moçambique DEVERÁ fixar
detalhadamente os perfis das pessoas que podem assumir funções de
direcção no aparelho do Estado e os mecanismos de verificação desses
perfis. O aparelho de Estado tem que deixar de ter dirigentes que não
tenham sensibilidade técnica adequada sobre questões específicas na
alçada de cada uma das instituições que o compõem. Ter diplomas de
cursos sobre liderança não deverá mais ser o único requisito que um
dirigente político ou técnico deverá preencher, para exercer funções de
liderança no aparelho do Estado.)
4. Regras de inclusão
(A
inclusão é entendida de diferentes maneiras por diferentes pessoas. A
futura Constituição da República de Moçambique terá que pôr termo às
arbitrariedades que têm sido cometidas também neste domínio, fixando e
detalhando os critérios de inclusão, assim como os mecanismos de sua
realização e avaliação.)
Tenho em mim que só uma
Constituição da República bem detalhada poderá vai pôr termo às
arbitrariedades que a Frelimo vem cometendo na governação de Moçambique,
desde 1975. E ninguém melhor a própria Frelimo pode conduzir o processo
de correcção dessas arbitrariedades. A sociedade moçambicana deve é
EXIGIR que a Frelimo proceda à correcção dos erros que foram cometidos
pelos seus quadros na condução dos seus destinos. Não vejo razão para
crer que a Renamo, MDM ou qualquer partido político faria melhor na
correcção dos erros cometidos pela Frelimo. Seria a mesma coisa que crer
que os meus erros de hoje poderão ser corrigidos por um filho meu que
nasceu e cresceu eu a cometer esses erros, sem antes lhe ter dado
oportunidade para aprender a distinguir o bem do mal. Erros só podem ser
melhor corrigidos por quem os cometeu. Tirar a Frelimo do poder antes
de ela corrigir os erros que cometeu, não seria castigo justo. Castigo
justo é os moçambicanos exigirem que a Frelimo corrija os erros que
andou a cometer ao longo dos quarente e um (41) anos da história da sua
governação e crie as condições necessárias e suficientes para evitar a
repetição desses erros no futuro. Neste processo, os demais partidos
políticos moçambicanos estarão a aprender a lição, para que possam vir a
governar melhor Moçambique quando, eventualmente, chegarem ao poder.
Valdo Marvelous Estou esperançoso que a Frelimo que eu sempre admirei e continuo admirando irá resgatar os ideais de Mondlane e Samora.
Joao Jone Chicote 1. Não há qualquer ligação entre o titulo do Texto e o conteúdo.
2. Na Teoria Geral da Constituição não encontramos qualquer sinal duma constituição detalhada…
Lenine Daniel O
saúdo Professor por esse texto brilhante, no meu ponto de vista. Me
revejo no essencial do mesmo pelo que hoje fico felicíssimo por ler este
texto até por vir de um membro do partido Frelimo. Sobre a Renamo
permita-me dizer que muito do apoio que tem
deriva dos cidadãos estarem saturados com os males e arbitrariedades
dos sucessivos governos da Frelimo. É essa decepção que pode levar a que
a Renamo possa chegar ao poder, ignorando o facto de que a Renamo não
tem estrutura, nem competência para governar. Ter a Renamo no poder
seria o "fim da picada" para este jovem País.
Continuo
pensando que a solução para o País passa pela melhoria dos padrões
éticos, de Integridade e governação por parte da Frelimo. Infelizmente
não há alternativas viáveis a Frelimo. Ser governado pela Frelimo não é
ser governado pelo melhor partido político de Moçambique, mas sim pelo
menos mau de todos.
Mais uma vez parabéns pelo texto!
Jeremias Chilaw A
Constituição é geralmente chamada de lei mãe justamente porque dela
emanam as demais leis. Se assim for, a Constituição deve ser percebida
como umbrella e como tal não tem que ser detalhada. Se tivesse que ser
detalhada teria milhares de páginas e ninguém a dominaria.
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