domingo, 23 de outubro de 2016

Bill e Hillary, Hillary e Bill: dois pelo preço de um?

Bill e Hillary, Hillary e Bill: dois pelo preço de um?



23/10/2016 - 07:56


Hillary Clinton teve sempre de provar que a sua relação com Bill era uma relação entre iguais. A não ser o facto, incontornável, de ser uma mulher. E às mulheres, mesmo quando estão no topo do mundo, exige-se sempre mais. Toda a gente sabe quem é Bill. Quem é ela ainda é a pergunta que a persegue.

“Compre dois pelo preço de um”. A frase remonta à campanha presidencial de 1992, quando Bill Clinton se apresentou pela primeira vez ao eleitorado nacional, desafiando um Presidente que tinha acabado de conduzir o mundo no caminho seguro do fim da Guerra Fria.

A frase vale muito mais do que um mero slogan de campanha. Marca uma época. Resume uma mudança radical. Anuncia o início de uma “parceria” que dominou a política norte-americana nas últimas décadas e que só agora vai escrever o seu capítulo final. O que Bill queria dizer nessa altura era que a futura Primeira-Dama tinha uma capacidade política e intelectual igual à sua e que não iria para a Casa Branca apenas para apoiar a família e dedicar-se a causas sociais.

Pela primeira vez, a geração que nascera para a política com a guerra do Vietname, a reivindicação de direitos iguais para as mulheres e os negros, a luta por uma sociedade menos hierarquizada, tinha a Casa Branca ao alcance da mão. Os conservadores odiavam esta nova imagem do futuro casal presidencial.

Hillary, criada numa família republicana da classe média alta de Chicago e na fé metodista, começou a ganhar consciência política numa das mais sofisticadas escolas superiores de Massachusetts apenas para raparigas. Rapidamente virou à esquerda, mesmo que sem extremismos. Bill, nascido numa família pobre de um dos mais pobres estados americanos, evitou envolver-se na radicalização da sua geração porque queria, acima de tudo, fazer uma carreira política. Começou no Arkansas, concorreu ao Congresso e falhou, ganhou o cargo de Procurador-Geral e, finalmente, o de Governador. Pediu a Hillary que abandonasse a sua carreira promissora em Washington para acompanhá-lo em Little Rock.

Nessa altura, tudo parecia ainda possível. Começou por ser Hillary Rodham. Fez o sacrifício de acrescentar o Clinton, mantendo o apelido de nascença. “Aprendi da maneira mais dura que alguns eleitores do Arkansas estavam realmente ofendidos pelo facto de manter o nome de solteira.” Só mais tarde, na Casa Branca, acabou por adoptar o nome que hoje a define: Hillary Clinton.

Com menos Bill e mais Hillary, mas cumprindo a mesma maldição que a perseguiu ao longo de 40 anos de carreira política e de exposição pública: para ela tudo foi sempre difícil; para ele, tudo foi sempre muito mais fácil. “Se frequentassem a mesma classe, ela iria a todas as aulas, leria todos os livros do programa e estudaria afincadamente para os exames. Ele passaria por algumas, leria alguns dos livros e escolheria outros, estudaria alguma coisa para os exames. No fim teriam os dois o mesmo A”, diz a sua antiga chefe de gabinete na Casa Branca.

Na casa onde nasceu era mais ou menos a mesma coisa. Quando chegava com a caderneta escolar apenas preenchida por As, o pai dizia-lhe que a escola não devia ser muito exigente. Da mãe, que viveu uma vida amargurada e solitária, recebeu o conselho que mais viria a aplicar ao longo da vida: “Se caíres, volta a levantar-te”. Foi o que fez até hoje. O que é mais extraordinário na história desta mulher que quase ninguém duvida que saberá exercer o cargo supremo com capacidade e segurança, que tem uma experiência imensa sobre todos os dossiers, que aguentou ao longo da vida todos os vícios privados de Bill, que enfrenta agora a sua última oportunidade de provar que é tão capaz como ele, é que verdadeiramente ninguém ainda a conhece.

Quem é Hillary Clinton? Em que é que acredita realmente? Depois de dezenas de biografias, milhares de artigos nos jornais, continua a ser inacessível, mesmo para os que gostam dela. Não faltam as explicações, ainda que todas sejam apresentadas com reserva. Bill, que foi uma figura “paternal” (demasiado) na sua primeira campanha para a Casa Branca, em 2008, desta vez ficou mais vezes em casa. Mas o fantasma das suas aventuras persegue-a em cada debate. Com todos os “escândalos” (uns reais outros ficcionados por uma direita religiosa que sempre os odiou) que envolveram o seu segundo mandato, continua a ser um dos Presidentes mais populares da América.

Ela tem de vencer uma barreira invisível, que não é apenas o último tecto de vidro, mas aquele que parece estar entre ela e o comum dos mortais. Acumulou desde Little Rock o peso de várias “histórias”, nunca totalmente provadas, sobre os meios nem sempre transparentes com que os dois quiseram construir uma pequena fortuna, num país em que o dinheiro conta demasiado para a carreira política.

A forma como lidou com as inúmeras “aventuras” do marido parecem revelar uma mulher implacável, disposta a engolir muita coisa para manter o casamento a funcionar. Há algum voto feminino que não lhe perdoa esta “fraqueza”. As sombras que sobrevoam ainda hoje a Fundação Clinton em matéria de financiamento, também não são muito abonatórias. Curiosamente, a maior ajuda vem-lhe, desta vez, não de Bill mas do seu rival de 2008. Barack Obama e Michelle estão ao seu lado quase todos os dias. Coube a Michelle, cuja popularidade é estratosférica, reagir ao vídeo ordinário de Donald Trump com uma força e uma sinceridade que Hillary não consegue transmitir. Teimosamente, os americanos regateiam-lhe a empatia. A mesma que nunca regatearam ao marido. Mesmo assim, 40 anos depois, Hillary e Bill mantêm a mesma parceria, assente no respeito mútuo pelas respectivas capacidades, forjado em muitas guerras, e sustentado por uma eterna história de amor. “Não são separáveis”, diz Carl Bernstein, autor de uma das mais completas biografias de Hillary (A Woman in charge, 2008) , numa recente entrevista à CNN, “porque cada um deles é a influência dominante do outro”.

Mas esta longa história precisa de mais palavras para ser compreendida.
Um encontro escrito nos astros

Encontraram-se na Yale Law School em 1970, onde ela chegara depois do Wellesley College para estudar Direito e para onde ele regressou depois de dois anos em Oxford, com uma bolsa de estudo. No ano anterior, coube ao senador (republicano e negro) Edward Brook, do Massachusetts, pronunciar o discurso principal na cerimónia de abertura do ano lectivo no Wellesley College, a escola de elite que ela frequentara. O movimento antiguerra já tinha invadido os campus universitários. Martin Luther King fora assassinado um ano antes. Robert Kennedy também. O senador resolveu fazer um discurso condescendente sobre o movimento antiguerra nas universidades, considerando-o um mero e compreensível devaneio de juventude. Hillary, que já estava de partida mas a quem incumbia falar em nome dos estudantes, deixou as notas de lado para enfrentar o senador, dizendo-lhe que a sua geração já estava farta de condescendência e que ela, em consciência, não podia deixar passar as suas palavras. Deve tê-lo feito tão bem que o discurso teve uma enorme repercussão.

A Life quis fazer um perfil dela. Quando Bill chegou a Yale já sabia quem ela era. Foi uma espécie de amor à primeira vista. Hillary seguiu para Washington, para trabalhar na Comissão de Justiça que estava a tratar do impeachment de Richard Nixon (Bill tinha sido convidado primeiro, mas indicou-a a ela), preparando-se para entrar num dos mais famosos escritórios de advogados da capital. Começara republicana mas, nessa altura, já tinha mudado de campo.

A influência de um jovem pastor da Igreja Metodista (ainda em Chicago), ajudou-a a superar a eterna questão que carregava consigo: como resolver o dilema entre ser “uma conservadora pela razão e uma liberal pelo coração". O pastor levou-a a cumprimentar King e “apresentou-lhe” Bob Dylan. Bill também daria uma ajuda. Também ele evitou uma participação demasiado visível nos movimentos estudantis que revolucionaram (como na Europa) as universidades americanas, contra uma sociedade insuportavelmente hierárquica, pelos direitos iguais para as mulheres e para os negros. Tinha um objectivo: fazer uma carreira política.

Enquanto ela rumava a Washington, ele regressava ao Arkansas, o pobre e distante estado onde nascera, para começá-la. Queria que ela fosse com ele. Decidiu segui-lo. Quando os seus amigos lhe diziam que estava a cometer um erro enorme, ela respondia: “O que querem, eu amo-o.” Acabou por revelar-se fundamental para a carreira de Clinton. Foi ela que não o deixou desistir, quando perdeu as eleições para um segundo mandato de Governador. Bill andava pelas ruas de Little Rock a perguntar às pessoas porque não gostavam dele. Ela tratava de organizar o seu regresso. Candidatou-se a um terceiro mandato e ganhou. “Chelsea second birthday, Bill second chance”, escreveu ela no seu diário. Meteu mãos à obra para lançar uma reforma da educação cujos efeitos ainda perduram. Quanto ao destino de ambos, era naturalmente a Casa Branca. Bill anunciou a candidatura em 1991. Foi uma campanha duríssima, graças aos sucessivos escândalos de Bill no que respeitava às mulheres e que Hillary já tivera de enfrentar no Arkansas. Hillary tratou de esmagar as pretensões das alegadas amantes do marido, como se a culpa fosse delas. O carisma de Bill e a sua inesgotável capacidade de comunicação fizeram o resto. Ela seguiu para Washington declarando que não ia ficar o tempo todo a fazer bolos. Acabou por ter de desafiar Barbara Bush para um concurso de receitas lançado por uma revista de culinária. Teve de fazer concessões para tentar encaixar no modelo de Primeira-Dama que estava na cabeça da maioria dos americanos. O Rodham acabou por cair. Hillary passou a ser apenas Clinton. A sua heroína era Eleanor Roosevelt, pela sua independência em relação ao Presidente Roosevelt, e a sua intervenção política. Ainda no Arkansas, e por causa dos escândalos de Bill, os dois chegaram a admitir que poderia ser ela a candidatar-se a um terceiro mandato como Governadora. Dick Morris, o seu guru das sondagens, concluiu que ela não tinha uma identidade suficientemente separada da de Bill para poder ganhar. Ficou furiosa.
A guerra cultural

Eram estranhos à elite de Washington e tiveram de enfrentar uma guerra sem quartel dos republicanos, que viam neles uma espécie de “anticristo”. Os seus biógrafos lembram que é preciso olhar para eles do ponto de vista da “guerra cultural” que dividia a América. “Eles estão no centro dessa guerra”, diz Bernstein. Para uma parte dos americanos eram “demónios da esquerda radical”. Isso e mais os devaneios de Clinton tornaram esta “guerra” implacável.

Bill representava uma mudança geracional profunda em Washington. Levou para a Casa Branca uma radical transformação do programa do seu partido, designada os “Novos Democratas”, filhos e netos de Ronald Reagan. Tinha um conhecimento infindável e uma extraordinária capacidade de comunicação. Era, sobretudo, um grande sedutor. Quando se candidatou, muita gente achou que era impossível vencer George Bush, o Presidente que conseguiu terminar a Guerra Fria sem turbulência nem conflitos. Merecia um segundo mandato. Esqueceu-se de um pormenor: a economia estava em recessão.

“É a economia, estúpido”, a frase de James Carville inscrita nas paredes do quartel-geral da campanha de 1992 em Little Rock, e que se tornou na mais repetida do mundo, garantiu-lhe a inesperada vitória. Quando ambos chegaram ao nr.º 1600 da Pennsylvania Avenue, ela instalou-se na Ala Oeste, preparando-se para uma espécie de “co-presidência”, como escreveu o diário francês Le Monde. Bill deu-lhe a reforma que a sua geração considerava a mais emblemática de todas: a saúde. Rodeou-se de peritos, elaborou um programa de milhares de páginas, esqueceu-se de que tinha de negociá-lo com o Congresso, bastando-lhe a convicção de que estava certo. Foi obrigada a desistir. Com a aproximação das eleições para o segundo mandato, o staff do Presidente não a queria ver por perto. Era ela, diziam, que alimentava o rótulo de “esquerdistas” que a direita tentava colar ao casal presidencial. Escrevia a revista New Yorker em Fevereiro de 1996: “Como as corridas de cavalos, odiar Hillary transformou-se num desses passatempos nacionais que unem a elite e o lúmpen.”

Hillary não perdeu tempo a chorar sobre o leite derramado. Dedicou-se aos direitos das mulheres por esse mundo fora. Na China, em 1994, num congresso mundial, proclamou que “os Direitos Humanos são direitos das mulheres, e os direitos das mulheres são Direitos Humanos”. Nem tudo o que rodeava a Primeira-Dama era perfeito. Já trazia consigo do Arkansas algumas dúvidas mal explicadas sobre negócios de terrenos. Esteve envolvida num escândalo que abalou a agência de viagens da Casa Branca. Ainda estava para vir o "escândalo Lewinsky".

Bill ganha o segundo mandato facilmente. Continuava a ser a economia. Criou mais de 10 milhões de empregos (no computo final, foram 20 milhões), transformou um enorme défice num muito confortável excedente, para o qual também contribuiu a redução do orçamento da Defesa. Reformou a segurança social, do conceito de welfare para o de workfare. Foi ele o grande inspirador da “terceira via” europeia. Conduziu uma política internacional que o fim do confronto Leste-Oeste tornava possível: promover o avanço dos mercados e da democracia num mundo cada vez mais interdependente. Travou as guerras nos Balcãs em nome da “responsabilidade de proteger”. Criou um movimento internacional, a “Progressive Governance”, atraindo os líderes de centro-esquerda da Europa e do resto do mundo. De Tony Blair a António Guterres, passando por Fernando Henrique Cardoso. Faltava ainda o 11 de Setembro e a crise financeira para provar que o mundo de Clinton era apenas uma transição. Henry Kissinger, o patrono da realpolitik americana, chamava à sua política externa de “assistência social”.
O último escândalo

Quando estalou o "escândalo Lewinsky" e ficou provado que o Presidente mentira ao povo americano, o próprio confessou a alguns amigos: “Não estou aqui mais do que uma semana”. As vozes a exigir a sua demissão eram cada vez mais fortes. Foi ela que, de novo, decidiu salvar a “parceria política” que os dois encarnavam, para “o bem da América”. Na televisão, disse que continuava a amá-lo e a respeitá-lo. “A grande história, aqui, é esta vasta conspiração de direita contra o meu marido desde o dia em que se apresentou como candidato.” Admitem os seus próximos que ela chegou a acreditar na versão dele.

Geriu a batalha contra o impeachment, que acabou derrotado no Senado. Foi ela que se humilhou perante a opinião pública. Logo que pôde, rompeu o cerco asfixiante que a envolvia, candidatando-se a senadora de Nova Iorque, antes mesmo do fim do mandato de Bill. “A popularidade de Bill junto da opinião pública mantém-se alta. A sua popularidade para mim bateu no fundo” (2003). Acrescentou mais tarde: “A decisão mais difícil da minha vida foi continuar casada com Bill e candidatar-me a senadora de Nova Iorque”. Ganhou e voltou a ganhar. Chegara finalmente a sua vez. Enfrentou com determinação o 11 de Setembro, negociando apoios extraordinários para ajudar a cidade a reconstruir-se física e moralmente. Votou a favor da guerra do Iraque, mais a pensar no seu futuro político do que na justificação apresentada por George W. Bush ao Congresso. Com os olhos já na Casa Branca, considerou que o apoio a Bush era importante para uma mulher que queria ser “comandante-em-chefe”.

Não deixou nenhuma marca legislativa digna de registo mas participou na Comissão das Forças Armadas com o mesmo objectivo. E mudou de comportamento, graças às lições que aprendera da pior maneira. Mostrou-se humilde com os seus colegas mais velhos. Pediu-lhes conselhos. Deixou de ser intelectualmente arrogante. Bill criara, entretanto, a sua Fundação, envolvendo-se em causas humanitárias louváveis. Mas, mais uma vez, a forma como a financiava, nomeadamente enquanto Hillary chefiava o Departamento de Estado, estava, e está, envolvida em alguma nebulosidade. Os dois partilharam à sua maneira um pecado original: convenceram-se que políticos do seu calibre não tinham necessariamente de fazer as coisas como os outros mortais. “Ambos partilham apaixonadamente a convicção de que estão predestinados a fazer a diferença no mundo”, diz Betsey Wright, que trabalhou com ela.

O destino ainda lhe voltaria a colocar mais algumas provações.
Entre a experiência e a esperança

Em 2008, acreditou que chegara finalmente a sua vez. Bush saía da Casa Branca com o fracasso das guerras no Iraque e no Afeganistão, somado a uma crise financeira sem precedentes que abalou a economia americana e a economia mundial. As sondagens garantiam-lhe uma vitória fácil. Capaz, inteligente, experiente. Quase perfeita. Estava preparada para entrar na Sala Oval e decidir sobre uma crise internacional na primeira hora do primeiro dia do seu mandato. Também ela confessa que ficou impressionada com o célebre discurso do actual Presidente na Convenção democrata de 2004, que escolheu John Kerry como candidato. Mas Obama era apenas uma promessa para o futuro. Depois foi o que se viu. Os americanos queriam mesmo uma mudança. Preferiam a esperança à experiência. Barack Obama oferecia-lhes essa possibilidade.

“Épocas excepcionais, por vezes, engendram líderes excepcionais”, escrevia o académico francês Dominique Moisi, quando toda a Europa discutia se era melhor Obama ou Clinton. Ela era já a face da “aristocracia” que governava a América, dos Bush e dos Clinton. Como descreveu Carl Bernstein, esteve sempre na “bolha política”, na “bolha de Washington” e a “bolha dos media”. Na mesma biografia (2008), o autor revela coisas que pouca gente poderia sequer imaginar. Já na Casa Branca e em plena “guerra” sem quartel dos republicanos contra os Clinton, “ela frequentava pequenos-almoços de oração com as mulheres desses mesmos republicanos radicais” O mesmo aconteceu quando foi eleita para o Senado.

Bernstein defende que a sua fé metodista é, porventura, a primeira explicação para a sua personalidade. Bill pertencia à Igreja Baptista, compartilhada por uma maioria negra do Sul. Mais festiva e menos exigente. Nessa altura, os republicanos cada vez mais encostados ao Tea Party mas ainda com um candidato moderado, John McCain, conseguiam odiá-la ainda mais do que ao seu rival democrata. “Temiam Obama porque podia ser o caminho mais rápido para o fim da guerra no Iraque”, diz o biógrafo. Odiavam Hillary porque sobrevivera “ao assassínio de carácter que orquestraram” contra Bill. Ambos representam a geração que culpavam da derrota da América no Vietname.
Quem é ela?

Hoje, a pergunta continua a persegui-la: quem é verdadeiramente Hillary Clinton? Alguns dos seus amigos confessam que, por vezes, acreditam que “a gente que faz parte da sua vida é apenas um meio para atingir o seu objectivo”. “Deus está do meu lado, pode ser uma forma de arrogância”.

Serviu lealmente Obama durante quatro anos no Departamento de Estado, onde fez um trabalho notável. O Presidente centralizou no seu gabinete as decisões de política externa mais importantes e, algumas vezes, diferentes das que ela defendia. Executou-as com enorme competência. Os militares gostam dela porque ela sabe do que está a falar. Regressava agora para a sua batalha final, para cumprir o único tabu que ainda falta vencer. Depois de um negro na Casa Branca, uma mulher. Parecia fácil. As contas acabaram por sair todas erradas.

Primeiro, foi Bernie Sanders, da ala radical dos Democratas, classificando-se a si próprio como socialista (um conceito muito pouco americano), a quem as sondagens davam um único dígito no início das primárias. Perseguiu-a de perto em toda a campanha, provando o cansaço de muita gente contra as elites de Washington.

Depois foi Donald Trump, o mais improvável dos candidatos republicanos, um populista brutal e primário, mas que parece traduzir a revolta das classes que se sentem abandonadas e cujos destinos foram duramente afectados pela globalização. Xenófobo, nativista, isolacionista e proteccionista. Umcocktail que não poderia ser mais perigoso. Mais uma vez, Bill esteve “presente” na campanha por péssimas razões. Mais uma vez, ela teve de subir a pulso até onde quer estar.

Teve em Obama o mais leal e eficaz dos defensores. O mundo inteiro espera que ela ganhe. Ela própria disse há meia dúzia de dias ao New York Times: “Sou a única coisa que se entrepõe entre vocês e o apocalipse”. É verdade mas, para muitos americanos, não parece evidente. Já é avó. Bill continua a ser o seu companheiro e, porventura, o seu melhor conselheiro. Diz Maggie William, uma velha amiga, que “ela e o marido têm um acordo privado que se baseia na partilha do poder – ela é igual a ele e ele aceita isso.” Mas é também a história de um grande amor.

Nestes dias que faltam para a eleição, talvez Hillary se lembre do desafio que lançou ao senador do Massachusetts quando tinha apenas 21 anos. “O desafio hoje é fazer política com a arte de tornar possível o que parece impossível”. A vida já lhe ensinou que a política é, afinal, a arte do possível. Ainda pode ser uma grande Presidente, num dos momentos mais conturbados da ordem internacional. A única vez que alguém lhe viu lágrimas nos olhos foi no final das primárias de New Hampshire contra Obama, quando uma jornalista lhe perguntou como é que conseguia estar sempre tão bem arranjada. Quando dirigiu o Departamento de Estado escreveram-se longos artigos sobre se lhe ficava bem o cabelo mais comprido. Esta é a parte da história em que faz toda a diferença quando se é uma mulher.

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