Sentavam-se em seus hotéis enquanto os mediadores se esgotavam em
incessantes vaivéns. As rondas nunca se iniciavam nas datas previamente
anunciadas. Quando eles chegassem as salas da Comunidade Sant Egidio,
arredores de Roma, concretamente no bairro Trastevere, discutiam três a
cinco dias, para logo a seguir, e na sequência de mais um impasse, a
ronda ser interrompida para «um período de reflexão». Enquanto isso,
milhares e outros milhares de moçambicanos tombavam no país, vítimas da
guerra. Vamos aos factos:
1. A primeira ronda negocial
decorreu de 10 a 14 de Julho de 1990. Para começar, os membros das
delegações reconheceram-se irmãos da grande família moçambicana tendo
prometido deixarem as divergências para olhar no que era útil ao povo
moçambicano. Tinha sido previamente anunciada para ocorrer no Malawi,
para onde membros do Governo haviam viajado em Abril, a ronda só veio a
realizar-se três meses depois, já em Roma porque a Renamo recusou ir ao
Malawi receosa pela segurança dos seus negociadores, acusando o regime
de Maputo de ter conseguido fazer infiltrar 100 agentes secretos para
aquele país com a cumplicidade de segmentos policiais corrompidos.
2. A Segunda Ronda ocorreu de 11 a 14 de Agosto, 15 dias depois
da data anunciada pelos mediadores porque a Renamo chegou a Roma com
duas semanas de atraso. O governo italiano, embaraçado pelo imprevisto,
teve que improvisar excursões para a delegação do governo, através da
Itália, queimando tempo. Nesta altura, a Renamo exigia que o Quénia
regressasse como mediador, que tinha estado nos primeiros preparativos
do teté-a-teté, ao mesmo tempo que pedia a retirada das tropas
zimbabweanas estacionadas em Moçambique desde 1982.
3. A
terceira Ronda negocial ocorreu de 9 de Novembro a 1 de Dezembro (a mais
produtiva), no final da qual foi assinado o acordo do cessar-fogo nos
corredores da Beira e do Limpopo, ao longo dos quais ficariam confinadas
as forças do Zimbabwe. Por outras palavras, as tropas do Zimbabwe não
deviam ajudar as FPLM nas suas ofensivas contra a Renamo, ficando apenas
a guarnecer os corredores. A ronda teve atraso de dois meses porque
segundo a Renamo, pela boca dos seus porta-vozes, «não podemos estar a
conversar com o governo em Roma ao mesmo tempo que nos defendemos de
suas ofensivas militares no terreno». O governo respondia dizendo que
tinha sido a própria Renamo a recusar a cessação das hostilidades
militares defendendo que só depois de alcançados os acordos políticos a
guerra iria cessar.
4. A quarta ronda decorreu de 19 a 21
de Dezembro. No início da ronda tinha tomado posse a COMIVE, (Comissão
Mista de Verificação), composta por representantes de oito países, por
um lado, Governo e Renamo por outro. Desta ronda foi conseguido o
consenso sobre a formação dos partidos políticos. O governo sugeriu a
calendarização das futuras negociações para daí a três meses, proposta
recusada pela Renamo o que levou a que uma declaração conjunta não fosse
feita. Porém, no dia seguinte, 22 de Dezembro, a Assembleia da
república aprovou a Lei dos partidos.
5. A quinta ronda
decorreu de 28 a 30 de Janeiro de 1991. A COMIVE apresentou o seu
primeiro relatório em que reconhecia 14 casos de violação do cessar
fogo, 8 dos quais tinham sido investigados e destes, 6 eram da autoria
da Renamo, não havendo evidencias sobre os restantes dois. Esta posição
da COMIVE fez com que a Renamo suspeitasse estar a «comer com eles»
porque «se outros ataques não foram por nós feitos a conclusão devia ser
lógica, pelo que «bños declaramos inocentes». Na mesma ronda, a COMIVE
tentou clarificar o que significava corredor da Paz que incluía as
cidades de Maputo Chocue, Chicualacuala, Beira, Chimoio, definição que
não agradou a Renamo que atacará, a 23 de Fevereiro, o corredor do
Limpopo. Afonso Dhlakama afirmou, à Voz da América, ter sido ele,
pessoalmente, a dar ordens para o ataque para dar a entender a Frelimo
que deve cumprir o acordo e a 7 de Março, ele deu um ultimato de 30 dias
ao governo para que as «forças zimbabweanas concluam a sua concentração
ao longo do corredor, caso não queiram ser atacadas».
6. A
sexta ronda decorreu de 6 de Maio a 5 de junho. Inicialmente marcada
para 26 de Abril, até 6 de Maio as delegações continuavam nos seus
hotéis, enquanto os mediadores repetiam a azáfama dos vaivéns de um lado
para outro. O braço de ferro devia-se ao facto de a Renamo estar a
exigir que a Itália lhe fizesse a entrega de todo o sistema de
manejamento e controlo do equipamento de radiocomunicações, instalado
dois meses antes em Sofala, para facilitar consultas entre a equipa
chefiada por Raul Domingos e o seu presidente, Afonso Dhlakama. Nesta
ronda esteve em discussão a agenda política e militar, o esqueleto da
Lei eleitoral, modalidades do cessar-fogo, fiscalização, futuro exército
único, reestruturação das forças de segurança e sua futura neutralidade
política. Devido aos impasses, o governo italiano anunciou a suspensão
do diálogo por 10 dias e a 28 de Maio é retomado mas a 5 de Junho é
novamente interrompido porque o governo pretendia ver o registo dos
partidos pelo Ministério da justiça na base da lei aprovada a 22 de
Dezembro. A Renamo rejeitou e propôs que tal seja feito pala ONU.
7. A sétima ronda decorrei de 1 a 6 de Agosto de 1991. Antes da
ronda, a Renamo condicionava o seu regresso à mesa do diálogo, ao
regresso, ao Malawi, da sua equipa técnica responsável pelo manuseamento
do equipamento de rádio que passava por este país, Isto porque o Malawi
os havia expulso recusando-lhes a revalidação dos vistos após uma
queixa de Maputo de que os equipamentos estavam sendo utilizados para
fins militares em Moçambique. É a negociação em que se debateu a questão
das garantias recíprocas do estilo «vamos esquecer o que se passou». Na
base do entendimento contido no «cornicie/quadro» a Renamo devia
reconhecer o Estado, o Governo e a validades das principais leis do país
e o Governo concedia um estatuto especial à Renamo em relação as
restantes futuras forças políticas, permitindo-lhe mesmo que fizesse a
sua campanha eleitoral sem necessitar de se registar no Ministério da
Justiça. A Renamo pediu para reflectir e no dia 6, em Lisboa, emitiu um
comunicado considerando o documento de inoportuno e destituído de
interesse o que se consuma mais num novo impasse.
8. A
oitava ronda decorreu de 7 de Setembro a 15 de Novembro de 1991 e foram
assinados os protocolos 1 e 2 nomeadamente o de princípios fundamentais e
critérios para a formação e reconhecimento dos partidos políticos. A
Renamo reconhece o estado e respectivas instituições e promete fazer a
sua luta política a luz das leis vigentes. Igualmente aceitou que os
partidos políticos fossem registados no Ministério da Justiça reservando
para si o direito de fazer a sua campanha dispensando o seu registo. Na
lei eleitoral, da exigência de 1100 eleitores para o reconhecimento de
qualquer formação política passou para 2000 mas, desta vez, sem ser
necessário provar que a sua procedência cobria todo o território
nacional.
9. Na nona ronda (Dezembro de 1991) a Renamo
apresentou a proposta de percentagem mínima para que um partido politico
concorresse nas eleições. Propunha que o sistema de atribuir vitoria
eleitoral apenas ao partido cuja lista de candidatos tenha amealhado a
maioria dos votos num determinado círculo eleitoral fosse substituído
por um outro que consistiria numa representação proporcional. Esta
posição vincou, contra o que estava estabelecido na Constituição de
1990, isto é, o sistema de listas maioritárias. Também ficou
estabelecido que as eleições de parlamentares realizar-se-iam no mesmo
dia da eleição do presidente da República. Mas a Renamo tinha outra
proposta controversa, na base da qual coligações entre partidos quer
para efeitos eleitorais, quer para a constituição de um Governo, seriam
impedidos por lei, na verdade, reduzir o jogo democrático no país a uma
partilha do poder apenas entre o partido no poder e a própria Renamo, em
detrimento das restantes Forças políticas sem experiência de guerra.
10. A décima ronda decorreu de 21 de Janeiro a 12 de Março de 1992.
Nessa ronda foi assinado o protocolo III (estabelecimento de princípios
da Lei eleitoral.
11. A 11ª ronda iniciou a 10 de Junho de 1992
e prolongou-se até Agosto. Cingiu-se nas questões militares (formação
do exercito único e apartidário, futuro do SISE, datas de retirada das
forças estrangeiras, desmobilização e reintegração dos militares, ajuda
humanitária. A 5 de Agosto houve o frente a frente entre o presidente
Joaquim Chissano e Afonso Dhlakama, em Roma e a 7 de Agosto houve uma
declaração conjunta em que estavam presentes os sete protocolos e as
partes se comprometem em observá-los rigorosamente. Na declaração
passava-se em revista os encontros havidos anteriormente, com destaque
para o encontro de Gaberone (Botswana) a 4 de Julho. Ficou acordado que a
assinatura do Acordo geral de paz seria a 1 de Outubro seguinte. No
final do comunicado, o presidente do Zimbabwe, Rober Mugabe, era um
homem feliz e disse «this is a historic day for the people os Mozambique
and Africa, please, no more deaths, no more war». Hoje, passadas mais 4
anos nos surge o desejo de repetir com Mugabe: «no more deaths, no more
war».
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