domingo, 16 de outubro de 2016

A dificuldade de anunciar a morte de Samora

A dificuldade de anunciar a morte de Samora

Era director da Escola Secundária de Boroma, em Tete, na altura com 23 anos de idade. Anuncia-se na província, em Setembro de 1986, uma visita do presidente Samora Machel, pouco tempo depois de ter estado no Malawi, na viagem para mostrar a Hasting Kamuzu Banda, então presidente daquele país do “hinterland”, as provas do seu envolvimento conspiratório contra o nosso país, no apoio à Renamo, a mesma de hoje.
A direcção de que eu era chefe decide levar o maior número possível de alunos (três por turma x 15) e todos os professores para o comício do presidente, marcado para o dia 21 de Setembro. Fomos no nosso Ford-6000 e, como sempre, Boroma deu nas vistas na capital provincial.
O grupo que fora representar a escola regressa no mesmo dia a Boroma, para passar toda a noite na escola e centro internato a comentar o discurso do presidente.
Menos de uma semana depois, o presidente visita Nacala-Porto, soube-se pela Rádio Moçambique. Cada aluno ou professor, quando ouvia falar-se de Samora Machel, “via” aquele moçambicano ímpar que estava com ele, não passavam muitos dias.
A imagem de Samora Machel havia ficado na retina, sobretudo de alunos que nunca o tinham visto antes, de tal modo que, a cada pronunciamento, eles “viajavam” para o campo do Desportivo de Tete, onde pela primeira vez o viram em carne e osso.
Quando os professores, acompanhando-me, na qualidade de director da escola, com lágrimas indisfarçáveis no rosto, foram ao internato anunciar, eu soluçando, a morte do presidente, todas as crianças caíram e parte da população da aldeia de Boroma escalou a montanha sobre a qual está situada a escola, para perceber o que se estava a passar. Queria-se entender a razão dos choros simultâneos na escola.
A escola era, na realidade, uma espécie de poder intelectual e politicamente esclarecido, mas, sobretudo, informado. Foi necessário ir dar a má notícia às autoridades da aldeia, que para isso convocaram uma reunião.
Alguns professores previamente seleccionados tiveram de se deslocar à cidade de Tete, onde um livro de condolências estava a ser assinado, no Salão Nobre do Conselho Executivo. Nunca a ninguém pareceu verdade, principalmente para as crianças da escola, que havia menos de um mês o tinham conhecido. Se calhar até pensassem que não fosse mortal, como a Eufrásia Aço, que tentou dizer isso no meio dos seus choros.
Eufrásia Aço hoje é avó, professora na vila autárquica de Moatize.
Nota: Retirado do livro
“Boroma- Homenagem a todos os professores”
(I edição/2006 e II edição/2009) de P.Nacuo
Pedro Nacuo
nacuo49nacuo@gmail.com

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