OPINIÃO
Os políticos e os banqueiros não são crianças inimputáveis.
Na semana passada escrevi um texto sobre a Caixa Geral de Depósitos onde mostrava a ligação entre a lista dos maiores devedores da Caixa, a gestão de Armando Vara e o consulado de José Sócrates. Sempre que me dedico a este género de actividade é certo e sabido que me vão perguntar coisas. Por exemplo: 1) Você acha que José Sócrates é o culpado de todos os males do país? 2) Não lhe parece que os governos de direita também se aproveitaram da Caixa? 3) Já não se recorda de quando Celeste Cardona foi nomeada por Bagão Félix? 4) Porque é que você só critica o PS? 5) No PSD parecem-lhe todos santinhos, é?
O provérbio favorito do debate político e partidário em Portugal é este: a trafulhice do vizinho é sempre maior do que a minha. Donde, qualquer colunista está condenado ao perpétuo desacerto. Se critica a CGD perguntam-lhe “e o BPN?”; se reprova o BES questionam “e o Banif?”; se ataca Sócrates demandam “e a Tecnoforma?”; se maldiz Armado Vara inquirem “e Miguel Relvas?”; se zurze em Satanás observam “e Belzebu?”. A gente nunca atina. Ao lado do que está escrito existe invariavelmente alguém pelo menos tão mau – idealmente, pior – do que o protagonista do texto, mas que o colunista decidiu poupar por estritas razões ideológicas. O resultado desta atitude é a absoluta falta de critério. Para sermos “equilibrados” temos de admitir que Sócrates é igual a Passos, Passos é igual a Costa, e Costa será igual ao próximo primeiro-ministro, que ainda não se sabe quem é mas já transporta consigo a marca do pecado original – a mesma tendência para a trapaça.
Embora reconheça a função terapêutica deste exercício e não tenha a ambição de acabar com ele, eu gostaria de aproveitar este momento para declarar solenemente, com toda a energia e convicção possíveis, que não, eles não são todos iguais. Cada político é diferente do outro. As suas responsabilidades, os seus defeitos e os seus méritos são distintos. Este tipo de igualdade é uma desculpa para não pensar, não distinguir e não exigir mais do que aquilo que temos; é uma terraplanagem da nossa capacidade de avaliar, sopesar e criticar políticos eleitos. Pedro Passos Coelho não foi igual a José Sócrates. O caso Tecnoforma não tem a gravidade da Operação Marquês. Celeste Cardona não prejudicou tanto a Caixa como Armando Vara. E, em última análise – que é para dinamitar todas as meias-tintas –, o comportamento do último governo de direita não tem nada a ver com o comportamento do último governo de esquerda, nem o estado a que o país chegou pode ser igualmente distribuído por PS e PSD, apesar do miserável governo liderado por Santana Lopes.
É por isso que quando ouço Manuela Ferreira Leite e Bagão Félix defenderem que não deve haver uma comissão de inquérito parlamentar à Caixa porque ela é “inoportuna” (Ferreira Leite) e vai ser “um atirar de lama” num processo em que “não há inocentes” (Bagão Félix, num momento confessional), sinto imediatamente o estremecer dos pesos e dos contrapesos. O receio de esclarecer os portugueses, para “não minar a confiança”, como se a actividade bancária fosse o Projecto Manhattan, é o colchão em que o “eles são todos iguais” gosta de se deitar. Se são todos, então não é ninguém. Isso é inaceitável em democracia – é uma fuga ao escrutínio e à prestação de contas. Os políticos e os banqueiros não são crianças inimputáveis. De uma vez por todas: sim, há responsáveis. E não, não são todos iguais.
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