Luanda - As expectativas mundiais sobre o crescimento económico de África continuam elevadas. Apesar da descida do preço das matérias-primas que o continente habitualmente exporta estar a afectar os orçamentos governamentais de muitos países, gerando problemas de liquidez, as estimativas ainda apontam para um crescimento de três por cento este ano. Isto ocorre numa altura em que a economia mundial continua a ter dificuldades em ultrapassar a crise instalada desde 2008.
Fonte: JA
A vitória do “não” no referendo britânico sobre a permanência na União Europeia está longe de facilitar as coisas e permitir a recuperação africana. O “brexit” transporta problemas para as economias ocidentais e asiáticas, como mostraram as ondas de choque da consulta popular britânica, mas no contexto mundial os seus efeitos não foram nem serão homogéneos. A Índia, um dos poucos países actualmente a crescer e estreitamente ligado à Grã-Bretanha, anunciou que sai ilesa da trapalhada em que o primeiro-ministro David Cameron meteu o planeta e da qual vai sair certamente impune.
Se significar um motivo de reflexão e uma ruptura com o rumo que a União Europeia tem estado a tomar no relacionamento com os seus membros e parceiros, a decisão britânica pode até trazer benefícios para toda a gente. A forma centralizadora, nada democrática e quase até ditatorial como a União Europeia se tem vindo a portar, por exemplo, com África, não favorece de maneira nenhuma a cooperação, a vida dos empresários e muito menos o desenvolvimento económico de nenhum dos lados dos dois continentes. Uma atitude diferente, mais pragmática, ainda que de percepção pouco explícita, têm ultimamente revelado os políticos e empresários britânicos na relação com África, pelo menos por aqueles que passam por Angola. O contraste com a posição musculada, por vezes mesmo grosseira – esta sim evidente – é apanágio de alguém na Europa que se acha poder protagonizar um poder que não dispõe.
Prova de que algo vai mal na União Europeia? Sem dúvida. Mas sinal também de que o cenário económico mundial pode mudar se as regras do jogo económico e financeiro, de acesso aos mercados e de transparência forem iguais para todos e for respeitada a dignidade de cada um, em vez de ser apenas uma minoria de Bruxelas a tentar domesticar as rédeas da economia mundial e a procurar tirar benefícios injustos com uma prática proteccionista e discriminatória.
O “brexit” pode também constituir um momento para extrair lições para o continente africano. É de esperar que, por causa dos efeitos que provocará na União Europeia, se comece agora a falar em crise nas organizações regionais e, por decorrência, no papel que tem sido desempenhado pela nossa organização continental, a União Africana. Muita da apatia apresentada por África nos mais variados domínios da vida continental e internacional deve-se, sem sombra de dúvida, ao estado amorfo e apagado em que se encontra a mais importante instituição africana de defesa e promoção dos direitos e interesses políticos, económicos, sociais, culturais, tecnológicos e espirituais dos povos africanos.
Num momento em que emergem situações fundamentais para o futuro de África, a começar no avanço extraordinário que se regista no sector das tecnologias de informação e comunicação e a acabar nos processos de diversificação económica necessários à estabilidade dos povos em várias regiões, é estranho que a União Africana nada tenha a dizer, se coloque numa posição de “deixa andar” e ceda terreno a iniciativas extra-africanas, quando não a estruturas opostas ao espírito que esteve na origem da sua fundação que desfilam à vontade pelo continente.
Com o “brexit”, não foi à verdadeira unidade europeia que os britânicos disseram “não”. Foi contra “esta” União Europeia egoísta e desumana, que se enredou na austeridade sem perspectivas de crescimento e perdeu a batalha da solidariedade diante da maior vaga de refugiados que o mundo já assistiu. É também esta União Africana que está muito longe de exercer o papel que lhe cabe realizar na construção de uma África pacificada e desenvolvida. É a esta União Africana que é preciso exigir que se mostre mais atenta e participativa nos processos de mudança económica e financeira em curso.
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