A Primeira Morte do AGP, quando a Renamo enganou a ONU
No dia 22 de Outubro de 1993, o Governo, a Renamo e a ONU assinaram um documento de revisão do calendário militar do processo de paz em Moçambique. O novo documento foi assinado após enervantes esperas de duas horas para o início de uma reunião da Comissão de Supervisão e Controlo (GSC) em que a assinatura teve lugar. O encontro, previsto para começar às 15:00 locais, foi primeiro adiado uma hora, cinco minutos antes da hora marcada, a pedido do Governo, cuja delegação foi chefiada pelo então ministro dos Transportes e Comunicações, Armando Guebuza. Guebuza não explicou bem-bem por que motivo o Governo tinha tomado aquela posição. Uma hora depois da hora prevista, apareceu a delegação da Renamo, chefiada por Raul Domingos, então chefe do Departamento Político do movimento liderado por Afonso Dhlakama. Nenhumas explicações foram dadas para estas demoras que enervaram durante algum tempo o representante especial do secretário-geral da ONU em Moçambique, o italiano Aldo Ajello.
A assinatura de um documento sobre movimentações de tropas durante a vigência do cessar-fogo foi adiada, porque, segundo uma fonte da ONU, a Renamo declarou na altura "não estar preparada para assinar ciladas". O calendário aprovado formalizava o desbloqueamento do processo de paz moçambicano, obtido durante a visita a Moçambique do então secretário-geral das Nações Unidas, Butros Ghali. Após consultas, Ghali concluía que não estavam reunidas as condições para a desmobilização nos termos em que fora acordado no AGP. Dhlakama e seus assessores tinham conseguido esgrimir argumentos convincentes segundo os quais “era injusto que as suas forças, cuja movimentação dependeria única e exclusivamente dos próprios pés para chegar as zonas de aquartelamento, tivessem a mesma pressão que as forças do Governo que tinham carros a seu dispor para esse efeito”. O novo calendário substituía assim o que estava contido no Acordo Geral de Paz (AGP) de Roma, de 4 de Outubro de 1992, completamente ultrapassado e que previa o termo do processo de paz em Outubro de 1994, com a realização de eleições gerais. Era uma vitoria oculta da Renamo.
A fixação das datas a serem observadas era outro ponto com que a Renamo não concordava, pelas mesmas razoes: falta de meios circulantes. O novo calendário, segundo explicou Aldo Ajello, não fixava datas precisas, mas meses para o início das acções nele previstas. Era outra vitoria clandestina da Renamo. Segundo o cronograma, ainda em Outubro seria aprovado o programa de extinção de forças irregulares pela Comissão de Cessar-Fogo, que se reuniu no dia 23 de Outubro de 1993. O desmantelamento destas forças ocorreria em Novembro e Dezembro, em simultâneo com o acantonamento das tropas do Governo e da Renamo. A desmobilização destas demoraria cinco meses, entre Janeiro e Maio de 1994. O calendário contido no AGP indicava que todo o processo de acantonamento e desmobilização estivesse concluído em 180 dias, a partir do dia "E", data da aprovação pela Assembleia da República do Acordo de Paz.
De acordo com o novo calendário, em Janeiro teriam sido desmobilizados cinco por cento dos efectivos, 25 por cento em Fevereiro, 50 por cento em Março e 75 por cento em Abril. A desmobilização ficaria concluída em Maio. A ONU assumiria o controlo do armamento armazenado das tropas acantonadas a partir de Novembro, entregando-o de cada vez que se iniciasse um dos três ciclos de formação das tropas de Infantaria do Novo Exército, em cinco centros no interior de Moçambique e envolvendo de cada vez cinco mil homens. A formação dos 540 instrutores de Infantaria do futuro Exército, já tinha sido iniciado em Nyanga, no Zimbabwé, por militares britânicos e previa-se que terminaria em 20 de Dezembro. Na mesma altura, os militares portugueses já tinham começado a formação de forças de logística, fuzileiros e do primeiro dos três batalhões de forças especiais, alem do treino de liderança a generais e coronéis, em regime de seminários. De acordo com o calendário das Forças Portuguesas, as Forças Armadas de Defesa de Moçambique ficariam inteiramente operacionais em Setembro de 1994, um mês antes das eleições.
Cfr. O Século, Johannesburg, 25 de Outubro de 1993
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