segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Revisitando 2015 - Maurílio Luiele


Luanda  - Chega ao fim o ano de 2015! Qualquer análise que se faça sobre 2015 leva‐nos inexoravelmente a conclusão de que este ano foi a todos os títulos turbulento a escala global. Essencialmente porque a segurança e a Paz mundial se viram mais uma vez postas a prova, revelando fragilidades que teimam em persistir não obstante o colossal esforço que se vem desenvolvendo desde o final da II guerra mundial. Com efeito, a esperança que se havia avivado com o fim da Guerra Fria começa a ceder espaço ao desespero face a persistência de focos crónicos de desestabilização. O desespero aqui aludido parece explicar a enorme avalanche de refugiados que “coloriu” tão intensamente o quadro que foi o ano que agora termina.
Fonte: Club-k.net
O Contexto Mundial
Qual afinal a raíz do problema?
As palavras chave são sem dúvida desigualdades, assimetrias, opulência de uns poucos, pobreza e miséria de muitos. De facto, as potentes tecnologias de informação e comunicação que redesenharam a arquitectura social mundial, ao tornarem a globalização idealizada um facto insofismável, permitiram aos sujeitos uma percepção melhor das diferenças, tornaram palpáveis as desigualdades e favoreceram a imersão nas assimetrias que continuam a caracterizar o mundo. Com o afrouxamento económico que o mundo vem assistindo praticamente desde o fim da década passada, as economias emergentes que pareciam num primeiro momento imunes, começaram a ressentir‐se e isto, obviamente repercurtiu‐se acintosamente sobre as franjas socialmente mais fragilizadas. Se no norte as reacções vieram sob a forma de movimentos como o “Occupy Wall Street” e similares, no sul, onde as primaveras árabes só trouxeram mais incerteza, a onda de choque potencializou o radicalismo, o fundamentalismo religioso e, por consequência a emergência ou ressurgimento de grupos de pendor violento que se viram assim com luz verde para desencadear actos puramente terroristas.
O IS, que vem assumindo protagonismo nesta nova vaga de terror que o mundo vem assistindo ultimamente é o produto desta conjuntura política económica e social, que, ao mesmo tempo que aproxima o mundo, os continentes, as pessoas enfim, acentua as desigualdades e aprofunda as assimetrias. Em África a crueldade em forma de Boko Haram também radica as suas origens em canteiros de pobreza e miséria.
Em 2015, particularmente, o mundo assistiu a queda acentuada dos preços das commodities, com destaque para o preço do crude, o que pesou sobremaneira na balança dos países emergentes, com reflexos sociais gritantes que se manifestaram de variadas formas. Este pantanal de pobreza e miséria que se reavivou em decorrência desta realidade económica converteu‐se em terreno propício onde vêm chafurdando as forças que têm reeditado a barbárie secular.
Estaremos efectivamente diante de uma guerra de civilizações, como defendem alguns, ou são os factores económicos que pontificam na génese do conflito que dominou o panorama em 2015?
A questão precisa ser abordada na sua complexidade, tal como defende Edgard Morin. Uma visão simplista, reducionista do problema afastará o mundo de soluções sustentadas e duradouras. O discurso radical parece, quanto a mim, enganador, eivado de falácias, privilegiando questões civilizacionais e religiosas e preterindo as questões de fundo que de facto alimentam o conflito. Se as questões civilizacionais fossem as mais fortes, provavelmente a rota dos refugiados não estaria dirigida para norte, talvez assumisse outra direcção. A rota dos refugiados sugere entretanto, que os valores da igualdade, liberdade e fraternidade que enformam a democracia devem ser os fios condutores em qualquer processo de busca de soluções para o conflito presente. O mundo precisa urgentemente de uma nova ordem económica que promova a redução das desigualdades sociais, que promova cada vez mais a igualdade de oportunidades, o respeito pelas diferenças e que permita efectivamente a participação de todos e de cada um no desenvolvimento da humanidade. O arcabouço tecnológico que sustenta hoje a humanidade favorece a cidadania global e pode ser um forte aliado do homem na luta contra a exclusão. Para tal é fundamental que cada vez mais pessoas estejam habilitadas a fazerem uso crítico destas tecnologias de forma a favorecer o exercício cidadão absolutamente imperioso.
Os Estados, colectivamente precisam encontrar formas de combate implacável á corrupção, largamente responsável pela distribuição desigual da renda. É fundamental que a democracia, a transparência e a boa governação se convirtam em valores inalienáveis. É imprescindível que a justiça social, a defesa dos direitos humanos e o desenvolvimento sustentável se tornem bandeiras em torno das quais nos possamos todos unanimemente reunir.
Apesar das nuvens densas que povoaram o céu global em 2015, o Acordo Global sobre as Mudanças Climáticas de Paris trouxe algum alento e esperança de que soluções negociadas são perfeitamente possíveis. Paradoxalmente, a mesma cidade que gerou desespero ao sofrer dois bárbaros atentados terroristas em 2016 brotou esperança com o Acordo sobre as Mudanças Climáticas.
A resposta à barbárie puderá exigir medidas duras que desencorajem tais actos, mas estas medidas não podem ser desproporcionais e precisam ser habilmente combinadas com o diálogo franco e construtivo e a diplomacia proactiva.
Maurílio Luiele

Luanda 31 de Dezembro 2015

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