“Não sei se Marx aprova tudo o que estamos fazendo aqui. Mas vou encontrar-me com ele no céu e conversaremos a respeito”. Esta frase é, segundo a Revista Veja 2000 Especial, atribuída ao reformador chinês, Deng Xiaoping. Seria dele também a afirmação segundo a qual “para que o socialismo seja concretamente superior ao capitalismo, é necessário que ele seja capaz de nos tirar da pobreza”. Trata-se de afirmações que reflectem a profundidade das alterações a que a China se submeteu a partir dos finais da década 70, e que fazem do seu percurso económico um exemplo a seguir por muitos países do mundo afectados ainda pelas manifestações mais degradantes da pobreza.
A luta contra a pobreza será, por ventura, o desafio mais exaltante do nosso tempo. A sua percebida persistência tem sido um factor de debate político, sobretudo quando, nos últimos 5 anos, era crença generalizada que as politicas seguidas tinham sido um fracasso total.
Com a evolução das metodologias no estudo da economia, sobretudo nas ferramentas estatísticas e de econometria, experimenta-se medir se estamos ou não melhorar neste combate à pobreza. Medir é obviamente importante, mas na minha opinião as medições devem ser enquadradas em analises qualitativas e observadas, não como meros números, mas como complexos fenómenos sociais.. No caso de Moçambique, será verdade que, nos últimos 10 anos, a pobreza não regrediu? Como sabemos da dificuldade que ainda existe de medir fenómenos desta natureza, não devemos nos limitar a repetir rankings como se se tratasse de números de lotaria. No nosso caso, aconselho a olharmos os inquéritos que têm sido conduzidos pela mais prestigiada instituição de avaliação económica do país. Talvez uma leitura dos dados do Inquérito de Orçamento Familiar (IOF) 2014/2015 nos possa dar uma opinião informada.
O país já realizou, até hoje, quatro “Avaliações Nacionais de Pobreza” desde 1997, com salvaguarda, no essencial, dos aspectos metodológicos que garantem a comparabilidade dos resultados entre todos os inquéritos. Estas avaliações forneceram um conjunto de informações nem sempre congruentes nos padrões de pobreza ao longo de tempo. O primeiro elemento de incongruência tem sido a evolução errática da incidência da pobreza (drástica diminuição de 1997 para 2003, sua pratica manutenção nos mesmos patamares no período entre 2003 e 2008/9 e, finalmente, sua redução significativa entre 2008/9 e 2014/15) apesar de, em todo este período, a economia ter apresentado taxas altas de crescimento. Também, em algumas das avaliações, a pobreza na Cidade de Maputo foi quase tão alta como em várias outras partes do país. para, na ultima avaliação, vários indicadores das zonas urbanas, em geral, apresentarem um desempenho quase duas vezes superior que os das zonas rurais. Em geral, pode-se dizer que alguns resultados das quatro avaliações até agora feitas estão em desacordo com a intuição, principalmente quando se avalia a deficiência do consumo dos agregados familiares, medida em termos de consumo “per capita”, que é a principal medida de pobreza. Terá sido este conjunto de incongruências que gerou os acesos debates quando foram divulgados os resultados do IOF 2008/9.
A linha de pobreza é um dos factores que podem ter impacto sobre os padrões de pobreza e isso pode explicar algumas das incongruências relevantes desses padrões ao longo do tempo, bem como sobre os diversos grupos populacionais, províncias e zonas urbanas e rurais. A linha de pobreza é a medida do valor monetário que um agregado particular precisaria para atingir um padrão de vida mínimo, num lugar e ano determinados.
A construção de uma linha de pobreza nunca é uma tarefa fácil. Uma opção algumas vezes considerada para avaliar a pobreza de um país é comparar os resultados das linhas de pobreza com base nos cabazes locais para cada província, separadamente calculados para as áreas rurais e urbanas com o resultado de uma única linha de pobreza com base no cabaz dos que se encontram na situação da menor despesa “per capita”. Os resultados mudam drasticamente. Nas dietas específicas rural e urbana, a pobreza urbana ultrapassa a pobreza rural. Quando se considera a dieta alimentar nacional acontece o inverso. Também pode acontecer que o grande diferencial de preços que parece existir entre Maputo e o resto do país seja a fonte de distorções consideráveis, sobrestimando grandemente a pobreza na cidade de Maputo. Moçambique tem adoptado a prática de usar muitas linhas de pobreza dinamicamente ajustadas, o que não é isento de riscos, com realce para o aumento dos erros de classificação. Vários analistas das avaliações até aqui feitas referem que este é realmente o caso de Moçambique.
Os dados do último IOF revelam alguma evolução positiva nos indicadores que medem a pobreza em Moçambique. Os dados da pesquisa revelam que as famílias moçambicanas duplicaram as despesas mensais, passando dos 3,368 meticais por inquirido em 2008/9 para 6,924 meticais em 2014/15. Em termos de gastos mensais por pessoa, os dados mostram também um crescimento em mais do dobro, ao passar de 721 meticais em 2009 para 1406 em 2015. Como em todos os outros indicadores analisados, a população das áreas urbanas continuou a crescer a um ritmo muito mais rápido, chegando a duplicar aquele evidenciado pelas populações das áreas urbanas. Este dado, mais aqueles que revelam profundas diferenças entre as diversas províncias, indicam que o crescimento e partilha dos ganhos económicos são ainda profundamente desiguais e carecem de ser abordados através de politicas de inclusão mais inovadoras.
Na avaliação da estrutura das despesas, o inquérito traz um dado significativo, no que à redução da pobreza se refere. Apesar do facto de as famílias moçambicanas continuarem a gastar 35.6% com produtos alimentares e bebidas não alcoólicas, este gasto caiu significativamente de 51.4% que era a cifra em 2008/9. Na verdade, à medida que os rendimentos de uma família aumentam, tende em contrapartida a reduzir o peso especifico do que se gasta com alimentação. Sinal igualmente revelador de uma redução da pobreza e concomitante aumento de rendimentos é o aumento da percentagem dos gasto em (i) habitação, água, eletricidade, gás e outros combustíveis, (ii) transportes, (iii) comunicações, (iv) educação e (v) restaurantes, hotéis e cafés.
O inquérito evidencia melhorias substanciais na taxa de analfabetismo e no acesso ao posto, centro de saúde ou hospital. Considera-se que um indivíduo tem acesso fácil às infraestruturas de saúde, quando percorre a pé menos de 30 minutos para chegar a uma unidade sanitária mais próxima. Em geral, estes são também importantes indicadores de redução da pobreza pois, quanto menos analfabetos e menos doentes forem os cidadãos de um país, maior propensão de integração económica e social terão.
O IOF mostra um crescimento da posse de bens duráveis. Por exemplo, a posse de telemóveis cresceu de 23.5% dos inquiridos em 2008/9 para 55.8 em 2014/5. A posse de camas/beliche variou de 39.1% dos inquiridos em 2008/9 para 52.4 em 2014/5. A posse de viaturas duplicou entre os dois períodos, passando de 2% dos inquiridos em 2008/9 para 4.1% em 2014/5. Mesmo fenómeno (duplicação) verifica-se na posse de televisores, que passou de 12.4% dos inquiridos em 2008/9 para 24.2% em 2014/5. A posse de motorizadas passou de 3.6% dos inquiridos em 2008/9, para 8.1% em 2014/5. Houve, também, apreciáveis aumentos na posse de geleiras, congeladores e ventoinhas/ventiladores entre os dois períodos. A posse de bens duráveis é um importante indício de redução da pobreza numa sociedade. Do lado da diminuição, destaque vai para Rádios e Bicicletas.
O inquérito mostra que, em geral, tanto em 2008/9 como em 2014/15, o material predominante nas paredes são paus maticados e adobe. Entretanto no mesmo período se registou o aumento de blocos de cimento e no uso do zinco. No mesmo período verifica-se a diminuição de paus maticados e caniço.
Houve um aumento de agregados familiares que utilizam água de fontes seguras (canalizada, fontenário, poço ou furo com bomba manual, água em garrafa, nascentes protegidas e cisternas ou tanques móveis) passando de 40,5% para 50,9%. Durante o período que separa os dois inquéritos, registou-se aumento de eletricidade como fonte de iluminação, tendo passado de 13.9% dos inquiridos em 2008/9 para 24.8% em 2014/5. Houve redução substancial no uso de petróleo e lenha.
Haveria que avaliar, com estudos mais detalhados e circunstanciais, os factores que conduziram a esta evolução, sobretudo nos últimos cinco anos. Algumas hipóteses podem ser avançadas, sendo de destacar os investimentos em infraestruturas básicas e sociais, como estradas, linhas férreas, escolas e unidades sanitárias. Pode-se considerar, também, que as politicas de descentralização, tanto política, como na afectação de recursos, incluindo os chamados 7 milhões, podem constar como alguns dos factores da evolução positiva. Por ultimo, haveria também que considerar o impulso imprimido no papel do sector privado, nacional e internacional, incluindo as micro e pequenas empresas, tanto nas zonas rurais como urbanas.
Apesar da inegável redução entre 1997 e 2014/5, Moçambique sofre ainda de uma elevada incidência da pobreza entre a sua população. Parafraseando Deng Xiaoping poderíamos dizer que para que qualquer sistema económico e político que escolhermos seja concretamente superior a qualquer outro, é necessário que ele seja capaz de nos tirar da pobreza. Neste sentido, o sucesso na luta contra a pobreza parece crucial para a sustentabilidade do nosso sistema democrático, para a prevalência da paz e para a consolidação da Unidade Nacional.
Lindo A. Mondlane, Elisio Macamo, Américo Matavele e 15 outras pessoas gostam disto.
Comments
Américo Matavele Contra números não há argumentos. Por outro lado, não é IOF que mostra a redução da pobreza/crescimento de Moçambique. O próprio IDH mostra, se forem seguidas as evoluções de Moçambique, um crescimento. Acho que nosso maior problema é de olharmos para a posição que se ocupa e não para evolução dos números. Estes, como disse, nunca mentem.
Saide Atumane Saide problema planificam mal esse pais so para uma parte dos moçambicana k os familiares xtavam em nachinqueia nos outros somos levado nos trabalho força (chipalo) xtamos colonizado politicament pagamos imposto compram navaras o povo ker xcolo,hospitais com bons serviço nao hospital o edificio sem medicamento nao boa alimentaxao o estrangeiro vem é nome de um refugiado vira empresario.
Alvaro Simao Cossa Esta análise dos dados do Inquérito de Orçamento Familiar (IOF) pode ser viciada por não incluir o indice de inflação neste periodo de análise, 2008/9 - 2014/2015 para se calcular a desviação (σ) e ver-se o crescimento real com a variação dos preços , a pesar da inflação que as pessoas sentem ser maior que o índice oficial calculado, mas será mais aproximado a realidade incluindo o índice de inflação no cálculo, porque se o preço da farinha, por exemplo, sobe 15%, o consumidor pagará isso imediatamente, com o dinheiro que tem no bolso e sem indexação nenhuma, e porque a inflação geral calculada não será de 15%, porque esta farinha tem uma certa influência na cesta, já que existem muitos outros produtos a serem considerados nessa conta, e a subida de preços de todos esses produtos não será de 15%, obviamente. Com isso não quero dizer que o dado oficial seja fraudulento, mas sim com certa imperfeição.
Egidio Vaz Availability bias.
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