terça-feira, 6 de novembro de 2012

4 anos depois sabemos tudo sobre Obama?


06.11.2012 - 09:12 Por Kathleen Gomes, em Washington

(Chip Somodevilla/AFP)
A teoria que perdura por estes dias, quando faltam quatro meses para as eleições que podem reconduzir Obama ou convertê-lo num Presidente de um único mandato, é que ele é opaco, distante ou, no mínimo, difícil de entender. Ao mesmo tempo, uma nova e monumental biografia, escrita por um jornalista, vem desafi ar a história pessoal que o próprio Obama tinha contado no seu livro de memórias. Quem é Obama? A América procura uma resposta em 2012. Texto publicado na 2 a 8 de Julho de 2012
Barack Obama continua a ser um mistério. Apoiantes e detractores perguntam: "Quem é este tipo? De onde é que ele veio?" Isto não é o excerto de uma coluna empoeirada de um jornal americano circa 2008, quando Obama era um senador novato, desconhecido e sem experiência governativa. Isto é o excerto de uma coluna fresca do Washington Post - data: quarta-feira, 27 de Junho de 2012 -, quando Obama ocupa a Casa Branca há mais de três anos, deixou de ser uma novidade e está na televisão todos os dias.

A maior parte dos americanos nunca tinha ouvido falar de Barack Obama antes de 2008, mas isso não foi fatal para a sua eleição em Novembro desse ano: quando finalmente foram às urnas, os eleitores estavam familiarizados com Obama. Sabiam o essencial: quem ele era e de onde vinha. A sua história pessoal, e em muitos aspectos exótica, foi em grande parte responsável pela sua ascensão política. Um operativo da campanha de Hillary Clinton desabafou na altura que não estavam a competir "com uma pessoa real" - estavam "a competir com uma história". Ou, como resume à 2 Jodi Kantor, correspondente do New York Times em Washington e autora de um livro sobre o casal Obama: "Quem é que alguma vez tinha ouvido falar de um Presidente dos Estados Unidos eleito graças aos dois livros que escreveu?" A autobiografia Dreams From My Father (A Minha Herança, na tradução portuguesa) e o manifesto político The Audacity Of Hope ajudaram a definir a imagem pública de Obama em 2008. Eles tornaram-se bestsellers durante a campanha - "O bestseller internacional n.º 1", anuncia na capa a edição britânica de Dreams.
Mais importante do que isso, os livros deram a Obama o controlo total sobre a sua história. Os candidatos presidenciais sabem que a investigação do seu passado, sem distinções entre a esfera pública e a esfera privada, é um ritual obrigatório para os media. Mas a imprensa americana não descobriu nada que contrariasse a narrativa pessoal de Obama.

Até as biografias entretanto publicadas por outros autores demonstraram estar sob a influência do que o próprio Obama já tinha escrito, como é o caso de The Bridge/A Ponte, de David Remnick, director da revista New Yorker. Se o público americano sentiu inquietação relativamente ao que não sabia sobre Obama, preencheu o vazio projectando nele o que queria que ele fosse. Isso foi então. E agora? Uma teoria que perdura por estes dias, quando faltam quatro meses para as eleições que podem reconduzir Obama ou convertê-lo num Presidente de um único mandato - um castigo que os eleitores americanos costumam infiigir a presidentes alheados das dificuldades económicas do país, como aconteceu com Jimmy Carter ou Bush pai - é que Obama é opaco, distante, ou, no mínimo, uma figura difícil de entender. Num encontro organizado há dias por um think tank de Washington com jornalistas que escreveram livros sobre Obama, o moderador perguntou aos autores se, no final do processo, achavam que conheciam o homem que investigaram durante tanto tempo. A ideia implícita era: será que Obama se deixa conhecer? No final do ano passado, um especialista em sondagens, Peter Hart, concluiu, através da realização de inquéritos a "grupos de foco", que os eleitores não têm uma imagem clara de Obama. Ele é descrito de formas diferentes por diferentes pessoas; Hart pediu aos participantes que descrevessem Obama imaginando que tipo de criança ele teria sido se fizesse parte da sua turma no quinto ano. Obama foi descrito alternadamente como o "aluno aplicado", "o favorito da professora", "o rapaz tipicamente americano" e "o solitário". Na sua conclusão, Hart nota que a falta de uma defi nição clara de Obama pode ser um problema para a sua reeleição.

Os americanos tendem a avaliar os seus presidentes e candidatos presidenciais em função da personalidade. "Existem três razões para isso", explica Stephen Wayne, especialista em política americana e na presidência, professor na Universidade de Georgetown e autor de Personality and Politics: Obama For And Against Himself. "Primeira razão: não elegemos partidos, elegemos indivíduos. Segunda: na era da televisão e, agora, da Internet, há um foco especial na pessoa e uma ênfase no seu carácter e nas suas qualificações. As fontes de informação tendem a enfatizar a componente pessoal. Terceira razão: não separamos o chefe do Governo do chefe de Estado. Nos Estados Unidos, o Presidente concentra os dois."A personalidade ou a imagem pública de um presidente ou candidato pode ser o factor decisivo, sobretudo junto dos eleitores que não se identifi cam com nenhum dos partidos, os chamados "independentes". Muitos destes eleitores simpatizam com propostas ou valores tanto de direita como de esquerda - podem ser, por exemplo, conservadores em termos de finanças públicas mas progressistas nas questões sociais (aborto, casamento homossexual, etc.). Nesse contexto, as qualidades pessoais de um candidato podem ser mais importantes do que um programa político. Isso explica por que é que uma parte dos independentes que votaram em Obama em 2008 tinham votado em George W. Bush quatro anos antes.
Para Stephen Wayne, Obama "é um mistério no sentido em que criou certas impressões quando se candidatou à presidência, impressões de que viria a ser um líder forte e transformador, e isso não aconteceu. Ele disse que ia mudar a política e não foi capaz de o fazer.

Ele criou a expectativa de que viria a ser um orador extraordinário, e foi-o certamente durante a campanha mas não conseguiu sê-lo enquanto Presidente".

Durante a campanha de há quatro anos, Obama convenceu o eleitorado de que era um líder decisivo e vigoroso na forma como lidara com a imprevista crise financeira, por exemplo; mas desde que assumiu a presidência, essa percepção cedeu lugar à imagem de que é hesitante, indeciso, passivo. E ainda hoje ninguém consegue explicar como é que Obama, o grande orador, foi tão inábil na comunicação das suas políticas e decisões ao país. Obama pode ter efectuado uma reforma histórica do sistema de saúde americano, pode ter eliminado Osama bin Laden e pode ter ordenado a retirada militar de duas longas guerras, mas um Presidente não é avaliado apenas em função das suas acções. O que diz e como o diz é igualmente importante. E a percepção tem tanto ou mais peso que a realidade.

"Estou convencida de que um dos maiores desafios de Obama é continuar a contar a sua história de uma forma envolvente, como costumávamos ouvir", diz Jodi Kantor. "Mas quase tudo em política inibe a capacidade de contar histórias [storytelling] e inibe a autenticidade.

Quer dizer, aqui está um tipo com o emprego mais interessante do mundo. Quantas vezes é que o ouvimos contar histórias fascinantes ou complexas sobre o trabalho que ele está a fazer? Quase nunca."

David Maraniss, um editor do Washington Post, acaba de publicar uma biografia de Barack Obama. As pré-publicações e excertos do livro que vêm sendo antecipados pela imprensa americana desde Maio seleccionaram as partes onde viram potencial para escândalo: as confissões íntimas da namorada branca de Obama, o consumo contínuo de marijuana durante o liceu. O livro é volumoso - 672 páginas - e cobre apenas os anos formativos de Obama. Na verdade, começa antes de Obama nascer - ele aparece pela primeira vez no capítulo sete - e termina antes da sua carreira política - o protagonista tem 27 anos e prepara-se para entrar na Faculdade de Direito de Harvard.

O livro tem sido descrito como o primeiro sério desafio ao controlo que Obama tem tido sobre a sua própria história. A bíblia política de Washington, o site Politico, descreveu-o, com exagero, como "um livro perigoso para Obama". Ele corrige, clarifica ou desconstrói várias situações e personagens narradas por Obama na sua autobiografia. Na sua autobiografia, Obama atribuiu um papel simbólico à sua avó adoptiva no Quénia; Maraniss sugere que ela é pouco relevante e descobriu os familiares directos do pai de Obama, Barack Sr., vivendo em completa obscuridade. Maraniss nota que em Dreams From My Father Obama exagerou a importância de algumas personagens negras e eliminou alguns amigos brancos.Ele foi o primeiro biógrafo a descobrir Genevieve Cook, uma australiana branca que Obama namorou na juventude e a que se refere no seu livro como "uma mulher em Nova Iorque que eu amei", sem nunca a identificar pelo nome. Maraniss escreve que, apesar de a descrição física em Dreams corresponder a Genevieve, Obama distorceu factos e experiências para sugerir que os dois pertenciam a mundos diferentes. Mais tarde, o Presidente explicou-lhe que a mulher descrita no seu livro é, na verdade, uma "compressão" de várias mulheres.

Maraniss diz que a sua intenção nunca foi investigar a veracidade do livro de Obama.

Mas o título da sua biografia, Barack Obama: The Story, sugere, intencionalmente ou não, que esta, sim, é a história verdadeira. Barack Obama: A História. A única história.

Algumas das discrepâncias detectadas fazem parte da mitologia familiar que foi simplesmente transmitida a Obama, notou Maraniss há dias durante um evento em Washington onde falou sobre o livro. Outras são compressões deliberadas porque Dreams From My Father é "uma análise da sua vida sob o prisma da raça, mais do que uma autobiografi a". Maraniss descreve-o como "um guia histórico pouco fiável para o que aconteceu na vida de Obama". E na introdução do seu livro escreve que Dreams From My Father é "literatura".

Maraniss entrevistou Obama em Novembro, depois de ter feito toda a pesquisa e quando sabia "mais sobre a família dele do que ele próprio".

Habituado a ter o controlo sobre a sua história pessoal, a ser o seu próprio narrador, Obama mostrou-se reservado ou aberto em relação à possibilidade de explorar o seu passado? "Ele considera-se antes de mais um escritor. Penso que a ideia de alguém revisitar o território dele, ainda por cima minuciosamente, deixa-o um pouco desconfortável. O que ele me dizia era: 'Sabe, David, eu não tive ninguém a verificar os factos'." Mas Maraniss, que também escreveu uma biografia do Presidente Bill Clinton, nota que, quando não gostava de uma pergunta, Clinton podia falar durante uma hora sem responder directamente. Em contrapartida, Obama foi sempre "razoavelmente directo, se bem que ligeiramente defensivo". E em todas as instâncias em que foi confrontado com divergências narrativas, ele admitiu que Maraniss "provavelmente tinha razão".

Qual é a maior dificuldade de escrever sobre este Presidente? Jodi Kantor, autora do livro The Obamas, publicado em Janeiro, nota que ele "é bastante introvertido, para um Presidente.

Não partilha o seu pensamento ou a sua experiência com muita gente. Por isso, o número de pessoas idóneas que podem falar sobre a sua experiência é relativamente pequeno".

É comum ouvir jornalistas queixarem-se de que o acesso é mais difícil do que em administrações anteriores. "Os repórteres do New York Times que cobrem a Casa Branca só conseguiram uma entrevista com o Presidente desde que esta administração começou.

Isso é um acesso extremamente restrito", diz Jodi Kantor.

O seu livro, que se tornou num bestseller, é uma narração do processo de adaptação de Barack e Michelle Obama à Casa Branca.

"A pergunta que me interessava responder, e que me pareceu estar na cabeça de muitos eleitores americanos, era: o que aconteceu a este casal assim que entrou na Casa Branca? Quando o Presidente foi eleito em 2008, ele não fazia parte do sistema, não era uma criatura do mundo político de Washington D.C.Eles tinham vidas relativamente normais. Já agora: eles nem pareciam gostar muito de política.

O que é que acontece quando pegamos nestas duas pessoas e as colocamos no meio da Casa Branca? O que é que acontece às suas vidas? Como é que mudam? Qual é o efeito do poder nos dois?" O livro de Kantor torna clara a tensão que existe entre o facto de o casal Obama desconfiar da política e tentar proteger-se dela e, ao mesmo tempo, ser obrigado a lidar com ela na Casa Branca. "Eles estão constantemente a procurar uma forma de escape. Durante muito tempo, a sra. Obama recusou fazer trabalho oficial como primeira-dama mais do que dois dias e meio por semana. E o Presidente retirase todos os dias às 18h30, para estar com a família. Claro que ele pode ser chamado para emergências, mas os seus assessores odeiam interrompê-lo. E ele pagou um preço por isso.

Em Washington, é possível ouvir queixas em cada esquina sobre como o Presidente é demasiado introvertido. E o pobre coitado não consegue escapar às comparações com Bill Clinton, que podia estar ao telefone até altas horas da noite a afagar egos."
Na era do Twitter, dos blogues, do incessante ciclo noticioso que nunca desliga, seja dia seja noite, um Presidente está sujeito a um escrutínio público sem precedentes - pelo menos em teoria. "Sentimos que temos a capacidade para saber tudo sobre os nossos líderes", diz John Zogby, analista político e perito em sondagens. "Como é possível não saber tudo sobre Obama? Ao mesmo tempo, nós descobrimos imensas coisas sobre Richard Nixon e Bill Clinton. Será que queríamos mesmo saber tudo isso?" O que nos leva de volta à pergunta que o moderador fez naquele encontro com autores de livros sobre Obama, incluindo David Maraniss e Jodi Kantor: até que ponto é possível conhecê-lo? "Creio que percebi quem Bill Clinton era. Obama é mais complicado", respondeu Maraniss.

"Ele tem mais camadas. Creio que atingi o ponto em que consigo antecipar o que ele vai fazer e porquê. Se consigo penetrar no interior da sua cabeça? Não se consegue com ninguém, mas ele é mais difícil do que a maior parte das pessoas com quem lidei." Jodi Kantor recorda-se de algo que Valerie Jarrett, amiga e conselheira de Obama, disse em Obama: From Promise to Power, um livro de David Mendell publicado em 2007: que sempre que Michelle Obama julga que conhece perfeitamente o marido ou tem uma teoria sobre ele, ele faz qualquer coisa que a surpreende completamente. "Li isso quando comecei a cobrir Obama e foi sempre uma espécie de aviso."

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