Thursday, August 2, 2012

MEMÓRIAS DE UM REBELDE, de António Disse Zengazenga (a publicar brevemente)

Zengazenga_gorro1Desta obra, a publicar dentro de pouco tempo, com prefácio do Dr. Máximo Dias, transcrevo o seguinte texto:
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Em Dar-es-Salaam precisavam de mim para defender a política de Mondlane, incluindo certamente a tribal. Se conseguisse, não seria promovido. Se falhasse ou me alinhasse com os discriminados do Norte, viria a ter a sorte deles. No Cairo, o Coseru criticava mais a Frelimo do que Portugal.
No aeroporto de Moscovo estava à minha espera uma representante da Solidariedade Afro-Asiática. Identificada toda a bagagem, levou-me para o internato, que ficava na Rua Krijjinovskovo 18.

De 25 de Dezembro de 1965 a 4 de Janeiro de 1966, estive em Dar-es-Salaam a participar no II Congresso da União dos Estudantes Moçambicanos (Unemo).

Vindos da União Soviética, éramos: Eduardo Mbatiya, Semeão Massango e eu; da Suíça vinha Pascoal Mocumbi; da Argélia, Sérgio Vieira e, dos Estados Unidos da América, João Nyambiu, presidente da Unemo.
No aeroporto estiveram à nossa espera os Srs. Eduardo Mondlane, Uria Simango e Silvério Nungu, personalidades que também nos acompanharam à nossa partida. Por esta tão alta recepção, sentíamo-nos orgulhosos, estimados e muito protegidos pelos nossos chefes.
Durante a minha estadia em Dar-es-Salaam tive encontros separados com Mondlane, Uria Simango e Filipe Magaia, pessoa que me mandara para o Cairo a fim de frequentar a Academia Militar. Quando falei com este último sobre esta questão, ele disse-me simplesmente que o presidente temia que uma pessoa formada militarmente, que não fosse da sua tribo, o golpeasse facilmente. A decisão era unicamente dele, e ele era um tribalista.
O motivo pelo qual Magaia foi morto por um do Sul do Save, substituído por um também do Sul, que não seguia directamente Magaia, que pertencia à tribo de Mondlane, deve ser este mesmo. E este manchá-lo-á irremediavelmente para sempre.
Não perguntei se ele próprio não temia ser assassinado pela mesma razão.
Contentei-me com o pensar que durante a luta de libertação, estando fora do país, nunca houve golpes de estado. Não me ocorreu a ideia de que poderia ser também do superior para o subordinado como medida de prevenção, como era o meu caso. Daí concluí que a vida dele estivesse segura.
Apesar de tantos avisos que tivera no Cairo, enganei-me completamente.
Com efeito, sendo eu o único proveniente do Norte naquele tempo, os do Sul, nomeadamente Paulo Gumane, David Mabunda, Aníbal Chilenge, Manuel Lopes Tembe, Narciso Mbule e Daniel Joel, prometiam-me a morte caso eu fosse frequentar a Academia Militar. Diziam-me que nunca aceitariam um único comandante do Norte a comandar um único soldado do Sul. No Norte também não concordariam, a fim de evitar uma insurreição militar do Norte contra o Sul.
Em 1961, muitos anos antes do assassinato de Filipe Magaia, em Outubro de 1966, Fanuel Mahluza disse a Jaime Khamba e a António Chapo de Chemba, Boaventura Verimbo de Gorongosa, Bernardo Forte Chambata de Murraça, em
Dar-es-Salaam, que os do Norte nunca governariam Moçambique, porque os portugueses haviam educado em primeiro lugar a gente do Sul. Em seguida nomeou as pessoas desta região do país que frequentavam instituições superiores em Portugal e em França. Como os do Norte não podiam digerir tranquilamente este insulto, Jaime Khamba e Bernardo Chambata apoderaram-se de Mahluza.
A luta terminou com a separação dos três, com grandes ferimentos da parte de Mahluza.
No tempo da Renamo, numa reunião realizada em Nairobi, em 1982, na presença apenas da gente do Sul do Save, Artur Xavier Vilankulu afirmou que em Moçambique era preciso acabar só com o comunismo, mantendo o poder intacto nas mãos da gente do Sul. Quando lhe perguntei em Munique, em 1986, se a frase era dele, recusou confirmar, embora tivesse tomado parte no convénio.
Ele disse que fora sempre de opinião de que os governantes deveriam ser escolhidos segundo os seus méritos e capacidades intelectuais e não conforme a sua proveniência regional ou filiação partidária.
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Portanto, é preciso ver a morte de Filipe Magaia neste quadro de afastamentos, perseguições e substituições da gente do Norte pela do Sul; na sequência de assassinar todo o do Norte que estiver a realizar actos heróicos substituindo-o por um do Sul, esteja este em condições ou não.
Houve, e provavelmente existe na mentalidade da gente do Sul, a intenção de não deixar evoluir ao mesmo tempo a gente do Norte. E se esta o conseguir pelos seus próprios meios, terão de utilizá-la e segui-la até certo ponto. Atingido este, executa-se e apagam-se todos os seus vestígios. Na verdade, o que fica hoje na História de Moçambique, destes grandes heróis Uria Simango, Jaime Sigauke, Silvério Nungu e outros?
Impregnado cada um com uma tal ideologia, não se deve admirar que Lourenço Matola, tendo agido «individualmente», Mondlane jubilosamente se apressasse a aproveitar da feliz ocasião para o substituir por pessoas da sua tribo e da do assassino, ordenasse chacinar todos os outros quadros superiores do Norte para evitar mais revelações e barulho e terminar duma vez para sempre com a história de Magaia.
Este processo de purga tribal chamou-se oficialmente estruturação.
Cada pessoa proveniente do Sul recebeu uma promoção, enquanto cada uma do Norte não obteve nem um uniforme para cobrir o seu cadáver, nem caixão de caniços. Apenas algumas balas para certificar a sua morte.
Em retribuição, os promovidos atribuíram a Mondlane todas as virtudes possíveis e retiraram todas as qualidades de Magaia dos anais da Frelimo para que desaparecesse da história de Moçambique.
Antes do assassinato de Mondlane, houve em Dar-es-Salaam descontentamentos que exigiam a realização do congresso conforme estipulava a constituição da Frelimo. O que suscitou e excitou esta turbulência toda foi exactamente esta promoção tribal indiscreta e brutal. A preferência da gente do Sul em detrimento da do Norte tanto no comité central como no exército, facto que humana e democraticamente era inexplicável mesmo pelo próprio Mondlane.
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