terça-feira, 10 de maio de 2016

Dilma resiste e Temer se desmascara

Por Renato Rabelo – de Brasília:
Na sua origem este processo de impedimento da presidenta Dilma é uma farsa não só pela causa invocada, mas, ainda, pelo desvio de poder e de finalidade exercida pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.
Dilma se agiganta e o pretenso governo Temer se desnuda
Dilma se agiganta e o pretenso governo Temer se desnuda
Em verdade, ao decidir pela abertura do processo de impeachment ele usa um arremedo para dar forma jurídica à sua vendeta contra a presidenta da República. E, sobretudo, procurou com isso criar forte fato político, dando-lhe maior poder, que pudesse blindá-lo contra a sua precaríssima situação judicial. Estes são fatos eloquentes reconhecidos no voto do próprio ministro Teori Zavaski, quando impõe a suspensão do mandato de Eduardo Cunha. Chegou-se a esses escaninhos abomináveis, uma ostensiva fraude, em tudo destinada a fim de derrubar a presidenta da República.
Tal excepcionalidade é que compreende a crise, cujo centro está na pretensão da destituição da presidenta da República e de apagar o período “lulista”, numa concertação das forças conservadoras e setores políticos e econômicos dominantes, assomando maior dimensão que atinge os marcos das atribuições de todo sistema de poder nacional. Assim, então, por que da protelação do STF, tribunal de última instância, em julgar a denúncia contra o presidente da Câmara dos Deputados? Nos marcos da visão objetiva, se fosse acolhido o pedido do Procurador Geral da República não teria sido deslanchado o processo de impeachment, e o Supremo livrado o país do vexame perante a Nação e o mundo do escrachado golpe parlamentar. Ou, sucedeu agora, porque os ministros do STF passaram a considerar fato consumado o processo de impeachment?
Numa ou noutra situação é evidente reconhecer que o STF ficou ausente quanto ao mérito da causa do impeachment, diante de uma situação na qual não há crime específico de responsabilidade da presidenta da República, como em um caso de assassinato sem cadáver, sendo impossível haver condenação.
Um impeachment que encobre um golpe de Estado.Uma injustiça tamanha porquanto se trata de arrancar do posto uma presidenta da República honesta, semeando resultante que leva a maior instabilidade política e à volta da Nação a décadas atrás das conquistas democrática alcançadas.
No regime presidencialista o impeachment é uma decisão extraordinária e excepcional, só em casos raríssimos pode ser consumado – questão nitidamente exposta pelo Advogado Geral da União, Jose Eduardo Cardoso, e agora pelo ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa. O sistema político é moldado em torno do papel do presidente da República. Portanto, sua deposição gera consequências imprevisíveis e excepcionais, que no processo de impedimento atual da presidenta da República –- sem claro crime de responsabilidade — produz uma consequência equivalente a um estado de exceção. Decisão de exceção leva a outra de mesmo teor.
O suposto governo Temer começa afogado em negociatas.
O governo Temer que surgir nessas condições de um processo de impeachment fraudado, já na fase da admissibilidade no Senado, ou mesmo após o julgamento nesta Casa, demonstrando então ser um processo viciado e pré-estabelecido, é nitidamente ilegítimo e se reveste de um caráter de exceção. O já propalado “governo Temer” assumiria em consummatum est, com data já marcada, o dia 11 de maio, será mesmo o dia D, numa manifestação eloquente de um jogo de cartas marcadas.
Numa demonstração da falácia do já propalado governo Temer, que já anunciava efusivamente um “governo de notáveis”, um “governo de união nacional”, um “ministério enxuto”, em contraste a vida falou mais alto: o que vai saindo da sua cartola é um governo pesado, de gente dele, a maioria amarrada a processos na lava Jato, e dos reles acordos inevitáveis, em tenebrosas transações com os partidos que apoiaram o impeachment.
Os credores de sua ascensão à presidência, o “Blocão do Golpe”, emitem agora as faturas que exige custosos pagamentos no manjado balcão de negócios do golpe. O “mercado” cobra os compromissos de ajuste fiscal drástico sem nenhum imposto a mais e reformas que penalizam, sobretudo, os trabalhadores. As disputas por cada espaço entre diferentes grupos em vários Estados expõe a verdadeira cara do governo de desunião nacional, ilegítimo, sem voto, rejeitado por mais de 70%, em todas as pesquisas de intenção de votos. Um governo que já iniciaria, se iniciar, cercado por um movimento popular crescente, mais organizado e decidido a não aceitar o governo resultante de um golpe de Estado.
O PSDB, mentor desde a primeira hora na desestabilização do governo Dilma e do impeachment, diante do temerário governo em formação, se coloca na posição paradoxal de ao mesmo tempo envergonhado, exige o impossível para disfarçar, e de necessitado pelo poder, exige grande quinhão ministerial, resultando ser apenas um mero coadjuvante desse governo usurpador, de oligarquias e de blocos corporativos.
Nesse efeito cumulativo de um pretenso governo que se sustenta em terreno de camadas movediças a situação se complica: a queda de Eduardo Cunha é o grande imbróglio, o maior desastre para o pretendido início do governo Temer. Primeiro porque ele contava com o poder do fiador do impeachment na Câmara dos Deputados, operador eficiente, temido condutor do denominado Centrão, que aglutina quase 200 deputados presos por liames os mais rasteiros ao chefe, decisivo para a governabilidade de Temer, para o que desse e viesse, sobretudo nos dois primeiros meses de medidas cirúrgicas impopulares, exigidos pelos setores dominantes que jogaram tudo no impeachment golpista. Segundo Michel Temer é refém de Eduardo Cunha, a sua queda expõe a um grande perigo o suposto governo Temer. O suspenso presidente da Câmara ainda tem muitos trunfos em suas mãos que podem até inviabilizar o “novo” governo, se não houver “solidariedade concreta” de seus aliados nesta hora inesperada por ele de seu afastamento da presidência da Câmara dos Deputados.
Em suma, a moral da história é que vai se confirmando uma situação já vaticinada de que o processo de impeachment vai provocando maior instabilidade, levando o país aos desvãos da incerteza, constituindo-se em uma aventura política de desfecho imprevisível, desnudando o embuste da “reconciliação nacional”, ao contrário, o país pode entrar numa quadra de maior convulsão nacional. Em tempo, ao escrever essa conclusão, numa justeza da sua assertiva, das marchas e contramarchas que marcam a situação excepcional a que foi jogada a Nação pelo radicalismo golpista, acaba de ser noticiado que, o presidente interino da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão, anula a votação do impeachment na Câmara, acatando pedido da Advocacia-Geral da União. Imediatamente o presidente do Senado, Renan Calheiros, não aceitou a decisão do presidente interino da Câmara., atropelando o presidente de outro poder, levando inevitavelmente o processo de impeachment a uma nova fase de judicialização. Aumentando, assim, a imprevisibilidade e o acirramento do desfecho do curso do impeachment tão desestabilizador.
Presidenta Dilma resiste e cresce
Em contraste e contraponto a essa situação de impeachment, golpe, “novo” governo, ilegítimo e de velhas barganhas políticas, surge uma resistência que cresce, de uma consciência democrática que se eleva nas ruas e na sociedade. No vértice da luta de resistência avulta a intrepidez da presidenta Dilma Rousseff, que não se dobra, nem cede, nem se rende ao cerco aventuroso dos golpistas. Na trajetória de Dilma Rousseff o seu porte é da luta decidida em momentos de chumbo e de grandes conflitos. A exigência autoritária dos donos do poder exigindo ad nauseam que ela renuncie, ela responde altiva que o que eles querem com esse ultimato é esconder a trama golpista, jogar para baixo do tapete uma grande injustiça.
O consórcio golpista não esperava por essa decidida capacidade de resistência da presidenta Dilma. Estão inquietos diante da elevada e corajosa posição e atitude da presidenta. Ela dá mostras de combater até o ultimo alento se necessário. O complô golpista avalia com sua concepção pragmática destituída de considerar os valores da dignidade dos seus opositores, portanto, que Dilma não suportaria seu pesado e ignóbil ardil, impedindo-a até seu direito de governar. Deram com a cara numa rocha. Presidenta Dilma Rousseff se agiganta numa hora de traições, vilania e covardia. O golpe é golpe, ela não se rende.
Renato Rabelo, é ex-presidente nacional do PCdoB.

O golpeachment e as expectativas

A campanha disseminada pela mídia e o ódio superdimensionado foram elementos que contribuíram para criar o clima de ‘esperar para ver como é que fica’
Existem várias teorias e abordagens no campo da economia que procuram analisar os efeitos das expectativas criadas pelos chamados “agentes econômicos” sobre as principais decisões nesse domínio, tais como o consumo, o investimento, a poupança e a formação de preços de uma forma geral.
A maioria da população não deverá aceitar tão passivamente a redução de seus direitos
A maioria da população não deverá aceitar tão passivamente a redução de seus direitos
A sofisticação dos modelos vai desde a definição de termos como “expectativas racionais” até o descontrole de atuação dos indivíduos ou empresas em momentos como o do chamado “efeito manada”. Assim, em um extremo haveria comportamentos determinados por uma suposta característica de racionalidade, que seria um elemento intrínseco aos processos de tomada de decisão. Afinal, como somos todos “homo sapiens”, esperar-se-ia que ao fim e ao cabo imperaria o domínio do ser racional como ente coletivo e social. Na outra ponta explicativa, haveria um comportamento irracional e descontrolado, sempre causador de aprofundamento negativo de tendências potencialmente presentes em momentos e espaços de decisão econômica.
Ocorre que, como todos sabemos muito bem, a realidade social e a dinâmica econômica são muito mais complexas do que esses modelos supõem. Assim, quase nunca eles conseguem antever como será o comportamento dos agentes frente a um determinado quadro conjuntural. Estão aí todas as profundas crises conjunturais e sistêmicas que o capitalismo enfrenta no nível local e global. Entre as expectativas racionais de alta previsibilidade e a irracionalidade absolutamente imponderável do espírito animal há um universo de tonalidades intermediárias. É nesse espectro intermediário que se movimentam aqueles que decidem a respeito de variáveis que se revelam essenciais para o desempenho da economia nacional.
Por que o investimento privado não se realizou?
Para o nosso raciocínio cabe destacar as decisões do investimento a ser realizado pelo setor privado. Afinal esse é um dos aspectos mais relevantes da grave recessão que estamos enfrentando atualmente em nosso País. Na verdade, o grande paradoxo – que ainda vai merecer muito debate e reflexão – refere-se justamente a esse ponto. Afinal, o primeiro governo Dilma ofereceu uma série de vantagens e benefícios ao grande empresariado com o intuito de alavancar o investimento privado. A extensa lista é composta das desonerações tributárias de toda ordem, dos empréstimos do BNDES com juros subsidiados, das garantias de variação na taxa de câmbio por meio das operações do Banco Central com os chamados swaps cambiais, entre tantas outras medidas.
Ao observador mais desatento da evolução do cenário da economia cabe uma pergunta óbvia; um tanto singela, talvez um pouco ingênua. Mas por que os grandes grupos dos diversos setores do capital não promoveram aumentos em seus investimentos com tamanha generosidade de políticas públicas a seu dispor? É claro que a inexistência de exigências por parte da administração pública em termos de contrapartida contribui para explicar uma parcela desse fenômeno. O capital embolsou sua “bolsa empresário” e não promoveu aquilo que dele seria esperado.
O argumento surrado, apresentado de forma recorrente, é de que as expectativas não estariam suficientemente positivas para que os recursos saíssem da esfera do rendimento puramente financeiro e fossem direcionados para o aumento da capacidade produtiva. Alguns analistas chegam mesmo a lançar mão da hipótese de uma chantagem pura e simples: haveria uma tendência no interior das elites de se promover uma espécie de política do “quanto pior, melhor”, de modo que a paralisia dos investimentos fosse parte integrante de uma estratégia golpista. Concordemos ou não com tal avaliação conspiracionista, o fato é que pouco depois começaram a se revelar resultados de forma mais cristalina e evidente.
As expectativas e a paralisia
Ora, do ponto de vista estritamente econômico, as expectativas deveriam guardar essencialmente relação com um cálculo de retorno esperado sobre algum investimento realizado. Assim, por mais que houvesse dificuldades no horizonte em razão da redução do ritmo de atividades, o fato é que o potencial histórico de crescimento da economia brasileira ainda é significativo. Do ponto de vista de uma suposta racionalidade, não haveria razões para tal boicote.
O elemento complicador vem justamente da combinação perversa do elemento político a contaminar a crise econômica. A ampla campanha disseminada pelos meios de comunicação, o ódio superdimensionado e pulverizado por todos os cantos e a tentativa de colocar em marcha o golpeachment foram elementos que contribuíram para criar o clima de “esperar para ver como é que fica”. Enquanto isso, ao invés de serem direcionadas para ampliar a infraestrutura e a capacidade produtiva, as monumentais massas de recursos continuavam a ser generosamente remuneradas pelo patamar estratosférico da taxa de juros.
O quadro geral de recessão, inflação, desemprego e falência passou a ganhar um dimensão exagerada. Segundo a lógica hegemônica elaborada pelo financismo, não haveria solução para esse “imbróglio” no âmbito do governo presidido por Dilma Roussef. A senha estava disponível para quem quisesse obtê-la. O clima de catastrofismo apontava para a necessidade de substituir o governo por outro mais confiável.
E agora que o processo no Senado Federal parece não ter mais retorno, começam a pipocar aqui e ali as mensagens de que a montagem da equipe de Temer poderia contribuir para mudar o clima de expectativas. Na verdade, estamos frente a uma espécie de profecia auto realizada. Se há mesmo uma crença de que as expectativas só seriam revertidas com a saída de Dilma, bastaria a consumação do putsch para que tal mudança no “clima geral” entre os investidores se consumasse.
Mas além disso, o fato é que a receita do austericídio foi levada a cabo com tanta ênfase por Levy e Barbosa que a recessão está colocando em risco até mesmo a suposta “harmonia social”. Não devemos nos surpreender, inclusive, se a próxima reunião do COPOM de 7 e 8 de junho decidir pela redução da SELIC. Seria irônico, se não fosse trágico, que a primeira reunião do Comitê sob a gestão Temer interrompa uma série de 7 reuniões em que a taxa foi mantida em 14,25% ao ano, desde julho de 2015. Ou ainda, que seja a primeira reunião a promover uma baixa na referência dos juros desde março de 2013, quando o governo Dilma iniciou uma epopeia altista da SELIC por 24 reuniões consecutivas ao sair do nível de 7,25%.
Temer e a agenda do retrocesso
Por outro lado, a agenda conservadora de Temer pode promover um enorme retrocesso na arquitetura construída pela Constituição de 1988, em termos de políticas públicas e de estratégias de desenvolvimento econômico e social. O governo certamente obterá uma trégua por parte dos meios de comunicação e dos formuladores do financismo, inclusive para atravessar os sensíveis meses que antecedem as eleições de outubro. O profissionalismo fisiológico do PMDB deverá alertar o usurpador do Palácio do Planalto quanto ao risco político e eleitoral de adoção de medidas impopulares até lá.
Mas as propostas de reduzir o Estado ao limite do mínimo, de reduzir os direitos trabalhistas, de desvinculação dos benefícios previdenciários em relação ao salário mínimo, de mudança na regra de reajuste real no salário mínimo, de promover o avanço no processo de privatização dos serviços públicos, de estabelecer a criminalização dos movimentos sociais, a tentativa de desconstitucionalizar direitos como saúde educação, entre tantas outras maldades, correm o risco de serem encaradas pelas elites como a verdadeira redenção para o retorno do investimento do setor privado.
Dessa forma, consumado o soft putsch tupiniquim, a profecia pode mesmo se realizar: as expectativas seriam revertidas. No entanto, falta aos novos assessores do financismo incorporar em sua análise o elemento da resistência. Ainda que tímidos, os avanços realizados ao longo dos últimos 13 anos – em termos de políticas sociais e redução das desigualdades – não serão facilmente desmontados. A maioria da população não deverá aceitar tão passivamente a redução de seus direitos, como costumam avaliar a tecnocracia do liberalismo.
Talvez não demore tanto para que Temer perceba que governar um país contra a vontade da maioria é bem mais complexo do que manipular um bloco parlamentar que agrupa a fina flor do fisiologismo, do oportunismo, do direitismo e do neoliberalismo. Aguardemos o que deverá ocorrer com as expectativas nesse pântano desagregador.
Paulo Kliass, é doutor em Economia pela Universidade de Paris 10 e Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal.

O Cavalo de Tróia de Cunha

Um exemplo recente é a criação da Comissão da Mulher, na Câmara dos Deputados, a partir de proposta que tramita desde 2007

Por Jandira Feghali – de Brasília
Na Ilíada de Homero, um enorme cavalo de madeira foi dado de presente pelos gregos aos troianos, num bem engendrado estratagema. De dentro do “presente” saem guerreiros gregos que atacam Tróia, impondo uma derrota sem precedentes. Em nossa política, cavalos de Tróia são revisitados com mais frequência do que gostaríamos.
Jandira Feghali
Jandira Feghali (PCdoB-RJ) é deputada federal
Um exemplo recente é a criação da Comissão da Mulher, na Câmara dos Deputados, a partir de proposta que tramita desde 2007. Em mais uma manobra, sempre banalizada dentro do Parlamento, o ENTÃO presidente da Casa, Eduardo Cunha, tirou do papel a criação do polêmico colegiado com escopo totalmente arbitrário e restritivo. A ação, certamente não foi pensada em prol dos direitos das mulheres, mas na sua busca por mais poder dentro da Câmara.

Cunha afastado

A Comissão da Mulher é um enorme cavalo de Tróia para as discussões de gênero. Em comum acordo com bancadas mais conservadoras, liderado pelo relator da proposta, deputado João Campos (PRB/GO), Cunha tenta acabar com direitos garantidos historicamente.
A princípio, uma Comissão específica defendida por nós poderia reforçar a pauta de gênero ao conferir maior visibilidade, ela transformará um tema transversal, que atravessa pautas de todas as Comissões permanentes, em fórum de fiscalização, monitoramento e incentivo. Tais competências estavam sob responsabilidade da Secretaria da Mulher e da Procuradoria da Mulher, que certamente serão esvaziadas.
Uma meia Comissão que não tem no seu escopo políticas de gênero e que não legislará sobre temas da mulher, tendo apenas como matéria a ser deliberada as questões relativas à igualdade racial das mulheres. A violência sexual foi deliberadamente esquecida, uma verdadeira violência política contra as mulheres.
Este não foi, no entanto, o único retrocesso. A composição conservadora da Câmara dos conseguiu maioria, apesar da atuação corajosa de parte das deputadas federais, para incluir entre as competências da Comissão de Seguridade Social e Família a análise de matérias relativas ao nascituro, figura jurídica inexistente no direito brasileiro. Um tiro certeiro em qualquer debate mais amplo sobre direitos sexuais e reprodutivos.
Ao que parece, a maioria retrógrada da Câmara jamais se permitiu ouvir as vozes roucas das ruas, principalmente quando manifestações de mulheres clamaram pela manutenção de seus direitos. A chamada Primavera das Mulheres foi covardemente esquecida, o que mostra a desqualificação de boa parte da nossa legislatura e o que está por vir numa coalizão de forças conservadoras para sustentação de um possível Governo Temer, o impostor.
As mulheres brasileiras não querem e não merecem que seus direitos sejam circunscritos ou cerceados. Nossas pautas vão da saúde ao combate ao tráfico de mulheres. Da segurança pública ao acesso ao mercado de trabalho. Da educação inclusiva à prevenção da violência contra a mulher. Chegou novamente a hora de reflorescer nas ruas os nossos gritos por mais direitos e contra o atraso. E antes que eu me esqueça: #TchauQuerido.
Jandira Feghali é médica, deputada federal (RJ) e vice-líder do Governo.

Hoje, direto da Bulgária

Por Rui Martins, de Sófia, na Bulgária:
Depois da tentativa de golpe frustrada do deputado Maranhão, os europeus não entendem mais nada das artimanhas brasileiras
Depois da tentativa de golpe frustrada do deputado Maranhão, os europeus não entendem mais nada das artimanhas políticas brasileiras
Por pura coincidência, tinha comprado a passagem há mais de quatro meses, me encontro na Bulgária, a convite de amigos, país com forte tradição religiosa, desde o século VII, onde estiveram missionários cristãos ainda no princípio do cristianismo. Igrejas, conventos, monumentos, placas acentuam esse passado búlgaro.
Depois de ter se libertado do Império Otomano, em 1878, sob cujo domínio estivera desde o século XIV, a Bulgária lutou com os alemães na Segunda Guerra mundial e derrotada se tornou parte da URSS, em 1946. Em 1990, com a implosão soviética, a Bulgária realizou eleições gerais, deixando de ser país comunista, aderindo à OTAN em 2004 e à União Européia em 2007.
Como parte da União Européia, que vem ajudando na implantação de infraestruturas, a Bulgária felizmente ainda não sofreu o impacto do liberalismo, nem mesmo no turismo. Sofia é uma cidade acolhedora, bem arborizada, sem prédios altos, diferente, portanto, da maioria dos outros países europeus ocidentais.
Foi aqui em Sofia, que no Brasil se diz Sófia, que li ontem o despacho urgente do Le Monde dando conta da decisão do presidente interino da Câmara Federal de anular a votação pelo impeachment da presidente Dilma. Mas hoje ao despertar havia uma correção, não do noticiário do Le Monde, mas do próprio deputado Waldir Maranhão, cuja absurda decisão tinha sido ignorada pelo presidente do Senado Renan Calheiros.
Dilmah
Na Bulgária, Dilmah é marca de chá vendido nos supermercados
Não sei se vocês aí no Brasil podem avaliar, mas esse tipo de amadorismo institucional guiado politicamente tem uma péssima repercussão internacional. Torna-se visível como os jornais europeus sentem-se indecisos ao noticiar o que se passa no Brasil, pois esse tipo de jogo e artimanha são desconhecidos por aqui.
Na minha longa experiência de correspondente não me recordo de marcha à ré desse tipo. Podem ocorrer retiradas de projetos pressionados pela pressão popular, porém não anulação de decisões já votadas e ratificadas pela maioria da Câmara, mesmo num grande show político, como ocorreu recentemente no Brasil, transmitido pela televisão.
Em outras palavras, o presidente do Senado falou certo, quando recusou participar da brincadeira, pois para os observadores europeus a realidade política brasileira não é mais para ser levada a sério. E aquela batida e tão citada frase atribuída ao general De Gaulle, em 1965, de que o Brasil não é um país sério, volta à atualidade. Brasil, terra do carnaval, como diria Jorge Amado.
E ocorre também um absurdo – se os seguidores de Dilma alardeiam estar havendo um golpe, impossível de se ver mesmo com lupa, é o próprio governo de Dilma que sorrateiramente tenta dar um golpe nas instituições e reforçar o descrédito popular no Legislativo.  O populismo petista ou dilmista quer solapar consciente ou inconscientemente as bases da democracia, pela qual  lutamos durante os anos da ditadura militar ?
Uma bem informada colunista do Estadão já havia também denunciado uma outra tentativa anterior de golpe, programada no STF mas abortada, faz apenas quatro dias, pelo ministro Teori Zavascki, que seria justamente essa de considerar nulos os últimos atos do ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, ao confirmar sua destituição da Câmara dos Deputados, para acabar com efeitos da votação pelo impeachment e reconduzir a questão ao ponto de partida. Essas duas tentativas de golpe em nossas instituições não conseguiriam evitar mas simplesmente adiar o impeachment, prorrogando uma situação insustentável para o Brasil.
Estava eu visitando a  antiga igreja de Bojana, aqui em Sófia, famosa por suas antiquíssimas pinturas religiosas cristãs, quando um dos responsáveis pelo controle de visitantes, me sorriu e citou Dilma Rousseff, ao saber ser eu correspondente brasileiro. Ele estava a par do impeachment e me contou ser Gabrovo, a terra do pai de Dilma, distante uns 130 quilômetros daqui de Sófia, uma cidade industrial, dirigida por uma prefeita.
Mais tarde, num passeio pela cidade, vi que o nome de nossa ainda presidente deve ser bastante usado pelos búlgaros, havendo mesmo uma marca de chá, com um « h » a mais, Dilmah. Chá calmante, por certo.
Rui Martins, jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro Sujo da Corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A Rebelião Romântica da Jovem Guarda, em 1966. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e rádios RFI e Deutsche Welle.
Editor do Direto da Redação.

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