domingo, 2 de fevereiro de 2020

A colonialidade da ignorância



Elisio Macamo
27 Ocak, 15:01 ·

A colonialidade da ignorância

Este texto é um contra-senso. Serve-se de ideias produzidas por correntes de pensamento com as quais não simpatizo muito. A primeira ideia vem do economista americano, Milton Friedman, o grande gúru do neo-liberalismo económico, que uma vez disse que o desafio político consistia em fazer com que fosse lucrativo para os políticos errados fazerem a coisa certa. Esta foi a sua maneira de fundamentar um princípio metodológico com o qual simpatizo sem reservas, a saber a ideia de que o funcionamento da política (e da economia) não pode depender de se terem as pessoas (moralmente) certas nos lugares de liderança. Não é que a integridade não seja importante. O problema é que a ocasião faz o ladrão pelo que o mais importante é criar mecanismos para diminuir a tentação. A arte de construção de instituições está aí.

Pode ser que Marx se tenha equivocado na identificação do mecanismo exacto através do qual o capitalismo se auto-destruiria, mas estava certo quanto a essa possibilidade. Um exemplo claro vem dos EUA onde cada vez mais o funcionamento do capitalismo depende não da produção e inovação, mas sim da instrumentalização da regulação política. É mais racional, nos EUA, investir mais em lobyistas do que em engenheiros, economistas ou outros técnicos. Usa-se o lobby para a defesa contra a concorrência, protecção do mercado, tudo à custa de serviços cada mais onerosos para os consumidores. Li em algum sítio que só em Washington havia mais de 2 mil empresas de lobby!

O capital reage de forma racional a um problema prático colocado pela gestão política. Já alguém dizia, Mancur Olson se não estou em erro, que a política serve essencialmente os interesses daqueles que se organizam. O resultado é “lixar” os que não estão organizados. O que pode destruir o capitalismo não são as suas contradições internas como diz o Marxismo, mas sim a sua tendência para o compadrio (crony capitalism). Este compadrio funciona de várias maneiras de acordo com as condições locais. Nos EUA funciona como descrevi sucintamente aqui e está na origem de várias “disfunções” como, por exemplo, a fragilidade do sindicalismo que foi efectivamente “capturado” pelo crime organizado justamente por causa disto. Na Europa, o compadrio é mais subtil porque, suponho, o tamanho destes países sempre fez com que fosse mais fácil que diferentes interesses se organizassem melhor contra a captura do Estado pelo capital. Se quisesse ser cínico diria que esta facilidade explica melhor o maior compromisso com o bem estar geral do que a ideia algo romântica segundo a qual os políticos na Europa se preocupariam mais com o bem estar social. Mesmíssima coisa na Coreia do Sul e no Japão.

Vistas as coisas a partir deste prisma, o que acontece em África não constitui excepção, embora assuma formas locais, claro. E o factor determinante em África é a existência dum Estado dominante em todos os sentidos, isto é no monopólio da violência (com limites, claro), mas sobretudo na sua intervenção na economia. Deter o poder político significa ocupar uma posição dominante na regulação da economia. Isto faz dos governantes não só “senhores” que tomam decisões de vida e morte (economicamente falando), mas também alvos preferenciais das investidas dos capitães da indústria e da economia. Algumas pessoas já se esqueceram da Enron que tentou usar o mau capitalismo americano para forçar concessões ao governo moçambicano e quando não o conseguiu acusou governantes de corrupção.

A tendência para o capitalismo de compadrio manifesta-se, entre nós, por uma procura de rendas individuais por meras razões estruturais, não necessariamente morais! A Isabel dos Santos (sempre ela) é, neste sentido, uma grande excepção, pois ela usou as “rendas” para investir e expandir à grande (dentro e fora do País). A gente pode condenar a forma como ela teve acesso ao capital, mas continuo a insistir que ela não se comportou de forma fundamentalmente diferente do comportamento de outros capitalistas pelo mundo fora.

Isto tudo aponta para vulnerabilidades estruturais que a gente precisa de estudar seriamente. Infelizmente, no lugar de fazermos isso, entregamo-nos ao exercício mais fácil de moralização. É aqui onde entra a segunda ideia que peço emprestada à malta da colonialidade lá da América Latina. A colonialidade estuda a nossa incapacidade de pensar o mundo fora do quadro dominante que, segundo estas correntes de pensamento, é colonial. Assim, por não sabermos como o modelo funciona de verdade alicerçamos a nossa análise na sua versão idealizada e, com base nela, vemo-nos como um problema cultural particular por resolver. É a colonialidade da ignorância. O pior é que em muitos casos não temos noção do facto de que o vocabulário que usamos para descrever e analisar a nossa situação é todo ele uma celebração dum Ocidente produto duma história idealizada a partir da qual esperamos aprender sem, contudo, nos inteirarmos do que os outros realmente fizeram e em que circunstâncias.

Mais uma vez, não tenho solução prática. Mas um desafio que vejo, pelo menos em Moçambique – e não é a primeira vez que o digo (disse-o pela primeira vez em 2001) – é duma descentralização séria. Disse, nessa altura, que talvez fosse necessário abandonar essa coisa do gradualismo e apostar numa descentralização radical (incluindo a abolição ou, pelo menos, a eleição dos governos provinciais) como forma de aliviar a pressão sobre o governo central e sua vulnerabilidade perante o capitalismo do compadrio (não coloquei as coisas nestes termos, claro), mas também de reforçar os interesses locais, principal antídoto contra a redução do poder à gestão ciumenta do País. Não deixa de ser preocupante, por exemplo, que no nosso sistema político os deputados não representem realmente os seus círculos eleitorais. Não é possível quando você nasceu, cresceu e sempre viveu em Maputo, mas por indicação do partido você é cabeça de lista em Tete ou Niassa...


Constantino Pedro Marrengula Prof, de acordo. No nosso caso, parece-me interessante que os moralistas andem de mãos dadas com os adeptos do Estado dominante, centralizador e concentrador. O que me parece bastante contraditório.
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Elisio Macamo é, faz-me muita confusão isso.
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Adelia Miglievich Ribeiro Elisio Macamo, haveria alguma tênue chance de vc estar no Brasil em outubro?
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Tomas Mario O Prof. aborda aqui, entre outras, duas questões que chamaram em particular a minha atenção, porque tenho seguido alguns debates, entre nós, em torno das mesmas. A primeira é sobre lobbies: na legislatura de 1994-98 houve deputados da AR que lançaram a ideia se "legalizar" em Moçambique a actividade do lobby. O argumento é que ele era ja feito...clandestinamente e viciava, às escondidas, negócios públicos. A ideia foi porém liminarmente rejeitada, por razoes...morais(!). A outra é sobre a descentralização: na minha opinião, a alhada em que nos envolvemos, com a corrente "descentralização" só pode reforçar a sua posição, de 2001: avançar, de uma vez, para a descentralização distrital! Que o presente processo sirva de escola, mas de muito breve duração. Porque insustentável.

Elisio Macamo Tomas Mario, isso! é claro que mesmo "legalizando" podem persistir problemas, mas o facto é que o que acontece entre nós não é necessariamente uma aberração. sobre a descentralização, é isso. insustentável e incongruente, Pedro Comissario.
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Tomas Mario Elisio Macamo Absolutamente!
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Pedro Comissario Elisio Macamo incóngruo, Professor? Tenho que ir ao dicionário!
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Mbuta Zawua Tenho alertado sobre, como de fato é impossível combater o que chamam de corrupção. Pois, acreditasse que existe um 🎯 que a partir de um ideal bélico, disparos iriam resultar na destruição daquele. E no lugar, estão quase todos a se furtar a reflexão do que propicia; do que faz que ocorra o fato social, que depois chamamos de corrupção. No caso do lado ATLÂNTICO daquele mapa quase afamado, tenho dito que se o Jlo liberar o Estado; definir o concurso público universal como caminho único para se entrar e negociar com o Estado; e por fim legislação seria sobre carreira (que já pressupõe a questão salarial digna). Ele irá cumprir o seu papel e será lembrado na história pelo este três feitos, de resto tempo seu fracasso - o seu tornar-se autoritário, senão mesmo, um ditador (um certo despacho sobre resgate de valores morais, cívicos e etc - é mostra do que tememos). Por outro, aqui como se foi copiar do irmão do Índico o modelo de autarquia que a muito se sabe ser o grande entrave de Moz, sequer se discute os governos províncias; uma legislação seria em torno dos recursos naturais; a distribuição do rendimento daqueles e etc. Pois, a oposição segue no sonho de também conseguir seus quinhões de poderes, mas no fim vão morrer na areia, nem vão chegar à beira-mar.
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Chacate Joaquim Nasceu, Cresceu e Vive em Maputo mas é Deputado pela Lista de Nampula! Pensei que fosse sozinho que sou céptico a essa forma de fazer política doméstica.
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Odibar Joao Lampeao Não tem opção de partilha, mas o texto tangencia muitos problemas de cegueira propositada que se vive atualmente, principalmente em Moçambique. No entanto as pessoas sabem que sabem o que fazem, só não sabem, que o que sabem pode ser visto por outro prisma e perceber que o que fazem pode ir além, chegando se a fazer o mais certo para a coletividade.
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