Xenofobia
Já que as eleições são assunto encerrado – a classe política, coadjuvada pelos seus grupos de choque, apostou na imbecilização do eleitorado e vende isso como campanha eleitoral – gostaria de reflectir sobre a violência na África do Sul. Não tenho a certeza se o termo “xenofobia”, pelo menos a forma como ele é tratado, é realmente útil para a gente perceber o que se passa naquele país. Etimologicamente, o termo quer dizer “medo do estranho” e no discurso popular traduzimo-lo por hostilidade contra o estrangeiro. Assim, o que estaria a acontecer na África do Sul seria uma manifestação da hostilidade dos sul africanos contra os estrangeiros.
Infelizmente, é difícil evitar o uso de terminologia turbo. “Sul africanos” não é um bom termo. Acho prudente partir do princípio de que são alguns sul africanos que se envolvem nestes actos, portanto, não todos. É igualmente prudente partir do princípio de que estes sul africanos se encontram em circunstâncias sociais (habitação, emprego, etc.) bem específicas que propiciam a manifestação violenta dessa hostilidade. Por outro lado, ainda que as vítimas sejam estrangeiros africanos negros, seria prudente partir do princípio de que esta hostilidade ao estrangeiro não seja exactamente uma hostilidade ao estrangeiro, mas sim uma manifestação de algum problema estrutural sul africano que encontra melhor expressão na vitimização destes estrangeiros. Dito doutro modo, pode ser que este seja o alvo mais acessível e que melhor traduz o problema de base que movimenta os que se envolvem nestes actos.
Com estes reparos já dá para tecer algumas considerações também importantes para nós. Para já, a ideia que leio com frequência, segundo a qual os sul africanos negros seriam ingratos – dado o apoio que a Frelimo deu (curiosamente, até simpatizantes da Renamo ou pessoas hostis à Frelimo daquele tempo fazem recurso a esta ideia!) – não faz muito sentido. Já disse isto uma vez. A Frelimo ajudou ao ANC e o ANC é visto por certos sul africanos como um grupo de bandidos que lutou pelo seu próprio bem, não pelo bem da maioria (o mesmo argumento que os nossos jovens usam hoje em dia em relação à Frelimo). Estes sul africanos não sentem, nem estão na obrigação de sentir gratidão por algo que não os ajudou em nada. A gente pode não concordar com essa postura, pois, apesar de tudo, os povos da região sofreram muito com o Apartheid, mas na perspectiva desses sul africanos a situação é clara. Gritar “ingratidão” faz-nos sentirmo-nos bem, mas não ajuda a entender o que está em jogo.
Depois, o que a gente precisa de explicar aqui não é a hostilidade ao estrangeiro. É a violência. Apesar de ser uma violência horrível, não creio que seja útil vê-la de forma isolada e como uma manifestação da barbárie “sul africana”. Não é. Em situações estruturais similares, as pessoas agem assim, na Europa, Ásia, América ou seja lá onde for. A barbárie é humana. O que provavelmente acontece lá é que o sistema político nao está em condições de encaminhar e enquadrar os ressentimentos das pessoas. Isso acontece sob o pano de fundo duma postura que é bem conhecida nossa, nomeadamente a postura segundo a qual os fins justificam os meios. Não percebo porque moçambicanos abanam a cabeça perante a violência gratuita. Não temos feito outra coisa senão fazer justamente isso no nosso próprio e ainda celebramos como heróis as pessoas que promoveram isso – do lado da Frelimo gloriosa e da Renamo.
Ao invés de a gente perder tempo a tentar perceber a crueldade da mente sul africana, a gente devia procurar saber o que tem que falhar na política para que o nosso lado animal se manifeste. Certamente que uma política sem respeito a princípios constitui a primeira coisa que precisa de falhar. Isso não tem nada a ver com corrupção, intransparência ou seja lá o que for que alimenta a indústria do desenvolvimento e seus cipaios no nosso seio. Tem a ver com a ideia de que a gente faz política como forma de proteger e promover a dignidade humana.
Cada um de nós tem que se perguntar se na sua própria postura defende esse tipo de cultura política. Você que insiste em defender desmandos que atentaram, e atentam, contra a dignidade humana no nosso país – ontem e hoje – deve se perguntar se é diferente desses sul africanos à solta. Dirijo-me sobretudo às pessoas inteligentes que andam pelo facebook a promover um partido que se revela cada vez mais incompetente, incompetência essa demonstrada também na escolha do seu líder, que celebram tudo o que esse partido faz por oportunismo ou conveniência política, que promovem o vazio de ideias como substância política, para lhes perguntar se são diferentes desses sul africanos. Porque aquilo que lá acontece, acontece porque a classe política abdicou da sua responsabilidade – ou deu razões às pessoas para suporem que ela tenha abdicado – de fazer da política a celebração da dignidade humana.
No fundo, a xenofobia é muito mais do que um problema sul africano. Ao invés de olharmos para lá, devíamos olhar para cá.
Já que as eleições são assunto encerrado – a classe política, coadjuvada pelos seus grupos de choque, apostou na imbecilização do eleitorado e vende isso como campanha eleitoral – gostaria de reflectir sobre a violência na África do Sul. Não tenho a certeza se o termo “xenofobia”, pelo menos a forma como ele é tratado, é realmente útil para a gente perceber o que se passa naquele país. Etimologicamente, o termo quer dizer “medo do estranho” e no discurso popular traduzimo-lo por hostilidade contra o estrangeiro. Assim, o que estaria a acontecer na África do Sul seria uma manifestação da hostilidade dos sul africanos contra os estrangeiros.
Infelizmente, é difícil evitar o uso de terminologia turbo. “Sul africanos” não é um bom termo. Acho prudente partir do princípio de que são alguns sul africanos que se envolvem nestes actos, portanto, não todos. É igualmente prudente partir do princípio de que estes sul africanos se encontram em circunstâncias sociais (habitação, emprego, etc.) bem específicas que propiciam a manifestação violenta dessa hostilidade. Por outro lado, ainda que as vítimas sejam estrangeiros africanos negros, seria prudente partir do princípio de que esta hostilidade ao estrangeiro não seja exactamente uma hostilidade ao estrangeiro, mas sim uma manifestação de algum problema estrutural sul africano que encontra melhor expressão na vitimização destes estrangeiros. Dito doutro modo, pode ser que este seja o alvo mais acessível e que melhor traduz o problema de base que movimenta os que se envolvem nestes actos.
Com estes reparos já dá para tecer algumas considerações também importantes para nós. Para já, a ideia que leio com frequência, segundo a qual os sul africanos negros seriam ingratos – dado o apoio que a Frelimo deu (curiosamente, até simpatizantes da Renamo ou pessoas hostis à Frelimo daquele tempo fazem recurso a esta ideia!) – não faz muito sentido. Já disse isto uma vez. A Frelimo ajudou ao ANC e o ANC é visto por certos sul africanos como um grupo de bandidos que lutou pelo seu próprio bem, não pelo bem da maioria (o mesmo argumento que os nossos jovens usam hoje em dia em relação à Frelimo). Estes sul africanos não sentem, nem estão na obrigação de sentir gratidão por algo que não os ajudou em nada. A gente pode não concordar com essa postura, pois, apesar de tudo, os povos da região sofreram muito com o Apartheid, mas na perspectiva desses sul africanos a situação é clara. Gritar “ingratidão” faz-nos sentirmo-nos bem, mas não ajuda a entender o que está em jogo.
Depois, o que a gente precisa de explicar aqui não é a hostilidade ao estrangeiro. É a violência. Apesar de ser uma violência horrível, não creio que seja útil vê-la de forma isolada e como uma manifestação da barbárie “sul africana”. Não é. Em situações estruturais similares, as pessoas agem assim, na Europa, Ásia, América ou seja lá onde for. A barbárie é humana. O que provavelmente acontece lá é que o sistema político nao está em condições de encaminhar e enquadrar os ressentimentos das pessoas. Isso acontece sob o pano de fundo duma postura que é bem conhecida nossa, nomeadamente a postura segundo a qual os fins justificam os meios. Não percebo porque moçambicanos abanam a cabeça perante a violência gratuita. Não temos feito outra coisa senão fazer justamente isso no nosso próprio e ainda celebramos como heróis as pessoas que promoveram isso – do lado da Frelimo gloriosa e da Renamo.
Ao invés de a gente perder tempo a tentar perceber a crueldade da mente sul africana, a gente devia procurar saber o que tem que falhar na política para que o nosso lado animal se manifeste. Certamente que uma política sem respeito a princípios constitui a primeira coisa que precisa de falhar. Isso não tem nada a ver com corrupção, intransparência ou seja lá o que for que alimenta a indústria do desenvolvimento e seus cipaios no nosso seio. Tem a ver com a ideia de que a gente faz política como forma de proteger e promover a dignidade humana.
Cada um de nós tem que se perguntar se na sua própria postura defende esse tipo de cultura política. Você que insiste em defender desmandos que atentaram, e atentam, contra a dignidade humana no nosso país – ontem e hoje – deve se perguntar se é diferente desses sul africanos à solta. Dirijo-me sobretudo às pessoas inteligentes que andam pelo facebook a promover um partido que se revela cada vez mais incompetente, incompetência essa demonstrada também na escolha do seu líder, que celebram tudo o que esse partido faz por oportunismo ou conveniência política, que promovem o vazio de ideias como substância política, para lhes perguntar se são diferentes desses sul africanos. Porque aquilo que lá acontece, acontece porque a classe política abdicou da sua responsabilidade – ou deu razões às pessoas para suporem que ela tenha abdicado – de fazer da política a celebração da dignidade humana.
No fundo, a xenofobia é muito mais do que um problema sul africano. Ao invés de olharmos para lá, devíamos olhar para cá.
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