Thursday, September 26, 2019

TUDO SOBRE COMO COMPRAR CARTA DE CONDUÇÃO NO INATTER SEM NUNCA TER IDO À ESCOLA DE CONDUÇÃO

ANTICORRUPÇÃO Anticorrupção - Transparência - Integridade Edição No 19/2019 - Setembro - Distribuição Gratuita Centro de Integridade Pública MINISTÉRIO PÚBLICO LEI ANTI-CORRUPÇÃO LEI DE PROBIDADE PÚBLICA CÓDIGO PENAL TUDO SOBRE COMO COMPRAR CARTA DE CONDUÇÃO NO INATTER SEM NUNCA TER IDO À ESCOLA DE CONDUÇÃO A carta de condução está à venda no Instituto Nacional dos Transportes Terrestres (INATTER). Custa 50 mil meticais e é rápido. Não é preciso inscrever-se numa escola de condução, ser submetido a exames de aptidão física e de condução. É só pagar e, em duas semanas, já tem a sua carta e pode conduzir. Durante seis meses, o CIP realizou (mais) uma investigação e conseguiu comprar algumas cartas de condução falsas que foram reconhecidas pela Polícia de Trânsito e pelo INATTER. Este texto apresenta os detalhes da actuação do esquema, que envolve funcionários seniores daquela instituição do Estado responsável pela emissão da licença de condução. Não obstante o CIP ter já exposto este caso por diversas vezes1 , a investigação apurou que a carta de condução continua à venda. Apenas mudaram os métodos. No novo esquema, o requerente ou o comprador não precisa de se inscrever numa escola de condução. Basta, para o efeito, entregar uma cópia do Bilhete de Identidade (BI) ao intermediário ou funcionário do INATTER que faz a captação de dados (que consiste em inseri-los no sistema), pagar 50 mil meticais, esperar 30 a 45 dias e irá receber a carta de condução da categoria que escolher (ligeiro ou pesado e até mesmo serviço público). Durante a investigação, vários grupos de pessoas entraram no esquema simulando que pretendiam comprar carta de condução. Sem estar habilitado a conduzir, foi possível obter as cartas solicitadas, pagando 50 mil meticais por cada. Usando mecanismos legais, obter licença de condução custa, em média, 15 mil meticais e leva seis meses desde a inscrição na escola até à obtenção da licença definitiva. Entretanto, pela via de corrupção, a carta custa 50 mil meticais e pode ser obtida em uma ou duas semanas. A carta comprada é, em tudo, semelhante à original e é reconhecida pelas autoridades. Para verificar a autenticidade da mesma, simulou-se que se tinha perdido a carta comprada e foi-se pedir a segunda via no INATTER, e esta foi passada sem nenhuma suspeita. A emissão da carta fraudulenta obedece a certas etapas previamente estabelecidas, nomeadamente a captação de dados e a atribuição, na mesma semana, da carta de condução provisória que permite ao condutor conduzir veículos automóveis em via pública quase que sem restrições. Duas semanas depois, o comprador recebe a carta de condução definitiva, que é reconhecida como autêntica. A rede de venda de cartas de condução envolve quadros do INATTER, alguns instrutores de escolas de condução e pessoas sem ligação directa ao INATTER, que servem de intermediários. 1 Carta de Condução à venda no INATTER – Corrupção que custa vidas, disponível em https://cipmoz.org/wp-content/uploads/2018/08/ layout_carta__de_conducao_a_venda_no_INATTER_1.pdf [acedido a 21 de Setembro de 2019, às 18h46] 2 Cada integrante do esquema tem o seu papel. Por exemplo, os instrutores das escolas de condução têm o papel de forjar a inscrição, numa escola de condução, do comprador da carta. Esse acto facilita o processo de captação de dados. Passos a seguir até comprar carta de condução Primeiro passo- obter o contacto de um dos integrantes do grupo. Esta é a parte mais difícil, pois é preciso conhecer alguém que já se tenha beneficiado desses ou que faça parte do esquema. As escolas de condução são os locais preferidos para a angariação de clientes compradores de cartas. Um cidadão que se desloque a uma escola de condução para saber os requisitos para a obtenção da licença de condução pode ser informado de um mecanismo mais rápido e fácil, porém um pouco caro. É convencido a desistir de se inscrever na escola e optar em comprar rápido e fácil. Este papel é executado, principalmente, por instrutores, que desempenham também o papel psicológico de garantir aos potenciais clientes que “conduzir não é um bicho de 7 cabeças”. “Paga este valor e em duas semanas tens a carta. Só precisas de três dias para praticar a condução e eu te ensino. Em três dias já sabes. Na escola vais perder tempo com aulas teóricas e burocracias mas as aulas práticas são só uma semana. Na verdade aprende-se a conduzir, conduzindo”. Estas palavras nos foram ditas por um instrutor de uma escola de condução da capital que tentava convencer os nossos investigadores que a melhor opção é comprar a carta. Uma vez convencido o cliente a comprar carta de condução, segue-se a fase de pagamento. Para garantir que o esquema não é uma burla, o pagamento é faseado. A última parte só é paga com a licença de condução na mão do cliente. A Figura 1 mostra a captura de um ecrã com mensagens de texto (SMS) que documenta a negociação com um intermediário. Discute-se detalhes da modalidade de pagamento e o tempo que se leva para obter uma carta de condução de forma fraudulenta. Figura 1 Mensagens de texto trocadas com o intermediário, omitindo o número de telefone. Nas mensagens trocadas com o intermediário é possível observar que o sistema está bem elaborado e funciona. O pagamento do valor para a aquisição da carta é feita em duas 3 prestações, para o conforto do “cliente”. A primeira prestação é de 25.000,00 Mt que corresponde a 50% do valor total cobrado e é paga no início do processo e o remanescente é pago no acto da entrega da carta definitiva. Segundo passo- o requerente faz a captação de dados, de forma presencial, no INATTER, quer na cidade de Maputo quer na Matola. Alternativamente, o “cliente” entrega uma cópia do bilhete de identidade e uma foto tipo passe e a captação é feita sem a presença física deste nas instalações do INATTER. Para a presente investigação, um dos membros da equipa de investigação efectuou o pagamento da primeira prestação via depósito bancário, no dia 11 de Julho de 2019. A Figura 2 mostra a cópia do talão de depósito para o pagamento da primeira prestação para a compra da carta de condução. Omitimos o nome do titular da conta mas mantivemos o número da conta. Figura 2. Cópia de talão de depósito do valor referente à primeira prestação para a aquisição da carta. (Nome do titular da conta omitido) Após apresentar o comprovativo do depósito do valor ao intermediário deu-se início ao processo de aquisição da carta. Para tal o investigador do CIP entregou uma cópia do bilhete de identidade e uma foto do tipo passe para a captação de dados sem se fazer presente ao INATTER. Após a inserção dos dados, a carta é emitida sem se fazer nenhum exame, aproveitandose a fragilidade que o sistema comporta e que determina a necessidade de intervenção humana para o seu seguimento para fases ulteriores. Essa possibilidade está relacionada com a substituição das cartas de condução dos cidadãos da região da SADC, as quais têm validade em todos os países da região, e de países com acordo de reconhecimento de cartas com Moçambique. Terceiro passo – emite-se a carta de condução provisória. No nosso caso, passados 8 dias após a entrega do valor e dos documentos para a captação de dados, a carta de condução do nosso investigador, datada de 19 de Julho, foi emitida. A figura 3 mostra uma cópia da carta de condução provisória adquirida de forma fraudulenta. Omitimos o nome e a fotografia do nosso colega. 4 Figura 3. Carta de condução provisória que foi entregue uma semana após o pagamento da primeira prestação. Quarto passo – efectua-se o pagamento da última prestação do valor acordado e entregase a carta de condução definitiva, 2 semanas depois de receber a carta provisória. A carta provisória que nos foi passada no dia 19 de Julho foi substituída pela carta definitiva no dia 02 de Agosto, após o pagamento da segunda prestação do valor acordado para a sua obtenção. A figura 4 mostra a carta de condução definitiva emitida sem que o titular tenha sido submetido a algum tipo de exame. Ocultamos o nome, a fotografia e o número do BI do titular da carta de condução obtida fraudulentamente. Figura 4 carta de condução obtida de forma fraudulenta Nigerianos e chineses são os principais clientes Da investigação, apuramos que os principais clientes deste esquema fraudulento são cidadãos estrangeiros de nacionalidade nigeriana ou chinesa. “Em Dezembro de 2018, um cidadão de nacionalidade nigeriana foi interpelado por funcionários do INATTER quando ia levantar a carta. Apercebendo-se do nervosismo do cidadão e, pelo facto do mesmo nunca ter ido antes ao INATTER, o funcionário questionou-o quando foi emitida a carta. Para a sua surpresa, o cidadão nigeriano não falava, nem entendia a língua portuguesa, factor este que aumentou os níveis de desconfiança de que 5 a carta foi emitida de forma ilegal. O cidadão foi levado para a 1ª Esquadra da Polícia da República de Moçambique na Cidade de Maputo mas depois foi liberto”contou-nos um colaborador do INATTER. Segundo os funcionários, por indicação de superiores hierárquicos do Ministério do Interior, não foi aberto nenhum processo- crime contra o cidadão em questão e o mesmo teve acesso à carta de condução sem nunca ter frequentado uma escola, colocando em causa a sua integridade e a dos demais condutores. De acordo com os dados disponíveis no sistema de exame multimídia é possível notar a discrepância entre os candidatos examinados e as cartas emitidas, o que denota um número elevado de cartas de condução a circular com cidadãos sem, no entanto, estarem legalmente habilitados a conduzir veículos automóveis. Negócio de carta ilegal 2,5 milhões de meticais por mês Dados obtidos no INATTER durante a pesquisa mostram que, por semana, são emitidas entre 10 a 15 cartas de condução de forma fraudulenta, totalizando mensalmente entre 40 a 50 cartas, o que gera uma próspera indústria de corrupção que movimenta cerca de 2,5 milhões de meticais por mês, aproximadamente 40 mil dólares só na cidade e província de Maputo. Anualmente o número de cartas de condução emitidas fraudulentamente chega a 600, gerando uma receita de cerca de 30 milhões de meticais para a indústria de corrupção. Um negócio mortífero Os acidentes de viação estão entre as principais causas da mortalidade em Moçambique, um país paradoxalmente com um parque automóvel muito baixo. Em média, morrem por semana 30 pessoas vítimas de acidente de viação, posicionando Moçambique entre os 20 países do mundo com a taxa mais elevado de mortes por acidentes de viação. Um estudo da Organização Mundial da Saúde publicado em 2016 colocou Moçambique na 15ª posição dos países com mais mortes por acidentes de viação do mundo, estimando que, a cada 100 mil habitantes, 30 morrem por acidentes de viação2 . Embora os factores de acidentes de viação sejam diversos, dentre eles, certamente, há que ter em conta o facto de grande número de condutores se fazer à estrada sem ter passado por exames de condução, seja de aptidão física, seja do domínio das regras de trânsito ou de habilidade prática para conduzir. O investigador do CIP que obteve carta de condução a troco de 50 mil meticais sem nunca frequentado alguma escola de condução poderia fazer-se à estrada a qualquer momento, ao volante de um veículo automóvel, sendo um condutor com alto risco de cometer acidente. Durante a realização da investigação, solicitou-se a direcção do INATTER para pronunciar-se sobre a venda de cartas de condução, tendo esta declinado fazer qualquer comentário. Alguns funcionários do INATTER referiram que a direcção da instituição tem conhecimento destes factos, contudo não tem tomado medidas necessárias para obviar que tais factos aconteçam. Segundo os mesmos funcionários, por várias vezes referiu--se a necessidade de eliminação da janela do sistema que permite a emissão de cartas de condução sem que se passe pelos exames, mas a direcção mostrou-se contra esta medida, alegando que essa janela deve estar aberta para permitir a substituição das cartas por parte de cidadãos nacionais e estrangeiros que obtiveram as cartas noutros países da SADC. A impunidade continua no INATTER, permitindo a reprodução da corrupção nos centros 2 https://www.who.int/violence_injury_prevention/road_safety_status/2013/data/table_a2.pdf?ua=1 [acedido a 21 de Setembro de 2019, às 15h21]. 6 de exames multimédia. Os funcionários do INATTER, quando são identificados em actos corruptos, ao invés de serem responsabilizados, são transferidos de um departamento para outro, permitindo-lhes manter as redes de corrupção. A direcção do INATTER tem informação sobre como funciona o sistema de venda de cartas de condução, mas até então não se conhecem acções concretas que tenham sido executadas para a responsabilização dos funcionários envolvidos em tais práticas e, consequentemente, eliminar-se a rede de corrupção existente na instituição. Aqui está um claro exemplo de “capim alto” incompetente que lesa o Estado em Milhões de meticais. Directamente ligados ao esquema corrupto estão outros milhões ligados a danos causados por vários acidentes de viação que causam milhares de vítimas humanas e prejuízos avultados ao país. Se o Presidente da República não tinha conhecimento deste esquema, com este trabalho tê-lo-á. O CIP irá proceder à entrega das provas deste esquema de corrupção ao Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC), como contributo para a responsabilização dos envolvidos. Parceiros: Rua Fernão Melo e Castro, Bairro da Sommerschild, nº 124 Tel: (+258) 21 499916 | Fax: (+258) 21 499917 Cel: (+258) 82 3016391 @CIP.Mozambique @CIPMoz www.cipmoz.org | Maputo - Moçambique InformaÇão editorial Director: Edson Cortez Autor: Egas Jossai Equipa técnica: Baltazar Fael, Borges Nhamire, Ben Hur Cavelane, Celeste Banze, Egas jossai Inocência Mapisse, Stélio Bila Revisão Linguistica: Percida Langa Propriedade: Centro de Integridade Pública Maquetização: Liliana Mangove

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