Thursday, July 18, 2019

AO FIM DO DIA 18/07/2019

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AO FIM DO DIA
18/07/2019
 
 
 
 
 
JN
 
HELENA TEIXEIRA DA SILVA
 
 
"Acendeu-se a luz, estão vivos outra vez." Estamos.
 
 
 
 
Aviso à navegação: este texto é para quem gosta de festivais de música. Quem embirra com essa maratona de concertos a que Portugal aderiu nos últimos anos, pode parar de ler agora.
 
Um dia, ao início da noite, numa edição mítica do Super Bock Super Rock (SBSR) no seu lugar sagrado e de sagração - o Meco - Paulo Furtado (The Legenday Tigerman) subiu ao palco e anunciou a frio: "Isto é sobre procurar Deus". E foi mesmo.
 
 
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Naqueles cinco anos (2010-2014) em que o SBSR decorreu na mágica Herdade do Cabeço da Flauta, perto de Sesimbra, encontrámos muitas vezes aquele que parecia ser o nosso concerto do ano por muitos anos. Como naquele ano em que os Portishead entraram em nós como uma experiência espiritual de onde não parecia possível sair igual nem depressa. Mas depois de um concerto vinha sempre outro. Às vezes, logo a seguir. Não deviam ter-nos dado a dilaceração de Beth Gibbons antes do avassalador ritual de comunhão dos Arcade Fire na mesma noite. Era muito mais do que podia pedir-se. E no entanto aconteceu sucessivamente. E nem sempre com os grandes cabeças de cartaz. Tantas vezes foi ao luz do sol, concertos de algodão como nuvens brancas.
 
Como quando a francesa Victoria Legrand (Beach House) nos trouxe aquele ainda fresco "Teen Dream" para nos garantir que tudo é possível, que ali éramos todos adolescentes, todos criaturas por corromper, todos ainda cheios de esperança e de sonhos. E nós acreditávamos. Ou como quando Dougy Mandagy (The Temper Trap ), rapaz indonésio, emocional, arrasador, pôs uma pradaria inteira a cantar "Our love was lost but now it's found" como se aquele amor perdido e encontrado fosse o de todos nós. Ou como quando os Grizzly Bear aterraram ali e ninguém, mesmo ninguém, não sabia não cantar aquele refrão de Two weeks: "Would you always, maybe sometimes, make it easy? Take your time". Ou como quando os Beirtut nos engoliram naquela homilia festiva, fanfarra mundial, esfusiante e melancólica. Ou como quando Prince cantou "nothing compares to you", Prince em Purple Rain, Prince absoluto rei da sala a céu aberto a apontar para Deus uma vez e outra e outra vez, Prince, alguém imagina?, a ofuscar-se para fazer brilhar Ana Moura. Todos nos deixávamos levar por eles, tantos, tantos, Alabama Shakes, Woodkid, o comício de Eddie Vedder, as ultra tardias Sleight Bells, National, Cut Copy, o hilariante concerto do Pet Shop Boys, cada um terá os seus cromos colados na caderneta do coração, todos até ao céu, lugar para onde tudo, mesmo tudo parecia apontar naquelas noites incrivelmente mágicas de SBSR.
 
O SBSR ameaçou muitas vezes tornar-se oficialmente no nosso festival preferido. Mas depois decidiram tirá-lo daquela pradaria em que o vento e a música se colavam à pele, em que o som nem sempre estava bem, voava e perdia-se, em que o pó parecia sempre demais (quem queria realmente saber?) mas em que tudo era para guardar no lugar onde se guardam as coisas a que regressamos sempre. "You only live once", gritou Julian Casablancas numa noite em que não cabia nem mais uma formiga no recinto.
 
A música é coisa séria. Tentar explicar a alguém que não gosta de festivais de música, ou o que lhes é indiferente, por que razão a mudança do SBSR do Meco para Lisboa em 2015 foi ganhar uma nódoa negra no coração é pura perda de tempo. Mas este ano é obrigatório saudar o regresso do festivalàquela espécie de fábula onde esta quinta-feira atuam Marlon Williams, Jungle, Cat Power, Lana del Rey, 45 concertos ao todo. E esperar que Luiz Montez cumpra a promessa que fez ao JN.
 
Os Ornatos Violeta nunca tocaram no Meco, mas é de Manel Cruz a frase que melhor define aquele festival agora regressado a casa. "Acendeu-se a luz, estão vivos outra vez." Estamos vivos outra vez. E estivemos vivos, vivos e tremendamente comovidos outra vez, no NOS Alive, na semana passada, quando milhares de pessoas, vinte anos depois, cantaram um álbum inteiro de cor, o álbum que ajoelhou Coura há sete anos, O Monstro Precisa de Amigos, e o álbum que poderemos voltar a ouvir amanhã, no Marés Vivas em Gaia.
 
Há quem adore odiar festivais. Mas a democratização dos festivais de música fazia falta e faz bem. Na dúvida, é ir sempre. Estamos vivos outra vez.
 
Bom fim de semana.
 
 
 
 
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