....uma autentica lastima!
Os funcionários que trabalham nos tribunais mal dão de caras com um jornalista a chegar devem pensar que estão em presença de um invasor. Não propriamente um invasor qualquer, mas um maluco que não sabe o que vai fazer no local, se não tiver o azar de ser visto como alguém que vai meter o nariz onde não foi chamado. Logo que dão de caras com um jornalista, os funcionários do tribunal querem lhe mostrar o quanto ali tudo é proibido para este profissional, incluindo respirar. Fazem-no tanto de forma directa quanto de forma indirecta. Se o jornalista tiver a sorte de ter uma proibição indirecta e tácita, ainda consegue ali permanecer, fingindo que não deu conta dos sinais de interdição. Mas se a proibição for de forma directa e expressa, logo verás o jornalista a ser escorraçado da sala de julgamento como se de um maluco se tratasse. Lembro-me de uma vez a jornalista Salane Muchanga ter chegado a redacção no jornal Savana deprimida e a deitar lágrimas pelo facto de haver sido humilhada por um juiz que descobriu que ela era jornalista e por isso tratou logo de escorraça-la. Nessa altura, o Editor Fernando Gonçalves e o Director Kok Nam não queriam saber de lágrimas nenhumas. Só queriam a estória publicada no jornal e mais nada. Aliás, o Kok Nam até já tinha o título que Salane devia dar a estória: JUIZ EXPULSA JORNALISTA. Se bem que se tratava do julgamento de um caso de violação sexual protagonizada por um enfermeiro contra uma paciente, razão pela qual a lei impõe que o julgamento do caso seja a porta fechada para salvaguardar a integridade da vítima, não cabe na cabeça de ninguém que o juiz da causa, no lugar de explicar isso à jornalista, optou por humilhá-la, pura e simplesmente. Muitas vezes a arrogância dos funcionários dos tribunais no tratamento dos jornalistas começa a partir do secretariado, passando pelos oficiais de justiça até aos juízes. É mal tratado o jornalista ao ser expulso de um julgamento sem qualquer explicação. Há juízes que expulsam jornalistas dos julgamentos sem nem sequer conseguirem esconder o seu ódio por eles, tornando a situação ainda mais deprimente. Lembro-me de uma vez termos sido impedidos de efectuar a cobertura jornalística do julgamento dos jornalistas Luís Nhachote, João Chamusse e Alvarito de Carvalho por crimes contra a segurança do Estado por haverem tido o atrevimento de publicar uma reportagem na qual ousaram questionar a nacionalidade da então Primeira-Ministra, Luísa Diogo. No caso, o Ministério Público decidira chamar para si as dores de Luísa Diogo que supostamente lhe haviam sido provocadas pelo jornal ao questionar a sua nacionalidade, tornando assim um crime que é particular na natureza num crime público, neste caso os crimes de calúnia e difamação contra titulares de altos cargos do Estado, desde o Presidente da República, Primeiro-Ministro e até Secretário-Geral de partido político, são considerados como crimes contra a segurança do Estado. Lembro-me que teríamos inicialmente sido impedidos de cobrir o julgamento eu (SAVANA), Maura Xiv (Mediafax) e Paul Fauvet (AIM) que havíamos acorrido para aquele tribunal, sem que nos tivesse sido dada qualquer explicação. É por isso que tenho muito respeito e consideração pelo juiz João Guillherme, que julgou Carlos Nuno Castel Branco e Fernando Mbanze, permitindo a ampla cobertura do julgamento por parte dos jornalistas. Há-de ter entendido o juiz João Guilherme que não fazia sentido nenhum impedir a imprensa de fazer a cobertura do julgamento, tratando-se pois de um julgamento público, bem como de um julgamento que despertou a atenção de toda sociedade. Seja como for, quando os jornalistas vão cobrir um julgamento num tribunal onde não tem a sorte de terem um Joao Guilherme como juiz, mas sim um juiz arrogante, vejam vocês de como serão escorraçados como se de uns malucos se tratasse mal seja visto na sala do julgamento. Essa cultura de secretismo exacerbado no sistema de administração da justiça chega a dar nojo. Não é por acaso que fiquei enojado quando um tal de oficial de justiça proibiu-me de tirar notas no julgamento do jornalista Matias Guente, enquanto o fotógrafo jornalista que ali estava foi impedido de tirar fotos da sessão. É esse tipo de funcionamento que coloca o nosso sistema de justiça atrasado 500 anos. Impedir os jornalistas de registar imagens de um julgamento que é público assim como de tomar notas para o apontamento de reportagem equivale a querer nos dizer que nós somos uns malucos. Mas mais do que isso, equivale a impedir os jornalistas de exercerem o seu trabalho. Um julgamento onde se proíbem os jornalistas de tomar notas devia ser considerado inconstitucional. O que eu sei é que os julgamentos à porta fechada constituem uma excepção, sendo o princípio do julgamento público a regra. Portanto, sempre que um jornalista é impedido de cobrir um determinado julgamento, ele deve insurgir-se contra esse impedimento, ainda que não o faça ali mesmo no tribunal para não ter o azar de ser escorraçado directamente para as celas por ordens do juiz que não lhe quer ver por perto. O foto-jornalista ficou assustadíssimo quando o oficial de justiça lhe disse para não tirar fotos no julgamento de Matias Guente, dado que ele já havia começado a fazer o seu trabalho antes mesmo de iniciar a sessão quando o oficial de justiça impediu-o de fotografar, dirigindo-se a ele em modos não de simpatia mas de humilhação. A mim causa nojo ver um trabalhador humilhar outro trabalhador, no lugar de respeitar o seu trabalho e o seu espaço. O oficial de justiça não tinha nada que humilhar o fotógrafo jornalista, impedindo-o de tirar fotos. O oficial de justiça não tinha nada que me impedir a mim de tomar notas. O pior é que vai fazendo tudo isso em nome da juíza, o que eu agora não acredito muito que tivesse sido a juíza que o mandou proceder de tal modo. É contra esse secretismo exacerbado que os jornalistas têm se queixado, um secretismo que em nada contribui para uma justiça que se pretende mais transparente, mais livre, aberta e plural. Quando entramos numa sala de julgamento é como se tivéssemos recuado 500 anos, não somente pelo ambiente solene e já de si pesado imposto pelas vestes antigas dos juízes mas também pelo tratamento humilhante que o tribunal dispensa não somente aos réus, que ainda são somente réus e não condenados, mas também aos jornalistas, caso sejam vistos na sala. Um jornalista numa sala de julgamento não é propriamente uma mosca que ali se infiltrou. É em nome do direito à informação que assiste ao povo que o jornalista vai aos tribunais cobrir julgamentos. Talvez seja esta também a razão porque somente um jornalista no activo e um jornalista fora do activo (autor destas linhas) tenham estado a cobrir o julgamento de Matias Guente, dado que os jornalistas não gostam nada de frequentar julgamentos, alegando não ser área deles, pois são da política, da sociedade, da economia, da cultura e do desporto. Eles sabem muito bem que os juízes não gostam deles e têm medo de ser expulsos sem quaisquer esclarecimentos, como se eles fossem uns malucos. Ou como se fossem cães, só para variar. Isto tudo acontece num sistema de administração da justiça que pouco investe na assessoria de imprensa em particular bem como nos seus gabinetes de comunicação e imagem em geral. A assessoria de imprensa na justiça tal como o jornalismo judiciário independente são áreas profissionais com as suas próprias especificidades. Não é somente o jornalista que cobre assuntos de justiça que deve ter conhecimentos da lei, mas também os próprios assessores de imprensa dos tribunais. Por acaso existem assessores de imprensa nos tribunais moçambicanos? Se não existem, então deviam existir. Se não existem, então deviam os oficiais de justiça dos tribunais serem capacitados em matérias de relacionamento com jornalistas. Não somente os juízes deviam ser formados nisso, mas também os oficiais de justiça, senão estes, sobretudo. Há aqueles que são arrogantes pura e simplesmente porque não sabem o que fazem, sobretudo quando a ignorância lhes convoca à arrogância, tornando-se atrevida e agressiva. A melhor prova deste meu entendimento é aquele oficial de justiça que tomou a iniciativa de ir ter com o réu Matias Guente para lhe dizer que não devia gesticular sem que a juíza lhe tivesse mandado agir de tal modo, o que muito aborreceu o advogado de defesa João Carlos Trindade, que imediatamente insurgiu-se contra a situação, ao que a juíza reagiu dizendo que aquela era uma atitude isolada do oficial de justiça e que em nada representa a postura do tribunal. Se Matias Guente teve quem defendeu o seu direito de gesticular a vontade no banco dos réus, já os jornalistas importunados pelo mesmo oficial de justiça que se viram impedidos de fazer o seu trabalho não tiveram propriamente quem tivesse saído em defesa deles, o que me obrigou a permanecer durante todo aquele julgamento com a cabeça ligada para ver se conseguia gravar na minha memória o que estava ali a ser discutido. Se o Sindicato Nacional de Jornalistas não nos serve para nada, precisamos de encontrar outras formas de defender os direitos dos jornalistas que gostam de cobrir as actividades dos órgãos de administração da justiça em geral assim como dos julgamentos em particular. Enquanto não existir uma figura de assessor de imprensa nos tribunais, ao oficial de justiça deve ser atribuído o papel de afixar na parede os nomes do juiz, dos juízes eleitos, do magistrado do Ministério Público, do advogado do ofendido, do advogado do réu, do ofendido, do réu, das testemunhas e declarantes, o que já seria um grande contributo em prol do acesso à informação nos tribunais. Quando se fez a revisão do Estatuto Orgânico dos Tribunais Judiciais, onde foram introduzidas restrições na transmissão de julgamentos em directo, não pensei que fossem restrições que culminariam com esta vergonha que nos é dada a assistir, a ponto dos jornalistas serem impedidos de fotografar e até de tirar notas num julgamento. Não somente os jornalistas devem ser capacitados em matérias de justiça, mas também os próprios agentes da administração da justiça, desde juízes, oficiais de justiça, assessores de imprensa e companhia limitada deverão ser capacitados em matérias de comunicação, tanto é que a justiça que os juízes nela trabalham não é para o seu benefício próprio, mas sim para o benefício dos cidadãos, sendo estes que pagam impostos para que a justiça funcione. Num país em que o governo tem assessores de imprensa em demasia, começa a ser oportuno que se pense nas assessorias de imprensa das instituições de justiça a fim de que se melhore a comunicação das mesmas bem como o relacionamento com os jornalistas e demais profissionais de comunicação social. Não deve o sistema de justiça ter medo dos jornalistas. Nós não vamos roubar os processos amontoados de qualquer maneira na sala de julgamento. Se desaparecerem processos, perguntem aos senhores oficiais. Pode ser a praga das boladas! Por uma sociedade mais livre, justa e plural. A Luta Continua!
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